Histórias
Tradicional Bar do Pudim vai deixar saudades na cena boêmia de Curitiba
A crise do coronavírus até pesou no aviso de fechamento do Bar do Pudim, um dos mais tradicionais de Curitiba, há 52 anos servindo deliciosos petiscos e cerveja gelada no bairro São Francisco. Mas é uma influência mais simbólica do que financeira.
Dione Cristina Treis, 62 anos, proprietária do bar, conta que o coronavírus a fez apenas adiantar a decisão que já vinha sendo planejada há dois anos. A pandemia só deu tempo para ela, cuja família está à frente do Pudim desde 1978, tomar de vez a decisão.
Foram 38 dias com as portas fechadas com o isolamento social de prevenção da covid-19 até que, no último domingo (26), uma postagem no Facebook avisou que o Bar do Pudim reabriria segunda-feira (27), mas com prazo de validade: vai funcionar só por mais 30 dias, finalizando as atividades de vez no dia 26 de maio.
O objetivo da saideira é dar chance aos clientes de se despedirem. Justo, já que o Pudim coleciona 52 anos amizades, tradição e comida boa. Para quem quer dar adeus ao estabelecimento com uma última gelada, o bar passa a funcionar de segunda a sábado, das 15h30 às 21h30.
Conforme a Dione, o plano pessoal dela era parar de trabalhar no bar aos 60 anos de idade. Por ser uma decisão difícil, acabou prorrogando o fechamento. Mas aí vieram os decretos da pandemia, proibição de aglomeração e o Pudim paralisou o atendimento no dia 19 de março.
Desde então, a opção de Dione por deixar para sempre a vida no balcão ganhou força. “Crise a gente passa. Quem é que não vem sofrendo com ela desde 2015? Mas não foi por isso. A gente estava levando bem. Foi meu projeto de vida que se apresentou mais evidente no isolamento social. É hora de descansar”, revela a proprietária.
Futuro
O Bar do Pudim tem seis funcionários. Eles ainda não sabem o que farão. O mais famoso deles, inclusive, aposta na possibilidade de aparecer alguém para assumir o ponto. “Quem sabe”, diz o garçom Milton Soares dos Santos, o Miltinho, 57 anos, referência no atendimento de mesas desde que começou a trabalhar no Pudim em há 40 anos, em 1980. Dione confirma que há sim possibilidade de passar o ponto – o que mantém viva a esperança dos fregueses em continuar frequentando o Bar do Pudim.
“Vou fechar, mas vou manter a empresa aberta por um tempo. Se aparecer negociação nestes próximos 30 dias, pode ser que o Pudim fique aberto”, revela a proprietária.
Famosos e a turma do skate
O Bar do Pudim é famoso pelos petiscos que apresenta no cardápio, como a empadinha de palmito com camarão, o bolinho de siri, o pastel de provolone, o croquete de camarão e o pão com bolinho. Além, claro, do cardápio variado de cervejas sempre geladas. “Nunca fechei exclusividade com marcas”, apontou a Dione um dos motivos do sucesso do Pudim.
Ao longo dos 52 anos de funcionamento, clientes famosos passaram por lá, como o poeta Paulo Leminski e o cantor da banda Blindagem Ivo Rodrigues. Skatistas também volta e meia iam no Bar do Pudim por estar na frente da pista da Praça do Gaúcho, como os campeões mundiais Ferrugem e Daniel Vieira. O lutador Wanderlei Silva e artistas, como os atores Luís Melo e Guilherme Weber volta e meia também apareciam.
“O Daniel Vieira comeu pão com ovo e tomou um Sprite”, brinca o garçom Miltinho. A pista, conta Dione, foi inaugurada justamente no ano em que ela comprou o bar: 1978.
Na família há 42 anos
O bar já se chamava Pudim por causa do primeiro dono, que o inaugurou em 1968. “Ele adorava essa sobremesa. Numa enquete entre amigos sobre o nome do bar, ficou decidido Bar do Pudim, que funcionou com ele durante dez anos, até que nós entramos”, explica a Dione. O bar está com a família Treis há 42 anos.
Quando diz “nós”, a proprietária se refere ao marido dela, Hilário Artur Treis, que ainda era namorado na época da compra. Os dois se casaram, tiveram duas filhas, mas Hilário, que tocou o bar até o ano 2000, faleceu em um acidente de moto. “Assumi e toco o Pudim sozinha, desde então”, revela a dona.
Dione foi bancária por 23 anos, mas havia pedido demissão voluntária na privatização do Banestado, o antigo Banco do Estado do Paraná. “Tocar o bar foi o que se apresentou para mim. Com duas filhas pequenas, encarei o desafio. Agora, chegou a hora de parar”, conta. Se vai sentir saudades do Pudim, Dione não sabe dizer. “Tenho pensado nisso, por isso a decisão foi tão difícil”.
Já deixa saudade
Uma coisa que parece não gerar dúvidas é a saudade que a clientela vai sentir do Pudim. Na tarde de segunda-feira, logo que o bar reabriu após o período de isolamento, o empresário Thiago Souza, 36 anos, foi bater cartão no estabelecimento. “Eu lamento que vai fechar. Fiquei sabendo e vim aqui, me despedir”, conta.
Sobre a violência no entorno da Praça do Gaúcho nos últimos anos e as dificuldades geradas pela crise econômica no país desde 2015, Dione explica que não interferiram na decisão dela de fechar o bar. “Em todos esses anos, é natural que o público mude. Mas meus clientes sempre foram mais presentes por causa da comida, para apreciar um petisco. Muito mais do que a bebida”, aponta.
No que diz respeito à comida, aliás, a reportagem perguntou se o fechamento do bar faria Dione revelar os segredos das receitas saborosas que são servidas no Pudim. “Por enquanto, não. Vai que alguém assume e não fecha”, brinca.