Mercado e Setor
Shoppings perderam 110 mil empregos em alimentação e serviços durante a pandemia
Funcionando com restrições severas há 14 meses, as operações de alimentação e serviços em geral localizadas nos shoppings centers brasileiros já eliminaram cerca de 110 mil empregos com o fechamento de até 12 mil lojas, segundo relatório da Associação Brasileira de Shoppings Centers (Abrasce) obtido pelo Bom Gourmet Negócios. Os impactos da pandemia nos centros de compras, normalmente os primeiros a serem fechados por decretos mais restritivos, passam dos R$ 100 bilhões entre perda de vendas e alugueis e taxas que deixaram de ser cobrados para manter as operações em pé.
Desde a semana passada, a entidade vem publicando manifestos e informes publicitários em jornais de grande circulação nacional pedindo que novos decretos de “lockdown” não sejam adotados no país, principalmente em cidades e capitais do Sul e Sudeste que já preveem uma terceira e uma quarta onda da Covid-19, por conta da chegada do frio e do inverno no mês que vem.
O relatório aponta que, desde o início de 2020, os shoppings brasileiros funcionaram plenamente por apenas 15% dos 504 dias até esta segunda (17). Durante o período de pandemia, foram 91 dias completamente fechados, em média, em algumas cidades brasileiras. Neste momento, nenhum atende com mais de 50% da capacidade.
Glauco Humai, presidente da Abrasce, explica que
a situação vivida pelos shoppings centers do país é extremamente delicada, com
a possibilidade de aumentar a falência de negócios que conseguiram se manter
até aqui se novas medidas mais restritivas começarem a ser adotadas.
a situação vivida pelos shoppings centers do país é extremamente delicada, com
a possibilidade de aumentar a falência de negócios que conseguiram se manter
até aqui se novas medidas mais restritivas começarem a ser adotadas.
“A taxa de vacância estava em 7% até o começo de março, quando começaram os decretos mais restritivos em diversas cidades do Sul e Sudeste. Acredito que esse número vai aumentar em abril e maio”, conta.
Nesta entrevista ao Bom Gourmet Negócios, Glauco Humai analisa a situação do segmento no país, as políticas econômicas adotadas e, principalmente, os impactos que a falta de medidas efetivas por parte do poder público provocaram nos negócios:
Bom Gourmet Negócios: Temos visto algumas cidades e capitais do país já elaborando decretos de lockdown em vista do crescente número de casos e da previsão de uma nova onda da Covid-19 para o final de maio e ao longo do mês de junho no Sul e Sudeste, por causa da chegada do frio. Passados 14 meses de restrições, como fica a situação dos shoppings e seus operadores, sejam eles de alimentação ou de serviços em geral, se novas medidas mais restritivas forem adotadas?
Glauco Humai: A situação do setor de comércio e serviços em geral no Brasil, incluindo aí os shoppings, ela é extremamente delicada do ponto de vista financeiro. Porque, desde o ano passado, os shoppings têm ficado nesse vai e vem de abre e fecha que é tão prejudicial quanto uma medida de fechamento maior. Temos impactos financeiros, tributários, trabalhistas, dificuldade de planejamento, estoque, dificuldade de acesso ao seu público consumidor, mudanças constantes de horários e dias de operação (em cidades como Curitiba, o funcionamento aos domingos está proibido neste momento). Essa perda de R$ 90 bilhões em vendas se soma aos R$ 6 bilhões que as próprias administrações dos shoppings injetaram para ajudar os lojistas nesse momento de dificuldade, além de algumas outras perdas com outros recebíveis e outras taxas que, no final, somam mais de R$ 100 bilhões que o setor foi impactado nesse um ano de pandemia.
Do outro lado, não tivemos nenhuma linha de
crédito, auxílio ou diferimento de imposto ou um plano estruturado efetivo e
robusto para poder enfrentar essa dificuldade. E nós, desde março do ano
passado, temos conversado, debatido, proposto às três esferas de governo
medidas, propostas e soluções para que possamos tentar equacionar isso. O setor
de comércio e serviços e os shoppings fecham sistematicamente, são sempre os
primeiros a fecharem e os últimos a abrirem, e quando abrem é com uma série de
restrições enquanto diversos outros segmentos da economia e a informalidade que
continuam funcionando ininterruptamente. Ou seja, uma parcela pequena da
economia brasileira está pagando os custos de todo o fechamento proposto sem
ter contrapartida nenhuma, o que não acontece em nenhum outro país do mundo. Em
outros países, os governos deram contrapartida aos trabalhadores e aos
empresários, com linhas de crédito a juros praticamente zero ou subsidiadas,
dinheiro a fundo perdido, diferimento de impostos, uma gama enorme de
alternativas para que o empresário pudesse fechar e contribuir com o isolamento
social e a sociedade, tendo aqui o meu negócio preservado até a pandemia ser
solucionada. No Brasil, estamos sendo fechados sem qualquer auxílio, com uma
quebradeira generalizada e uma onda de demissões. E continuamos, passados 14
meses, ainda pedindo para o governo um plano e soluções econômicas, tributárias
e fiscais para nos auxiliar a passar por esse momento.
crédito, auxílio ou diferimento de imposto ou um plano estruturado efetivo e
robusto para poder enfrentar essa dificuldade. E nós, desde março do ano
passado, temos conversado, debatido, proposto às três esferas de governo
medidas, propostas e soluções para que possamos tentar equacionar isso. O setor
de comércio e serviços e os shoppings fecham sistematicamente, são sempre os
primeiros a fecharem e os últimos a abrirem, e quando abrem é com uma série de
restrições enquanto diversos outros segmentos da economia e a informalidade que
continuam funcionando ininterruptamente. Ou seja, uma parcela pequena da
economia brasileira está pagando os custos de todo o fechamento proposto sem
ter contrapartida nenhuma, o que não acontece em nenhum outro país do mundo. Em
outros países, os governos deram contrapartida aos trabalhadores e aos
empresários, com linhas de crédito a juros praticamente zero ou subsidiadas,
dinheiro a fundo perdido, diferimento de impostos, uma gama enorme de
alternativas para que o empresário pudesse fechar e contribuir com o isolamento
social e a sociedade, tendo aqui o meu negócio preservado até a pandemia ser
solucionada. No Brasil, estamos sendo fechados sem qualquer auxílio, com uma
quebradeira generalizada e uma onda de demissões. E continuamos, passados 14
meses, ainda pedindo para o governo um plano e soluções econômicas, tributárias
e fiscais para nos auxiliar a passar por esse momento.
“Para você ter uma ideia, só no ano passado, os shoppings aí de Curitiba passaram, dos 365 dias do ano, só funcionaram plenamente por 78 dias. Ficaram fechados completamente por 67 dias, e operaram com restrições por 221 dias”, explica.
Então, no ano passado, os shoppings de Curitiba
funcionaram normalmente apenas 20% dos dias do ano, mas pagaram IPTU e seus
débitos e negociações de ISS, de ICMS, normalmente. Contando até o dia de hoje,
são 504 dias em que os shoppings só funcionaram plenamente por 78 dias (15% do
total), ficarem fechados por 91 dias e 335 dias operando com restrições, com
limitação de dias e horários e capacidade de apenas 30% a 50%.
funcionaram normalmente apenas 20% dos dias do ano, mas pagaram IPTU e seus
débitos e negociações de ISS, de ICMS, normalmente. Contando até o dia de hoje,
são 504 dias em que os shoppings só funcionaram plenamente por 78 dias (15% do
total), ficarem fechados por 91 dias e 335 dias operando com restrições, com
limitação de dias e horários e capacidade de apenas 30% a 50%.
Uma pesquisa divulgada pelo Bom Gourmet Negócios nesta segunda (17) aponta que seis em cada dez empreendedores de bares, lanchonetes e restaurantes de todo o Brasil, sejam operadores de rua ou de shoppings, dizem não ter condições de suportar mais um decreto de fechamento total de atividades. Para muitos deles, o dinheiro do Pronampe não chegou no ano passado, e os que conseguiram agora estão endividados com receitas comprometidas por até um ano.
As informações são tantas que a população e o poder público, o legislador, acham que todos estão fechando, pagando a sua conta e dando a sua parcela de contribuição. Quando, na verdade, nós ficamos fechados esse absurdo de dias sem nenhum auxílio enquanto que outros vários segmentos estão funcionando normalmente, crescendo a dois dígitos por ano. Precisamos achar uma equação antes de discutir novos fechamentos. Essa possibilidade de novos fechamentos é extremamente crítica [neste momento de empresários muito endividados], temos que ter outra solução. Programas como o Pronampe e o BEm ajudam, no ano passado ajudaram muito, mas tem um alcance e um volume limitados, e uma velocidade também limitada. Eles se somaram aos auxílios que os shoppings deram, como isenções de aluguéis e taxas [dentro dos R$ 6 bilhões], mas poderiam ser programas muito mais robustos do ponto de vista de caixa, mais ágeis (demoraram a ser implantados no ano passado), menos burocráticos (os pequenos negócios tiveram muitas dificuldades de acessarem). E esse ano, impressionantemente, a gente sabemos lá no final do ano passado que essa situação iria se prolongar, o governo deixou a medida expirar e demorou praticamente cinco meses pra retomar, o que é um absurdo, sendo que não há nenhuma outra alternativa para os operadores.
"É aquela coisa: você chega para os donos de restaurantes e de lanchonetes que, na maioria das vezes, são pequenos e familiares apenas para pagar as contas, e diz que ele precisa fechar. Não é ele que quer fechar, é o governo que vem e manda fechar, mas sem dar nada em troca", destaca.
Aí ele fica sem o dinheiro do sustento da família, o trabalhador fica desempregado também por não ter condições de ser mantido no emprego, e o governo fica ali discutindo outras questões que não são coladas à realidade.
Como a entidade vê essa questão de abre e fecha para conter a disseminação do vírus, até onde vocês entendem a efetividade dessas medidas?
No ano passado se criou uma imagem de que deveria fechar o comércio por causa da circulação de pessoas, e isso está sendo quebrado e desconstruído ao longo de 2020 e 2021, porque o comércio não gera tumulto, tem protocolos rígidos, não gera circulação maior de pessoas, então por que continuamos a ser penalizados? Recentemente mandamos uma correspondência para a prefeitura de Curitiba com várias outras sugerindo alternativas para evitar o fechamento total dos shoppings, como escalonamento de horários de funcionamento das atividades econômicas, um rigor maior na fiscalização sanitária dos estabelecimentos para abrirmos com mais segurança, ampliação do efetivo do transporte público para poder espaçar as pessoas, seja talvez um rodízio das atividades econômicas. Porque não é justo só o setor de comércio e serviços, sobretudo bares e restaurantes, que são os primeiros a serem fechados, pararem as atividades enquanto que outros segmentos continuam abertos recebendo pessoas, vendendo, crescendo, e o governo fazendo ali um papel que não é o correto de mediar “conflitos” que existem na sociedade. Poxa, se um setor está aberto e o outro não, vamos tentar equalizar isso. Isso não está acontecendo.
“Estamos falando de um desmoronamento de um segmento que é organizado, forte, tem estrutura, e que conseguiu na parceria com o seu lojista mantê-los vivos. Fora, na rua, a situação é ainda pior para os bares e restaurantes”, ressalta.
De acordo com relatório da Abrasce obtido pelo Bom Gourmet Negócios, além da demissão de 110 mil trabalhadores, foram fechadas de 10 a 12 mil lojas entre operações de alimentação e serviços em geral. Não é difícil perceber isso ao caminhar pelos shoppings centers de qualquer região do país. Como está a situação atual na comparação com o período pré-pandêmico?
A vacância no final de 2019, antes da crise,
para o final de 2020 dobrou nos shoppings brasileiros, nunca houve algo assim
na história do segmento. Passou de 4,7% para 9,3%. Nesse início de ano, em
janeiro e fevereiro, que os shoppings ainda estavam funcionando com restrições
[antes dos decretos de fechamento total de março e parte de abril], conseguimos
reduzir para algo em torno de 7%. Acredito que, nos próximos levantamentos, ela
vai aumentar um pouco por conta desses fechamentos. Só em março deste ano nós
tivemos uma queda média de vendas de 30% na comparação com março de 2020, e em
março de 2020 a queda foi de 31% na comparação com março de 2019. Ou seja, os
dados são extremamente ruins, e precisam ser entendidos pelo poder público. Eu
vi vários bancos, inclusive públicos de fomento, emprestando dinheiro a taxas
de mercado, a 15% de juros, pedindo garantia de imóveis e recebíveis. Como isso
é possível? O Tesouro e o BNDES têm que entrar como parte do risco, tem que
entrar como garantidor, tem que assumir o risco.
para o final de 2020 dobrou nos shoppings brasileiros, nunca houve algo assim
na história do segmento. Passou de 4,7% para 9,3%. Nesse início de ano, em
janeiro e fevereiro, que os shoppings ainda estavam funcionando com restrições
[antes dos decretos de fechamento total de março e parte de abril], conseguimos
reduzir para algo em torno de 7%. Acredito que, nos próximos levantamentos, ela
vai aumentar um pouco por conta desses fechamentos. Só em março deste ano nós
tivemos uma queda média de vendas de 30% na comparação com março de 2020, e em
março de 2020 a queda foi de 31% na comparação com março de 2019. Ou seja, os
dados são extremamente ruins, e precisam ser entendidos pelo poder público. Eu
vi vários bancos, inclusive públicos de fomento, emprestando dinheiro a taxas
de mercado, a 15% de juros, pedindo garantia de imóveis e recebíveis. Como isso
é possível? O Tesouro e o BNDES têm que entrar como parte do risco, tem que
entrar como garantidor, tem que assumir o risco.
Para você ter uma ideia: de janeiro a maio de
2021, a queda de faturamento no Paraná e em Curitiba, que são muito
semelhantes, é da ordem de 26% na comparação com os primeiros cinco meses do ano
passado – e superior a 50% na comparação com o mesmo período de 2019.
2021, a queda de faturamento no Paraná e em Curitiba, que são muito
semelhantes, é da ordem de 26% na comparação com os primeiros cinco meses do ano
passado – e superior a 50% na comparação com o mesmo período de 2019.
Neste momento em que já se prevê uma terceira ou quarta onda da Covid-19 no Brasil, dependendo da região que for afetada, quais seriam as medidas ideais de ajuda do poder público para o segmento?
Precisamos de duas medidas efetivas, em que uma é mais fácil e a outra é possível. A primeira é a suspensão imediata do pagamento de impostos nas três esferas da administração pública, que tinha que vir já colada com os decretos de fechamento até que a atividade econômica pudesse retomar o funcionamento. E o segundo é dinheiro, é crédito, em um volume que seja condizente com a realidade, a condições acessíveis e uma velocidade condizente. Um plano estruturado que fale “olha, o lojista que precisa de R$ 50 mil para passar o mês fechado honrando com todos os seus encargos e despesas do negócio, está aqui o dinheiro”. Tem que ser assim, não tem como. Um plano de longo prazo, porque não dá para dar o dinheiro hoje e já cobrar amanhã, cobrar 15% de juros ao ano.
"Tem que dar dinheiro e esquecer, a fundo perdido, recuperar daqui a cinco anos", frisa.
E para as empresas mais estruturadas, maiores, além da possibilidade de dar dinheiro, o governo poderia dar créditos tributários para serem descontados a longo prazo, com planejamento de dois, três, quatro anos, em que se paga um imposto menor até recompor o que for necessário emprestar para manter o negócio em pé. Isso é só encaixar na conta, não é nada inventando e nem absurdo, só precisa ser priorizado pelo poder público.