Bom Gourmet
Manu Buffara: a melhor chef mulher da América Latina de 2022
Manu se move com determinação para realizar seus sonhos. E quais são os sonhos da requisitada Manoella Buffara, a chef Manu, como é conhecida? Mudar o mundo. Pelo menos é isso que ela diz para as filhas, Helena e Maria, sempre que sai de casa para trabalhar. “Mamãe está indo mudar o mundo”, avisa às meninas.
E Manu realmente tem conseguido ganhar espaço e voz para isso. Foi aos poucos fazendo revoluções na gastronomia curitibana, depois conquistando seu lugar de destaque nas cozinhas do Brasil e agora dá mais um passo no registro do seu nome na gastronomia mundial. Neste mês, Manu recebe o prêmio de melhor chef mulher da América Latina de 2022 pelo ranking The World ‘s 50 Best Restaurants. A cerimônia de premiação, que também revelará os 50 melhores restaurantes da América Latina, será no dia 15 de novembro, no México.
Seguindo a jornada internacional, no começo deste mês a curitibana passou a comandar o Fresh in the Garden, do Soneva Resort, nas Ilhas Maldivas. É um Manu pop-up, com o cardápio baseado em pratos vegetarianos, veganos e frutos do mar. A experiência durará um ano e a ideia é levar o estilo de sua cozinha, muito baseada em sustentabilidade, com o uso e a valorização de vegetais e ingredientes locais, para um dos destinos mais luxuosos e desejados do planeta.
Já no primeiro trimestre de 2023, a chef inaugura o Ella, sua casa em Nova York. E, ufa, também em 2023, lança um livro de receitas e memórias. A biografia escrita por Carolina Chagas contará a trajetória de Manu. “Com a parte boa e também as dificuldades”, diz a chef. Além de histórias, haverá receitas, claro. A chef selecionou 80 preparos para retratar e revelar a sua cozinha, a cozinha da Manu.
As conquistas, como se vê, são muitas. Manu brilha. Para tanto, a chef se apegou a uma receita simples: fé e trabalho, como costuma dizer. A essa lista ainda acrescentamos intensidade. Seja quando está com a família, com os amigos, cozinhando ou viajando, ou ainda engajada em causas sociais e ambientais, ou preparando eventos. Não se pode negar. Manu acredita, faz, comanda.
Em meio a essa agenda cheia, a chef abriu um espaço e recebeu o Bom Gourmet para uma entrevista em que conta sobre sua trajetória, planos e família.
Qual foi a sua reação quando soube do prêmio?
Chorei, claro. Demorei para acreditar. Não pensei que ganharia esse reconhecimento. Minhas filhas, a Helena e a Maria, que tem sete e seis anos, agora contam orgulhosas que a mãe é a melhor chef das Américas (risos). Passado o susto, porque é muito difícil você ser indicada quando está fora do eixo São Paulo e Rio de Janeiro, percebi que tudo o que recebi até agora na minha carreira foi resultado do meu trabalho. Vi que o esforço e a dedicação valem a pena. Tenho consciência disso, estou mais madura. E não apenas pelos prêmios, ser reconhecida por pessoas como o Alex Atala (chef) e Andrea Petrini (jornalista criador do Gelinaz) é muito especial. Por isso, fica claro que não podemos desistir porque muitas vezes, nos momentos difíceis, todo mundo pensa em desistir e eu já passei por muitos.
Você acredita que o ambiente da cozinha é ainda mais desafiador para as mulheres?
Não vejo diferença entre o trabalho da mulher e do homem, mas talvez ainda seja necessário mostrar nosso desempenho e talento e alcançarmos uma maior visibilidade.
O que eu vejo é que o mais desafiador de ser mulher está fora da própria cozinha. A gente pesa a casa, a família, os filhos e, muitas vezes, acaba desistindo, não seguindo em frente. Infelizmente, ainda temos essa coisa de que o marido trabalha e cabe só à mulher cuidar da família e dos filhos. Eu nunca me coloquei nessa posição. Sempre me coloquei na posição de que vou trabalhar e vou mudar o mundo. E eu falo isso para as minhas filhas: a mamãe não está indo trabalhar, a mamãe está indo mudar o mundo. Então, eu acho que é isso que posso dizer para as jovens chefs: venham mudar o mundo.
E como faz para acordar e sair determinada a mudar o mundo?
Olha, muita gente vai querer te puxar pra baixo, seja homem ou mulher. Muita gente vai te dizer não, muitos não vão acreditar em você. Mas tenha fé no seu trabalho, fé em você mesma. Quando nós abrimos, todo mundo falou: esse restaurante não vai dar certo. Mas estamos aqui. Claro, tudo tem muito trabalho envolvido também. E eu tenho um grupo de pessoas que trabalha muito e que também acredita em mim, que me enxerga como liderança. Porque chef é só uma palavra, quem te põe o título de chef são as pessoas com quem você trabalha e que te veem como uma líder.
Você tem falado que o prêmio te dá um palco. O que você quer falar de cima desse palco?
Realmente, o prêmio dá o palco, dá o microfone, mas cabe a mim saber usar. Eu quero aproveitar o momento para passar a nossa mensagem. É muito legal você cozinhar para um grupo privado de pessoas, mas se você não propagar e não compartilhar o teu conhecimento, isso acaba não fazendo sentido dentro da sociedade.
"Criar um prato vegetariano é mesmo mais complicado do que criar um prato com proteína animal. Mas é preciso e é possível."
Eu vejo que temos o dever de combater a fome e isso se dá por meio da informação e da educação. E é possível falar sobre alimentação para todas as classes sociais. Podemos mostrar o que é nutricional, o que vai para o lixo e pode ser transformado em alimento novo, falar sobre segurança alimentar, saúde, empreendedorismo.
Uma das características do seu cardápio é a valorização dos vegetais. Quais os desafios de criar usando ingrediente simples?
A partir do momento em que a gente entender que o vegetal pode ser igual um foie gras, muita coisa vai mudar. Mas para isso é preciso entender o vegetal. Entender que você como chef, como cozinheiro, pode fazer uma cenoura se tornar a melhor cenoura que o seu cliente já comeu na vida. Não é porque é um menu vegetariano que ele é menos, não é porque é uma harmonização sem álcool, com fermentados, por exemplo, que tem menos valor que uma harmonização com vinhos.
Agora, criar um prato vegetariano é mesmo mais complicado do que criar um prato com proteína animal. Mas é preciso e é possível. Eu falo que a partir do momento que a pessoa entra aqui no Manu, ela está comprando a minha criatividade. Eu até brinco que aqui eu sou paga para criar. E criar é isso, transformar aquele alimento do dia a dia em algo surpreendente. Então, quando o cliente vem ao Manu e compra a experiência de estar aqui eu ofereço o melhor da minha criatividade.
Mas sempre respeitando e entendendo o ingrediente. Tem uma coisa que minha avó sempre me falava e eu guardo: Não vá matar o peixe duas vezes, minha neta. Porque ele já morreu por você e aí você vai cozinhar e acaba com o peixe, fica horrível. Com o vegetal é a mesma coisa. Mas precisa ter esse trabalho de pensar, de conhecer o alimento e, assim, não matar o produto pela segunda vez.
Como é a influência das tuas raízes familiares na sua cozinha?
Com a parte da minha mãe eu aprendi a tocar e a provar os ingredientes. Meu avô por parte de mãe, por exemplo, ele era muito conhecido nas feiras de Curitiba por provar todos os produtos antes de comprar. Eu falava, vou levar essa maçã, e ele dizia: não, antes temos que provar. Vai levar a maçã como se não sabe se está boa? A minha mãe é muito assim e eu também.
Do meu pai já vem essa parte do campo, da valorização do produto, do produtor, as horas de sol, o cansaço para produzir o alimento. Eu lembro de criança pegar minha caneca de manhã, colocar chocolate e ir pegar o leite direto na vaca. Eu tive essa infância muito próxima do alimento. Eram balaios de goiaba para descascar, tachos de goiabada no fogo, fazíamos o requeijão, o açúcar mascavo. Isso me ensinou que tudo precisa de esforço. E a profissão, o trabalho, é como o alimento. Você chega aonde você chega graças a muito esforço.
O que almeja a chef Manu Buffara?
Sonho em poder transformar a vida das pessoas, melhorar a alimentação e ver mais chefs da minha cidade e do meu país ganhando reconhecimento. Sonho também um dia quem sabe ter um restaurante em uma fazenda e poder montar um centro de estudos e pesquisa e ser referência para transmitir o conhecimento para mais pessoas.
E qual é o seu prato preferido?
Gosto de comida caseira, do churrasco que o Dario (marido) faz. Mas quando chego de uma viagem gosto de comer quirera preparada com caldo de porco, com uma salada de repolho e tomate, bem ácida. É uma delícia.