Bom Gourmet

Do empório à experiência: como o Armazém Machry de Porto Alegre aposta no futuro da gastronomia sem esquecer suas raízes

Anderson Hartmann, com Laura Tedesco Bressan
15/07/2025 18:00
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Machry completa 38 anos de história. Restaurante atravessa gerações em Porto Alegre | Foto: divulgação.

O dito popular sugere que, diante de um limão, o melhor é fazer uma limonada — e foi exatamente o que Carmen Machry fez em 1988. Em meio à inflação e à instabilidade econômica do fim dos anos 1980, ela transformou o desafio em ponto de partida: decidiu empreender. Nascia, assim, em Porto Alegre o restaurante Machry, um negócio guiado por propósito em tempos incertos. Durante o Plano Collor, quando o bloqueio de contas obrigou o fechamento temporário da casa, Carmen mergulhou nos estudos sobre alimentação ortomolecular — tema pouco explorado à época. Dessa pausa forçada vieram os princípios que sustentam o restaurante até hoje: saúde, simplicidade e autenticidade.
Com a retomada em 1990, já sob o comando das filhas, Ilse e Iara Machry, a proposta evoluiu sem abrir mão da essência. 
— Tudo com alma, e isso gera conexão emocional. Quando um cliente sente um gosto que remete à infância, o vínculo está criado! Uma alegria ver isto! — resume a empresária.
Ao longo das décadas, o restaurante se adaptou sem perder sua identidade. Durante a pandemia, abandonou o modelo de buffet e migrou para o serviço à la carte, valorizando o preparo feito sob demanda e reduzindo o desperdício. A decisão não foi apenas operacional: refletiu uma nova forma de pensar a alimentação em um mundo que exige mais responsabilidade e consciência ambiental. Como alternativa ao buffet, criaram o “Fristik”, uma entrada inspirada no lanche típico alemão, raiz culinária da família, que hoje inclui até salada de pão e antepastos variados. 

Conexão global 

Visitar feiras internacionais é uma das formas que o Machry encontrou para acompanhar as transformações do setor e adaptar as tendências globais à realidade local. A mais marcante delas foi a NRA Show, considerada a maior feira de alimentação e hospitalidade do mundo, realizada anualmente em Chicago, nos Estados Unidos.
Foi a partir de visitas ao evento que a equipe do restaurante passou a repensar o formato do cardápio e a experiência como um todo. O modelo tradicional deu lugar a uma proposta mais leve, enxuta e conectada com a rotina dos clientes.
— A inspiração em feiras como a NRA nos motivou a implementar cardápios mais leves, saudáveis e rotativos — conta Ilse Machry, diretora do restaurante.
O Machry passou a adotar menus por tempo limitado, pratos do dia e opções com foco em sabor, leveza e equilíbrio. A ideia, segundo Ilse, é manter a raiz artesanal, respeitar os ingredientes e criar experiências que façam sentido para quem busca uma alimentação com propósito.
— Estamos sempre em criação constante. Criar com alma é o que nos move — resume.

Experiência para todas as idades

Mais do que refeições, o Machry oferece experiências que acompanham seus frequentadores ao longo da vida. 
— Atendemos de 0 a 90 anos com alegria. Temos clientes que vieram na infância, voltaram com os filhos e hoje chegam com os netos — conta Ilse. 
A casa também dá nome de funcionários a tortas e pães, em uma estratégia simples, mas eficiente, para criar pertencimento e fortalecer vínculos dentro da equipe.
A sustentabilidade está presente desde os bastidores: compostagem, captação de água da chuva, horta própria, reciclagem de óleo e reaproveitamento de insumos fazem parte da rotina. Mais recentemente, o restaurante passou a investir em cardápios rotativos, com pratos feitos do dia, opções veganas e sobremesas menos açucaradas, sempre com foco em sabor, leveza e conexão emocional. 
O futuro do Machry continua sendo desenhado com base em valores que atravessam modas: escuta ativa, formação contínua da equipe, hospitalidade como prática diária e experiências que respeitam o tempo e as memórias de quem senta à mesa. E, como define a própria fundadora, “inovar é importante, mas fazer acontecer é o que faz a diferença”