Bom Gourmet
Imigrantes brasileiros contam como matam a saudade da boa mesa nacional
Sabe aquela saudade de comida caseira ou daquele restaurante que você costumava frequentar na infância ou em outro momento feliz da vida? Agora imagina isso para quem mora longe do Brasil? Mais de 4,2 milhões de brasileiros vivem no exterior, segundo dados do Itamaraty. Certamente, agora fora da terra natal, esses imigrantes brasileiros dão outro valor ao arroz com feijão de cada dia.
Quem sai do Brasil para viver em outro país carrega a comida no coração e muitas vezes na mala também. Não é raro encontrar na bagagem de imigrantes brasileiros produtos como feijão carioca, goiabada, farinha de mandioca, sagu, dendê e outros ingredientes típicos da nossa mesa e difíceis de encontrar fora daqui.
“A comida tem a ver com a identidade, ela comunica quem somos. Isso é verdade para todo mundo, mas acaba sendo ainda mais forte para quem se desloca para outros contextos culturais, como é o caso dos brasileiros no exterior, porque o contato com a diferença causa um olhar para dentro e coloca a comida como importante ferramenta de reconhecimento e pertencimento, diferenciação e adaptação a essas novas realidades”, explica a antropóloga e comunicóloga Joana Pellerano.
De volta para casa
Para o imigrante, o papel da comida do país natal vai muito além de nutrir, e tem tudo a ver com o conceito de comfort food, aquela comidinha que faz bem não só para o corpo, mas também mexe com a memória, as emoções, os afetos.
“Esse poder da comida materializar a identidade faz com que, comendo, a gente possa se conectar com quem somos e de onde viemos. Também nos conecta com as memórias de outras vezes em que consumimos essa mesma comida: quando estávamos em casa, com a família, com os amigos”, explica Joana, que também é coordenadora do site Comida na Cabeça, de divulgação científica de estudos sobre alimentação.
Como o Brasil é um país gigante e diverso, é difícil listar quais alimentos mais representam nossa identidade. Mas alguns pratos são paixões nacionais de Norte a Sul e fazem parte do imaginário coletivo da culinária tupiniquim. Entra nessa lista o clássico arroz com feijão, o churrasco, a feijoada, a moqueca e o brigadeiro.
Já o que faz o coração da cearense Thais de Lima bater mais forte de saudade é a água de coco fresquinha, coisa difícil de se conseguir em Londres, onde vive há mais de 15 anos. “Sinto muita falta. Quando tem água de coco fresca aqui é vinda da Ásia, tem um gosto diferente. As de caixinha então, nem se fala”, compara.
Com a vantagem de morar em uma cidade multicultural, a gerente de recursos e guia de turismo encontrou substitutos para outros produtos genuinamente brasileiros em mercadinhos de imigrantes espalhados pela capital britânica. “Descobri um queijo turco/grego chamado halloumi que parece muito com o queijo coalho, então uso sempre pra fazer tapioca ou queijo assado. Tem também um requeijão, também turco, que parece muito o nosso brasileiro”.
Com as adaptações, Thais consegue manter em casa um cardápio com raízes cearenses, que já teve até feijão-verde vindo da África, e que segundo ela era bem parecido com o do Brasil, tão conhecido e amado pelos nordestinos.
“Acho que o meu maior orgulho é ter passado o amor pela culinária brasileira para as crianças. Uma das minhas filhas ama goiaba, caju e feijoada e a outra adora tapioca e farofa”, conta. Quando algum amigo ou parente viaja de Fortaleza para Londres, Thais costuma pedir na mala uma boa leva de bem-casados, o famoso souvenir de casamentos.
Cream cheese não é a mesma coisa que requeijão
Recém-chegado a Atlanta, nos Estados Unidos, o ator André Melgaço até agora só sentiu falta mesmo de caipirinha e requeijão. “Cream cheese não é a mesma coisa”, compara. Como bom mineiro, também está preocupado com o pão de queijo, mas já recebeu recomendações de lugares onde pode encontrar o preparo congelado.
Apesar de estranhar a falta de algumas frutas nos supermercados, como os vários tipos de banana disponíveis no Brasil, André diz que está aproveitando para experimentar outras mais comuns e mais acessíveis nos Estados Unidos, como mirtilos, framboesas e cerejas.
“Em geral, do que eu cozinho em casa no dia a dia, até agora encontrei tudo. Tem uma cidade aqui perto que tem uma comunidade grande de brasileiros e lá existem mercados que vendem picanha, pão de queijo congelado, doce de leite, guaraná”, relata. Por via das dúvidas, na mala da mudança para os EUA, André levou uma garrafa de boa cachaça mineira, que está guardada para ocasiões especiais.
Feijão, pero no mucho
Se em cidades grandes ou com muitos imigrantes brasileiros é fácil encontrar alimentos nacionais, para quem vive no interior a saudade pode apertar mais. Moradora de Santa Fe, na Argentina, a 450 quilômetros de Buenos Aires, a bióloga Mariana Caldas teve de aprender a se adaptar para compensar a falta de ingredientes.
“O que mais tenho saudade é de feijão carioca, que não consigo encontrar, tive de trocar pelo branco ou pelo preto, que aqui é bem diferente do nosso. Também sinto falta de couve, inhame, quiabo, mamão papaia, tapioca. Para o resto, a gente dá um jeito, se adapta, sempre uso a velha frase de que sou brasileira e não desisto nunca, então se estou com vontade de comer alguma coisa vou atrás e faço, às vezes fica meio genérico, mas faço assim mesmo”, conta.
Quando chegou à Argentina, em 2015, Mariana fez das receitas brasileiras um pequeno negócio e começou a vender bolos caseiros de cenoura com chocolate, de milho, de coco e outros. As vendas duraram alguns anos e mesmo depois que deixou de lado a produção, ela continuou sendo convidada por amigos argentinos a cozinhar pratos brasileiros em festas e reuniões. A feijoada e a mousse de maracujá são os mais pedidos.
Mais que matar a fome, comida mata a saudade de imigrantes brasileiros
Mais que matar a fome, Mariana diz que alimentos que costumava ter na mesa em Brasília, cidade onde cresceu, mata a saudade da terra natal.
“Por exemplo, o feijão carioca me faz lembrar muito o almoço de sábado ou de chegar em casa depois do trabalho e sentir o cheiro do feijão feito pela minha mãe, aquele cheiro de alho e louro, isso me leva de volta não só ao Brasil, mas a casa da minha mãe, e me ajuda a matar a saudade.”
E por falar em saudade, no começo de junho, Mariana e mais quatro amigas brasileiras que moram na mesma cidade fizeram uma pequena festa junina para matar a vontade de comidas típicas dessa época do ano. Teve decoração de bandeirinhas, forró, canjica e até quentão para enfrentar o frio argentino.
Assim como o cardápio do São João, outros pratos típicos de ocasiões especiais também deixam nostálgicos os brasileiros longe de casa, principalmente quando se dão conta que nem todo mundo come peru e pavê no Natal ou bacalhau na Páscoa, por exemplo.
Newark (EUA) tem restaurantes e mercados com comidas típicas do Brasil
Muitas vezes, a relação com a comida é tão importante que a falta dela traduz a própria saudade do país. “Comida brasileira para mim é a baiana né”, diz a gerente de hotel Suzana Gehshan, que mora desde 2008 em Nova Jersey, nos Estados Unidos, e até hoje tem dificuldade em encontrar azeite de dendê por lá. “E quando você é da Bahia isso faz muita falta, porque é muito específico da nossa comida.”
Em casa, Suzana diz que costuma cozinhar a dupla básica arroz e feijão e com o tempo passou a combinar esses sabores com hábitos mais americanos. Quando bate a vontade de pratos mais típicos, vai até a vizinha Newark, cidade com a maior concentração de imigrantes brasileiros nos Estados Unidos, onde encontra grande variedade de restaurantes e lojas de compatriotas.
“Lá tem bastante comida brasileira, principalmente churrasco, é onde mato minha saudade. Mas comida baiana mesmo, aí não tem jeito, é muito difícil de encontrar. Minha irmã morou em Boston uma época e lá encontramos um restaurante bem pequenininho que era uma delícia, mas aqui não encontro comida baiana, por isso sempre que vou a Salvador foco na comida regional mesmo.”
Mercados asiáticos têm ingredientes parecidos com os brasileiros
Do outro lado mundo, em Sunshine Coast, na Austrália, a enfermeira Gabriela Gazar Daltro também sente saudade da Bahia e de acarajé, mas tem a sorte de poder comer moqueca e feijoada sempre que tem vontade. Isso porque a mãe dela também se mudou de país para ajudá-la a cuidar dos filhos gêmeos e faz questão de cozinhar comida caseira e brasileira para os netos.
“Ela acha os ingredientes por aí, sempre aparece falando de uma lojinha nova que vende ingredientes brasileiros ou até asiáticos, que parecem com os nossos. Mandioca, por exemplo, ela compra mandioca no mercado asiático”, conta.
Além do famoso bolinho de feijão fradinho, Gabriela diz que sente falta do costume brasileiro de comer peixe frito na praia, mesmo morando em uma cidade australiana à beira-mar. Vivendo longe do Brasil há 13 anos, ela conta que a comida nacional nesse contexto tem também outro tempero, o do reencontro entre conterrâneos em volta da mesa.
“Com certeza a comida tem papel afetivo na vida do imigrante, como se, de alguma forma, pudéssemos ter esse pedacinho da nossa terra de volta. Principalmente porque brasileiros se juntam pra fazer comida brasileira, então junta a comida com as pessoas, nos sentimos em casa”.