Mercado e Setor
“Sempre deu certo assim”: por que os donos de restaurantes não podem mais pensar deste jeito
"Sempre deu certo, sempre foi assim". É com essa afirmação que Elis Cavalcante, consultora em gestão estratégica de operações de foodservice em São Paulo, explica o pensamento de boa parte dos donos de bares e restaurantes do Brasil que, segundo ela, ainda não enxergaram que tudo será diferente após passar o período mais crítico da pandemia do novo coronavírus.
A consultora, que atua na área de gestão empresarial há quatro décadas, vem acompanhando de perto o desenrolar da crise no setor provocada pelo avanço da Covid-19, com o fechamento por decreto ou voluntário dos estabelecimentos em várias cidades do país. Em São Paulo, onde atua mais diretamente, os bares e restaurantes só podem operar por delivery ou balcão há mais de um mês.
Para a especialista, muitos empresários ainda vivem a ilusão de que precisam reabrir os restaurantes para fazer a economia andar, como se nada tivesse mudado. Participando de um webinar da Guersola Consultoria, de São Paulo, Elis propôs alguns questionamentos.
"Fazer qual economia andar, para quem? O cliente do foodservice hoje é o mesmo que eu tinha há um mês atrás? As demandas são as mesmas?", questiona.
As dúvidas geradas por ela não são à toa. O setor de foodservice é um dos mais afetados pelas regras de isolamento social, com uma queda de até 70% no movimento de clientes nas primeiras semanas. Entidades do setor avaliam que o desemprego nos estabelecimentos de alimentação fora do lar pode chegar a meio milhão de pessoas no país até o mês de junho.
Ano de aprender
Elis Cavalcante afirma que 2020 será voltado basicamente ao aprendizado e muito planejamento para manter as operações em pé. Como ninguém sabe ainda o que vai acontecer e quais serão os novos hábitos dos consumidores, ela acredita que haverá uma ruptura muito profunda no núcleo de atuação do setor.
"Os restaurantes viviam uma espécie de primeira revolução industrial, com gente que não sabe sequer usar um forno combinado. Esse momento de pandemia veio para forçar o setor a evoluir e deixar o "sempre deu certo assim" para trás", diz.
Esta revolução fará os empresários enxergarem que a necessidade de consumo não é mais a mesma de um mês atrás. Os clientes, que antes eram focados na experiência toda do restaurante, agora terão outras prioridades. E já há alguns sinais do que pode vir para frente.
O que vai mudar
Restaurantes que trabalhavam apenas no à la carte, por exemplo, tiveram de ir para o delivery, mas ainda sem acertar a estratégia ideal. Elis diz que vê muitos estabelecimentos apenas replicando o cardápio do salão para a entrega, com os mesmos pratos e preços, acreditando que o cliente vai continuar com o mesmo hábito -- o que não é bem assim.
"Quando eu estou em casa , quero comer coisas que caibam na minha renda e me confortem, e de vez em quando, uma vez na semana, aquele prato especial do restaurante", afirma.
Outra mudança que já se vê no horizonte é quanto à tomada de decisões. No trabalho de consultoria, Elis sempre viu o setor trabalhar de forma muito verticalizada, com determinações vindas de cima para baixo. No entanto, a própria situação atual já indica que as decisões precisam ser tomadas em conjunto, desde a cúpula do restaurante até os mais operacionais.
"O que fazemos bem juntos, onde temos forças e fraquezas, pra depois olharmos para o mercado, porque muita coisa ainda vai ser criada", analisa.
Entre outras mudanças apontadas por ela estão a simplificação e otimização de processos internos, a digitalização cada vez maior dos negócios com atuação "omnichannel' (diferentes canais de operação), e o redesenho de salões e cozinhas -- grandes restaurantes ficarão no passado.
