Bom Gourmet
Imperador, princesa, chefes de estado e vencedor do Oscar: conheça histórias da cozinha do Palácio Iguaçu
O salão Petit Comité, no segundo piso do Palácio Iguaçu, onde acontecem almoços com autoridades. José Fernando Ogura/Arquivo AEN
Em abril de 2006, o então governador do Paraná, Roberto Requião, recebeu Hugo Chávez, à época presidente da Venezuela, no Palácio Iguaçu. No encontro, assinaram acordos comerciais e parcerias técnicas e científicas. A visita do chefe do executivo venezuelano à capital do estado mobilizou forças de segurança e alterou a rotina da sede do governo do estado, como acontece em caso de visitas de autoridades. E construiu uma boa história para os funcionários da cozinha do palácio contarem aos filhos, netos e amigos.
Paulo Yamaguchi, o garçom mais antigo do Palácio Iguaçu, se recorda de toda a mobilização. Desde o dia 15 de março de 1995 na sede do governo, Paulo lembra que uma comitiva grande chegou cerca de um mês antes à cidade e visitou as instalações do palácio, incluindo a cozinha e o salão Petit Comité, onde aconteceu o almoço entre os líderes. "Eles [a comitiva de Chávez] ficaram trabalhando junto com a gente na cozinha, conhecendo os passos, alinhando cardápio, e no dia, a gente teve de sair do palácio, retornar de novo, para a segurança dele fazer uma varredura no espaço", cita.
Paulo lembra ainda que Chávez foi servido por um garçom de sua própria equipe. A comitiva do presidente contava também com um provador oficial. "Foi um dia diferente", classifica.
Filho de um antigo garçom do palácio, Paulo e os colegas viveram outra experiência ímpar em junho de 1997, quando o então imperador japonês Akihito e a imperatriz Michiko estiveram em Curitiba. O almoço ocorreu no Jardim Botânico, mas envolveu a equipe da cozinha. A família imperial japonesa costuma viajar com um chef próprio, mas abriu uma exceção e foi então servida pelo time do palácio. No cardápio da ocasião, barreado, carneiro e demais preparos da culinária local. Em 2019, o garçom trabalhou também na visita da princesa Benedikte, da Dinamarca.
Estrutura
A cozinha existe desde a fundação do Palácio Iguaçu, que celebrou 70 anos de existência em dezembro. Diariamente, atende os gabinetes do governador e vice governador, mais Casa Civil e Casa Militar. Em períodos anteriores, a estrutura atendia também a Granja Canguiri, em Pinhais, ex-residência oficial do governo do estado, e a Ilha das Cobras, em Paranaguá, que durante um tempo foi casa de veraneio para os governadores. A estrutura atualmente congrega duas cozinhas, que conversam entre si: uma dedicada aos pratos quentes, coordenada pelo chef Wilson da Silva Leal, e outra, de preparo de pratos frios e sobremesas, sob o comando do chef Cesar Schneider. Hoje, em média, são servidas 30 refeições diárias, mas a operação tem capacidade para atender até 300 pessoas. Somando chefs e copeiros, a equipe reúne 23 profissionais.
Todo o processo de compra dos insumos é feito por licitação. O que permite aos chefs César Schneider e Wilson da Silva Leal abusarem do talento e da criatividade para extrair o melhor dos produtos disponíveis para a elaboração das refeições. No dia em que a reportagem do Bom Gourmet visitou a estrutura - dia 18 de dezembro, exatos 70 anos depois do primeiro jantar no Palácio (a inauguração oficial aconteceu no dia 19) - o cardápio do almoço foi salada ceasar de entrada, com gnocchi com espetinho de carne como prato principal e, para a sobremesa, rocambole de abacaxi.
Segundo a equipe, Ratinho Junior e Darci Piana, vice-governador, gostam de pratos triviais para o almoço. Entre os preferidos do chefe do executivo estão bife à cavalo, barreado e vaca atolada. Para a sobremesa, pudim e sorvete (que é feito na própria cozinha). Quando a casa recebe comitivas e autoridades, a equipe da cozinha do palácio realiza um trabalho prévio para conhecer as preferências dos visitantes e saber se há algum tipo de restrição alimentar. A intenção é, sempre que possível, oferecer preparos que destaquem a culinária local, com ingredientes e pratos típicos do estado.
Em dias normais, quando o almoço acontece nos gabinetes, os copeiros transportam os pratos da cozinha até as salas das autoridades nos pastrus, equipamento capaz de manter o alimento quente por períodos mais longos. Em eventos oficiais, com a presença de autoridades ou comitivas, as refeições são servidas no salão Petit Comité, no segundo andar, com vista ampla para a Praça Nossa Senhora de Salete e praticamente toda a extensão da avenida Cândido de Abreu, no Centro Cívico. Dependendo da quantidade de participantes, o almoço ou jantar pode ser servido à francesa, com o prato já montado, ou à inglesa, no formato buffet, e em outro espaço, no Salão Nobre ou no Salão de Atos, ambos no segundo piso.
Todo o projeto arquitetônico do salão foi mantido ao longo dos 70 anos de atividades do Palácio Iguaçu. O espaço reflete a arquitetura modernista idealizada pelo arquiteto David Azambuja, considerada uma das pioneiras no estilo no Brasil dos anos 1950.
Jantar de inauguração e baile de gala
O primeiro jantar no palácio, realizado em 18 de dezembro de 1954, recebeu a visita do presidente da República, Café Filho, que assumiu o cargo em agosto daquele ano após o suicídio de Getúlio Vargas. Ministros, o arcebispo metropolitano, Dom Manoel Silveira D'Elboux, o então governador do estado, Munhoz da Rocha, deputados e senadores, representantes do judiciário e militares estavam entre os convidados. Juscelino Kubitschek, à época governador de Minas Gerais, também compareceu ao jantar, que foi seguido de baile de gala e, então, a inauguração oficial do Iguaçu, que aconteceu já à meia-noite do dia 19.
O menu do jantar, escolhido pela primeira-dama, Flora Camargo Munhoz da Rocha, que também cuidou da decoração do Palácio, contou com alimentos e frutas com origem nas principais cidades do Paraná. Melão com presunto homenageou Guarapuava; o peixe com camarão veio de Paranaguá; o rosbife com legumes, de Ponta Grossa; cascata de morangos vindos de Foz do Iguaçu; uvas, da Lapa e o café, de origem em Londrina. Para a sobremesa, uvas e doces típicos foram "distribuídos por elegantes moças vestidas com trajes característicos das etnias paranaenses", registra o livro Palácio do Iguaçu: Coragem de Realizar de Bento Munhoz da Rocha Netto, do historiador Jair Elias dos Santos Júnior.
Ainda de acordo com a obra, que conta a história do edifício, para evitar que os pirex não deslizassem das mãos dos garçons, que usavam luvas, Flora criou um suporte que inspirou também a criação de cestinhas de vime. A primeira-dama planejou ainda os dólmãs vermelhos utilizados pelos garçons no serviço.
Churrasco e caipirinha com vencedor do Oscar
Entre presidentes da República - a lista inclui Fernando Henrique, Lula, Michel Temer e Jair Bolsonaro - e demais autoridades nacionais e internacionais, a cozinha do Palácio já atendeu também um vencedor do Oscar. Em 1998, o ator norte-americano Anthony Quinn passou meses em Curitiba durante as filmagens de Oriundi, longa-metragem do diretor brasileiro Ricardo Bravo rodado na cidade. O almoço com o ator aconteceu no Chapéu Pensador, no Bosque da Copel, no Bigorrilho. O cardápio foi tipicamente brasileiro: churrasco e caipirinha.