Bom Gourmet
Conheça o kimchi, fermentado coreano feito com repolho, alho e pimenta
Sai da frente, kombucha. Você é coisa do passado, kefir. A nova loucura culinária fermentada é… o kimchi? Se os consumidores ocidentais fissurados na saúde podem ser convencidos a tomar chá probiótico com leveduras e iogurte natural azedo, então porque eles não topariam picles de repolho picante que foi fermentado com alho por meses a fio?
Pois bem, este é o objetivo de cientistas do Instituto Mundial do Kimchi, na Coreia do Sul, em Rua Kimchi, em Kimchi Town, nos arredores da cidade de Gwangju, no sul do país. “Estamos tentando globalizar o kimchi”, diz Ha Jae-ho, chefe do instituto, que o descreve como uma “comida funcional”. Pensem nisso não apenas como soft power, mas como um soft power pegajoso.
Está crescendo em popularidade no mundo todo, mas é difícil superar a importância que o kimchi tem para os coreanos. Kimchi é um acompanhamento de todas as refeições coreanas. As variedades comuns são feitas de repolho napa ou rabanete grande coreano, mas há muitos outros tipos, incluindo kimchi feito a partir do pepino, cebola e e folhas verdes.
A verdura é temperada com sal e, em seguida, esfregada com pimenta em pó, alho, gengibre e cebolinha. Há muitas variantes regionais, do kimchi suave de Pyongyang (capital da Coreia do Norte) às variações superapimentadas do sul, ao kimchi com cheiro de peixe do litoral. E há também o que é deixado fermentar, quanto mais tempo, melhor. Os coreanos comem 25,8 kg de kimchi por ano, de acordo com o instituto.
Os coreanos comem kimchi ensopado, com arroz frito, grelhado com carne, em camadas com tofu, e sozinho. Eles levam o kimchi quando viajam de férias e o instituto fez kimchi espacial para o primeiro astronauta sul-coreano. “Kimchi é algo que faz as pessoas torcerem o nariz, mas está se tornando cada vez mais popular nos Estados Unidos” – e não só nas feiras de produtores, mas nas mercearias também, diz a professora de gastrodiplomacia Johanna Mendelson Forman, da American University.
A empresa norte-americana Trader Joe’s vende jarras de 400 g de kimchi, enquanto a Whole Foods tem no portfólio 163 produtos com kimchi e algumas lojas oferecem kimchi para temperar salada ou azeitonas a granel , explica um porta-voz da empresa. Forman relembra ter visto uma receita de kimchi no panfleto da loja de secos e molhados Giant.
Os millenials, diz a professora, estão mais interessados em provar comida saudável e em fazer comida “artesanal”. Como a Coreia do Sul pode trabalhar nisso? Aqui em Kimchi Town, o Instituto Mundial do Kimchi – a não ser confundido com o Instituto de Pesquisa do Kimchi da Universidade de Pusan – fica ao lado do Museu do Kimchi de Gwangju, que é totalmente separado do Museu Kimchikan em Seoul.
Tem até sommelier de kimchi
O instituto promove um simpósio internacional de “kimichiologia” e imprime um livro com as perguntas mais frequentes sobre o kimchi (no ano passado o volume teve 186 páginas). Um cartaz anuncia um curso de “sommelier de kimchi” de 20 semanas de duração. O festival de kimchi é realizado todo ano, em novembro. Nessa época do ano, quando o clima esfria, os coreanos fazem kimchi, um ritual chamado “kimjang”.
Obviamente, o processo foi reconhecido como Patrimônio Cultural Intangível pela Unesco. No museu, que custou U$ 10 milhões, os visitantes aprendem como o kimchi revigora o corpo e o ácido lático das bactérias “promove a boa digestão, limpa o aparato digestivo e destroi os germes nocivos”.
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“Os coreanos dizem que o kimchi afasta uma gama de doenças e protagoniza também um desenho animado para crianças. ‘Posso derrotar qualquer doença, infecção, resfriado, gripe ou vírus no planeta’, ” declarou o Guerreiro Kimchi durante o surto de gripe suína de alguns anos atrás, enquanto derramava sobre um porco um rio de kimchi de uma jarra que carregava sobre as costas.
Atualmente, a Coreia do Sul conseguiu algum sucesso considerável em exportar cultura. Novelas e música popular coreana (K-pop) estão difundidas em toda a Ásia, assim como a cirurgia plástica coreana.
A comida coreana se tornou tendência no ocidente nos últimos anos, com bulgogi (carne grelhada) que aparece em tacos fusion e bares hipster que fazem drinks com soju, a resposta coreana à vodka. E o kimchi? Pois bem, kimchi é difícil de vender. Inclusive entre os amantes do kimchi, muitos usam geladeiras separadas para o kimchi para evitar que o cheiro contamine outras comidas. Se o guardam na mesma geladeira, ele é mantido em caixas herméticas.
Por esta razão, cientistas estão tentando aumentar as boas bactérias – especialmente o ácido lático que fornece ao kimchi suas qualidades probióticas – e reduzir os componentes ruins, aqueles que tornam o cheiro tão pungente que pode demorar dias para sair dos poros da pele. “Muitos ocidentais não gostam do cheiro do kimchi porque usamos muito alho e gengibre e isso produz um monte de elementos sulfurosos”, diz Ha Jae-ho.
Enquanto ele prova a “difundir a cultura kimchi no mundo”, o instituto está destacando o alto conteúdo de fibras no kimchi e a habilidade de neutralizar as bacterias ruins, sem mencionar o conteúdo de sódio ou o elevado índice de câncer de estômago dos coreanos – algo que algumas pessoas consideram relacionado ao consumo de kimchi. Nos laboratórios do instituto, cientistas estão trabalhando no característico cheiro, para começar. “Estamos tentando eliminar o cheiro do kimchi”, afirma o pesquisador Lee Mi-ae.
O cheiro e as pesquisas
“Mas é difícil porque o cheiro é ligado ao sabor do kimchi”. Os promotores da comida coreana, incluíndo o kimchi, enxergam uma boa oportunidade para promovê-lo durante as Olimpíadas de Inverno em Pyeongchang, em fevereiro. “Certamente, existem pratos coreanos bem conhecidos como o churrasco e o lámen”, diz Yoon Sook-ja, chefe do Instituto da Comida Coreana Tradicional, que pertence ao ministério da agricultura. “Mas estamos também buscando jeitos simples para vender e promover outras comidas coreanas. Teremos carne bulgogi no pão tipo hambúrguer e bibimbap no pote”, diz ela, referindo-se ao prato que mistura arroz e verduras.
A Coreia do Sul lançou em 2009 uma iniciativa de diplomacia gastronômica que custou U$ 77 milhões (cerca de R$ 230 milhões), promovida pela esposa do presidente da época. A ideia era promover a cozinha coreana no mundo, mas se esgotou quando o presidente Lee Myung-bak terminou o mandato. Hwang Kyo-ik, escritora de culinária em Seoul, chamou os esforços do governo de “constrangedores”.
“Geralmente demora cerca de 30 anos para uma comida quebrar as barreiras culturais e se tornar uma parte da vida”, diz Hwang. “O governo da Coreia do Sul está tentando fazer isso em poucos anos como se fosse um projeto de construção”. Forman, da American University, pensa que exista um mercado mais amplo para a comida coreana, inclusive para o kimchi.
“Há uma correlação esmagadora entre conhecer um país e ter uma opinião positiva sobre ele”, diz ela. “Quando Nixon [ex presidente norte-americano] foi para China, as pessoas iniciaram a frequentar os restaurantes chineses para jantar. E a “Campanha tailandesa” levou a uma explosão dos restaurantes tailandeses no mundo”. Para ajudar os consumidores ao redor do mundo a desenvolver um gosto pela comida coreana, Ha, o diretor do insituto, recomenda kimchi branco e suave feito com repolho, mas sem pó de pimenta. Ele o chama de “kimchi para iniciantes”.
Tradução: Andrea Torrente