Mercado e Setor
Integral, intermitente e com gorjeta: as medidas para manter os empregos no restaurante
Com o avanço da crise do novo coronavírus e o fechamento de bares e restaurantes em todo o país – em algumas cidades por decreto ou voluntariamente em outras – surge a preocupação de como manter os empregos sem gerar uma onda de demissões.
Ao longo da última semana e nesta segunda-feira (23), o governo federal anunciou uma série de medidas para proteger os empregos de toda a cadeia produtiva nacional, o que inclui trabalhadores do setor de alimentação fora do lar.
Entre as determinações que fazem parte da Medida Provisória 927 -- válidas por 60 dias prorrogáveis por mais 60 -- estão a flexibilização de algumas regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para a concessão de férias individuais e coletivas, a antecipação de feriados, o regime especial de compensação de banco de horas e o adiamento do recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Houve, ainda, a possibilidade de suspensão temporária dos contratos de trabalho por quatro meses, que chegou a ser publicada na noite de domingo (22), no Diário Oficial da União, detalhada pelo secretário do trabalho Bruno Dalcomo na manhã de segunda (23) e suspensa pelo presidente Jair Bolsonaro três horas depois.
De acordo com o presidente da regional Paraná da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-PR), Nelson Goulart Junior, as medidas tomadas até agora pelo governo federal são paliativas e não atingem o real problema causado pela crise do coronavírus: os salários dos funcionários. Para ele, os bares e restaurantes não terão dinheiro suficiente para honrar com os pagamentos.
"A posição da Abrasel é continuar fazendo pressão no governo para que ele coloque todos os trabalhadores no seguro desemprego. Isso vai custar muito dinheiro sim, mas o governo vai ter que fazer esse rearranjo das finanças. Não vai ter como sairmos dessa sem uma ajuda muito maior", afirma.
Fabio Aguayo, presidente do Sindicato das Empresas de Gastronomia, Entretenimento e Similares de Curitiba (Sindiabrabar), afirma que as novas medidas serão avaliadas com os associados. É possível que a entidade edite sugestões de termos aditivos à MP.
"Muitos empresários estavam angustiados esperando uma resposta ou decisão do governo, entre elas esta que foi parcialmente ou integralmente atendida no qual avaliaremos com toda a calma e ver outros pontos, inclusive suspender a data base base e as negociações da categoria em maio", explica.
Em entrevista à GloboNews na manhã desta segunda-feira (23), o secretário do trabalho do Ministério da Economia, Bruno Dalcomo, afirmou que uma medida provisória para antecipar o seguro desemprego está em estudo e deve ser publicada ainda nesta semana. Uma possibilidade, segundo ele, é ter regras específicas para determinados setores do comércio, entre eles de alimentação fora do lar e turismo -- os mais atingidos pela crise, segundo ele.
Há ainda a expectativa de novas medidas de flexibilização ou mesmo isenção do pagamento de impostos nas três esferas de poder, e a suspensão de contas básicas de água e energia elétrica durante o período de crise.
Demandas próprias
Por outro lado, o setor de alimentação fora do lar pede medidas mais específicas, já que bares e restaurantes trabalham com uma dinâmica variada de contratações via CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). O advogado trabalhista Bruno Michel Capetti, do escritório Marins Bertoldi Advogados, explica que o ideal seria um decreto oficial de fechamento total dos estabelecimentos, para dar uma garantia legal aos empresários.
“Eles estão em uma situação de limbo diante do caos que estão vivendo, entre a necessidade de ficar com os estabelecimentos abertos sem faturamento e a omissão do governo. Seria um fator de segurança jurídica que houvesse um decreto governamental para fechá-los, evitando o risco de contágio dos colaboradores no caminho de suas casas para o trabalho e mesmo da equipe que lida diretamente com o público”, esclarece.
O advogado explica como ficam os empregos dos funcionários a partir de agora com base na CLT e nas medidas anunciadas pelo Governo Federal e contempladas na MP 927:
1- Contratos de jornada integral
Trabalhadores que cumprem jornada integral de contratação por CLT, como equipes fixas de cozinha e atendimento, podem ser afastados nas seguintes modalidades:
Redução de jornada e salário: os trabalhadores que cumprem jornadas integrais contratados pela CLT podem ter os salários reduzidos em até 25% respeitando o piso mínimo regional proporcional às horas trabalhadas. Essa redução já está prevista em lei nos artigos 501 e 503 da CLT e diz respeito à redução de horas e de salário em caráter de força maior, sugerindo-se, por cautela, a formalização de uma negociação coletiva com o sindicato da categoria para dar mais segurança jurídica. Uma nova medida do Governo Federal a ser divulgada nesta semana pretende ampliar para 50%.
Antecipação de férias individuais: essa antecipação permite que os empregados não fiquem à mercê do mercado e garante um prazo estimado de 30 dias até que o surto se estabilize. Pelo texto original da CLT, as férias deveriam ser comunicadas com 30 dias de antecedência. No entanto, neste momento extraordinário, esse prazo foi flexibilizado para 48 horas, por se tratar de interesse público mesmo que o trabalhador não tenha completado o período aquisitivo de 12 meses. Além disso, permite o pagamento do terço de férias até a data de pagamento do 13º salário, assim como das próprias férias no mês subsequente à concessão, garantido um fôlego de caixa aos empregadores.
Férias coletivas: vale a mesma regra para a antecipação de férias e não necessita de notificar os sindicatos laborais das categorias e o Ministério da Economia.
Antecipação de feriados: a medida provisória autoriza a antecipação de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais, com notificação por escrito ou eletrônico aos funcionários com 48 horas de antecedência. Já os religiosos deverão ser acertados individualmente com os funcionários e também oficializados por escrito. A MP também autoriza que os feriados poderão ser utilizados para compensação do saldo em banco de horas.
Banco de horas: a jornada pode ser interrompida por meio de banco de horas com compensação em até 18 meses após o fim do estado de calamidade pública. No entanto, a recuperação do período interrompido poderá ser feita mediante prorrogação de jornada em até duas horas, que não poderá exceder 10 horas diárias, sem necessitar de acordo prévio entre empregador e empregado.
Teletrabalho (home office): atividades administrativas e financeiras podem ser feitas remotamente desde que notificado ao empregador com 48 horas de antecedência. Recomenda-se a pactuação entre empregado e empregador apenas quanto à responsabilidade por manutenção de equipamentos e reembolso de despesas para tais atividades remotas. Ainda, o uso de aplicativos, mesmo após a jornada de trabalho regular, não configura tempo à disposição do empregador, salvo ajuste contrário entre eles.
"Durante o estado de crise, trabalhador e empregador poderão celebrar acordo individual com preponderância à Lei, respeitados os limites da Constituição Federal", informou o Ministério da Economia durante o anúncio das medidas.
Há ainda a suspensão do recolhimento do FGTS pelos empregadores referente às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente. O recolhimento poderá ser realizado em até seis parcelas sem multas e encargos, com vencimento no sétimo dia de cada mês, a partir de julho de 2020.
2- Contratos de jornada intermitente
Segundo Bruno Michel Capetti, os trabalhadores contratados por CLT para jornadas intermitentes só são convocados sob demanda. Ou seja, a remuneração se dá somente se houver atendimento.
“Por consequência, não há nenhuma contrapartida financeira. E a nossa legislação não prevê um período mínimo ou máximo de convocação ao trabalho”, explica.
3- Contratos com gorjeta
Os trabalhadores que ganham um salário mínimo complementado com gorjeta se enquadram nas mesmas regras de contratos de jornada regular. No entanto, como a legislação considera este benefício parte da remuneração para fins trabalhistas e, portanto, diminuindo se o restaurante tiver uma queda no faturamento ou fechar as portas, essa remuneração não seria necessária. No entanto, Capetti explica que há um limbo jurídico que não é explicado na legislação.
"Isso permite diversas interpretações e pode ser objeto de reivindicações para os empregados pela diferença de gorjetas recebidas anteriormente e a falta delas no momento atual", analisa Capetti.
O especialista conta que se não há gorjeta porque o estabelecimento fechou, os empresários podem defender que não há pagamento neste período, garantindo-se o direito básico ao salário mensal, bem como justificando o estado de força maior.
"Sendo assim, o recomendável é considerar as alternativas de redução de jornada e salário via negociação coletiva, ajuste de turnos e jornada individualmente, antecipação de férias e banco de horas do contrato de jornada integral", conclui.
4- Contratação por taxas
Modalidade mais utilizada para reforço de equipes, os trabalhadores autônomos por taxa não são registrados e não tem qualquer garantia da CLT, mesmo em momentos sensíveis como este. Capetti explica que, para os donos de restaurantes, não há uma preocupação jurídica direta e imediata com isso, ressalvando-se que sejam realmente autônomos sem qualquer subordinação jurídica e donos do risco do seu próprio negócio.
No entanto, há uma questão social-econômica muito peculiar que está sendo analisada pelo Governo Federal e deve mudar com a aprovação de uma nova Medida Provisória em estudo pelo poder executivo.
“O pacote de benefícios em tramitação no Congresso Nacional prevê um pagamento de R$ 200 por mês durante três meses por parte do Governo Federal”, esclarece.
A metodologia exata ainda está sendo estudada, mas a ideia é criar uma espécie de cartão virtual que a pessoa consiga sacar o dinheiro em qualquer banco público. O governo também estuda lançar um site para a pessoa poder solicitar o benefício e ter acesso a esse cartão.