Negócios e Franquias
Como o serviço de “cliente oculto” ajuda a melhorar as estratégias do restaurante
Os últimos dois meses da pandemia do coronavírus já serviram para mostrar que o mercado está aquecido com os clientes ávidos em sentar para almoçar o jantar. Desde julho, entidades representativas do setor apuram que os restaurantes já conseguiram atingir o mesmo nível médio de vendas registrado em 2019, após 16 meses de muitas restrições.
É um cenário animador em que a concorrência está um pouco menor, mas com todos buscando conquistar o mesmo público. Cada erro e tropeço no caminho pode custar um cliente que, se mal atendido, pode preferir o restaurante ao lado. O mesmo vale para um prato que não alcance as expectativas dele.
Para contornar isso, empresários estão recorrendo aos serviços de “cliente oculto”, onde uma pessoa vai ao restaurante como um cliente qualquer e avalia todo o local em questões como atendimento, ambiente, limpeza, organização, conhecimento do garçom sobre os pratos servidos, entre outros pontos.
É um serviço que pode parecer caro em um primeiro momento, mas os valores variam muito dependendo da apuração contratada. O retorno, ao final da avaliação, pode surpreender até mesmo aos empresários que acreditam ter tudo sob controle.
Segundo Tânia Alves, gerente geral da Bare no
Brasil, uma das empresas que prestam este tipo de serviço, há opções em conta
tanto para pequenos operadores como grandes redes alimentícias.
Brasil, uma das empresas que prestam este tipo de serviço, há opções em conta
tanto para pequenos operadores como grandes redes alimentícias.
“Vamos pensar em um local em que o cliente vai consumir um tíquete-médio de R$ 50 por exemplo: essa avaliação vai ter um preço que oscila de R$ 130 a R$ 200 por cliente oculto, dependendo da quantidade de questões a serem avaliadas”, explica.
Nesta entrevista ao Bom Gourmet Negócios, ela explica ainda quais os erros mais comuns vistos pelos clientes ocultos, e como são corrigidos depois pelos empresários. Veja os principais trechos da conversa, que foram condensados para melhor entendimento do leitor.
Bom Gourmet Negócios: Estamos em uma fase da recuperação dos negócios que qualquer erro no serviço ou no produto pode ser fatal para os restaurantes que conseguiram se manter em pé. Todos estão com os negócios muito debilitados, e perder cliente hoje está longe de qualquer possibilidade. Como o serviço do “cliente oculto” pode ajudar a evitar isso?
Tânia Alves: Sem dúvida, quem está no mercado hoje é um sobrevivente a esse choque muito grande da parada dos negócios, e a concorrência ainda mais agora nesta volta dos clientes – e cada um ainda vai ter seu tempo até se sentir realmente preparado para retornar aos restaurantes. Já para o empresário, o entendimento que se deve ter é de que quando o cliente coloca o pé no restaurante, ele tem que estar preparado, principalmente pelo atual cenário do mercado. E, neste ponto, o “cliente oculto” é uma ferramenta que ajuda muito, em que este “cliente comum” vai ao estabelecimento munido de um questionário para apurar questões desde a higiene, focadas no controle da pandemia, mas também a infraestrutura, o ambiente como um todo e a alimentação. São pontos que a gente vai desenhar no nosso programa para que o empresário consiga melhorar os seus serviços e encantar os clientes nesta volta do atendimento presencial. É quase como se ele tivesse começando de novo, e ele vai ser testado. É o nosso papel agora ajudar esse empresário a se reorganizar, porque a pandemia desorganizou todos os processos de todas as empresas. Outra questão é o “turn over”, com uma alta rotatividade nas empresas, e muita gente nova entrando que precisa ser bem treinada.
Como é o trabalho de um “cliente oculto” nos restaurantes, os itens que ele vai precisar analisar ao sentar numa mesa?
A gente desenha o programa a quatro mãos com o dono do restaurante, colocando a nossa expertise para direcioná-lo, e ele nos dá a vivência e o conhecimento dele para chegarmos numa melhor avaliação. Essa é a primeira etapa. Já na segunda etapa, a gente vai buscar esse “cliente oculto” no nosso banco de dados, um consumidor da marca ou mais próximo que tenha o perfil do negócio. E a gente fornece a ele algum direcionamento, como a plataforma que ele vai usar, os itens que ele irá analisar. E então vamos para a terceira etapa, que são os itens propriamente ditos de avaliação, e estes são os mais diversos. Pode ser desde a recepção no restaurante, a acomodação dele na mesa, depois a apresentação do cardápio, conhecimento técnico do garçom, a própria apresentação do uniforme deste colaborador, a postura, como ele vai explicar os pratos, quanto tempo leva para servir entre fazer o pedido e o prato ser entregue, como a refeição foi servida, a qualidade dela, etc. E depois as questões de infraestrutura, a iluminação, a limpeza e o serviço até chegar a conta. Todo o processo é feito por etapas, e temos empresas que prestamos serviços que já atingiram o nível de excelência em alguns destes fatores, então vamos filtrando os pontos que precisam ser melhorados. Em suma, o serviço do “cliente oculto” é todo customizado.
Ou seja, não existe um questionário padrão, tudo vai depender dos pontos críticos encontrados nos estabelecimentos.
A gente até vê no mercado alguns clientes novos
que já tem ali um questionário padrão com uma avaliação bem simples para ver o
resultado em cima. Este não é o melhor caminho. Para você desenhar um programa
que vai te levar a bons insights, tem que realmente adaptar à realidade daquele
estabelecimento.
que já tem ali um questionário padrão com uma avaliação bem simples para ver o
resultado em cima. Este não é o melhor caminho. Para você desenhar um programa
que vai te levar a bons insights, tem que realmente adaptar à realidade daquele
estabelecimento.
Na sua experiência de trabalhar com restaurantes, tanto grandes como pequenos, quais os problemas mais relatados por eles nas avaliações, os motivos que os levam a contratarem o serviço de “cliente oculto”?
A gente trabalha com restaurantes de diversos tamanhos, com diferentes problemas que podem ser mais toleráveis em alguns do que em outros. Mas, uma coisa que é sempre recorrente é o conhecimento técnico do garçom sobre o cardápio, a recepção e a acomodação também, embora pareça algo tão simples. As pessoas chegam em um restaurante que tem três, quatro ambientes, e ficam perdidas sem saber onde podem se sentar, ou a pessoa quando acolhe não dá o acompanhamento devido. Este é o cartão de visitas do restaurante, e muitas vezes já deixa de ter uma boa impressão. São detalhes que, por trás, precisam ter um bom treinamento. Vejo que as empresas não conseguem aplicar um bom treinamento e também não conseguem oferecer bons incentivos para a manutenção dessas práticas.
De falha em falha, o restaurante pode acabar perdendo o cliente para o concorrente, certo?
É isso, e hoje a gente pode falar que a palavra fidelidade, embora seja clichê, é o que toda marca busca. E aí surge a pergunta: como é que eu vou fidelizar esse cliente? Quando ele entra no seu estabelecimento, é a oportunidade de encantar e conseguir que volte. É uma chance que as empresas às vezes não prestam a atenção, e eu até entendo que este setor está sendo pressionado por questões de custos e resultados. Mas, quem está na gestão do negócio, tem que separar as coisas e conseguir organizar isso. Porque, senão, não vai aumentar o faturamento, ainda mais neste momento em que todos estão se preparando para isso.
As avaliações são personalizadas de acordo com o tamanho e a necessidade de cada restaurante, mas o que dita o valor de cada rodada de análise?
A gente senta com o empresário para definir o tamanho da amostra, que vai oscilar normalmente em torno de quantos clientes aquele estabelecimento tem, quais os horários de pico, quais os dias da semana, etc. Vamos pensar assim: se você está trabalhando com um fast food, por exemplo, eu vou na minha base em busca de clientes que frequentam praças de alimentação. Se, por um acaso, eu vou fazer uma avaliação em um restaurante de hotel, vou buscar pessoas que estão ao redor dele, que frequentam aquele local. E quando vou para um restaurante premium, tenho que focar logicamente num consumidor de alto poder aquisitivo, das classes A e B que tem no seu perfil histórico a visita à restaurantes similares no Brasil. É um programa de alto foco construído com perguntas quantitativas e qualitativas, o que dá a oportunidade de ouvir a opinião daquele consumidor e, no final, conseguir gerar um relatório com muitos insights.
Em linhas gerais, para os restaurantes médios brasileiros, quanto custa contratar um serviço assim?
Nessa equação, a gente vai ter alguns critérios de precificação. Um deles é o volume, a quantidade de unidades que o restaurante tem no país. O segundo é a localização, se está nas capitais ou no interior. E o terceiro é o perfil do estabelecimento, onde o valor de avaliação em um fast food é diferente de um super premium. Vamos pensar num consumidor que vai frequentar um local que tem um tíquete-médio de R$ 50, por exemplo. Essa avaliação vai oscilar de R$ 130 a R$ 200 por cliente oculto, vai depender dessa série de pontos de análise.
Em torno de quanto tempo dura essa avaliação?
Varia muito de uma empresa para a outra, já que às vezes envolve um diretor de marketing ou de operações e que o proprietário precisa dar o aval para realizar a pesquisa. Mas, da nossa parte da avaliação, entre sentar com o restaurante e ele tiver agilidade de nos trazer as respostas que precisamos para elaborar o programa, conseguimos colocar para rodar em até 20 dias. Nós trabalhamos com o que a gente chama de “ondas”, com uma avaliação que dura um mês e fecha um relatório ao final do período. Depois faz um segundo mês, elaboramos uma apresentação para discutir melhorias e o restaurante faz alguns ajustes no seu modelo de negócios. Depois uma terceira onda para avaliar aquela evolução. Temos clientes que ficam conosco durante muito tempo, buscando melhorias em diferentes níveis de operação até chegar nos 95% de avaliação, que é o nível de excelência na operação. Nesses diferentes patamares, os restaurantes vão migrando para focar em diferentes níveis de análise. O “cliente oculto” é também uma ferramenta de gestão para auxiliar os departamentos, ajustar os planos das suas estratégias para atender melhor os consumidores lá na ponta. Isso é bem visível no processo, e também acaba sendo uma ferramenta de premiação para as equipes do negócio, para premiar os funcionários com uma melhor performance.