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Lombo suíno assado e recheado com frutas secas e castanhas, preparado pela chef Vania Krekniski, do Limoeiro Casa de Comidas

Histórias

Raízes da nossa Páscoa: receitas para um cardápio ucraniano, italiano, português e espanhol

Andrea Torrente
07/04/2020 18:58
A mistura brasileira de culturas e povos gera uma riqueza culinária que torna mais farta também as mesas de Páscoa. Sabores e tradições, oriundos de etnias europeias que colonizaram o país, se encontram ainda hoje nas receitas típicas que compõem o grande mosaico gastronômico do Brasil.
Para celebrar a data, chefs de diversas origens apresentam os pratos que melhor representam a culinária de seus países. São receitas da Itália, Portugal, Espanha – países que contam com milhões de descendentes no Brasil – e da Ucrânia, comunidade que tem uma ampla colônia no Paraná e que valoriza as tradições pascais. Aproveite essa viagem pelos pratos escolhidos pelos cozinheiros para conhecer sabores e costumes diferentes dos que estamos habituados.
Nesse ano, sabemos que a celebração da Páscoa será atípica, em razão do momento de isolamento social. Muitas famílias não vão poder se reunir como de costume e muitas vão optar por um almoço mais singelo. Mas mesmo em meio às dificuldades, a data não vai deixar de ser um momento de esperança e tradição.
Para isso, nas próximas páginas, você vai conferir um menu variado que tem opções para inspirar. São preparos de carnes suína e de carneiro, peixes e frutos do mar, sem esquecer das massas e sobremesas, que podem ser feitos tanto para o almoço de Páscoa quanto em qualquer outra época do ano.
Carne suína é a estrela na Ucrânia
 Babka de chocolate e frutas vermelhas: pão trançado se come também em outros países de origem eslava
Babka de chocolate e frutas vermelhas: pão trançado se come também em outros países de origem eslava
A Páscoa ucraniana começa no sábado de Aleluia, quando as famílias levam para bênção na igreja os alimentos que serão servidos no domingo. A cesta contém geralmente pernil de porco ou alguma outra carne suína, ovos, queijo colonial, linguiça, cracóvia, manteiga (em alguns casos esculpida em formato de carneiro), requeijão e hrin (ou krin), a raíz forte em conserva que acompanha as carnes. A páska, pão que mistura o salgado e o doce, e a babka (ou baba), que é uma sobremesa que remete ao panetone, completam a cesta.
“Em algumas famílias, se come na noite de sábado depois da bênção na igreja. Outras servem na manhã de domingo: a família se reúne, faz as orações, e geralmente o pai pega um pedaço da páska e o distribui para os filhos”, explica a chef do Limoeiro, Vania Krekniski, que é neta de ucranianos.
Para a reportagem, ela preparou lombo suíno assado e recheado com frutas secas e castanhas. Para sobremesa, babka de chocolate e frutas vermelhas, um pão trançado que se come também em outros países de origem eslava.
Páscoa Étnica Ucrâniana . Preparo do chef Carne suína assada e recheada da chef Vania do Restaurante Limoeiro .
Páscoa Étnica Ucrâniana . Preparo do chef Carne suína assada e recheada da chef Vania do Restaurante Limoeiro .
“A tradição culinária ucraniana no Brasil se manteve em grande parte igual à da Ucrânia, mas obviamente sofreu algumas adaptações por causa dos diferentes ingredientes encontrados por aqui”, explica Andreiv Choma, do grupo folclórico Barvinok, de Curitiba, e pesquisador da cultura ucraniana.
Ele cita como exemplo o varenek, que no Brasil ganhou um recheio inédito, o feijão. Já na comunidade ucraniana do Canadá, país onde ele morou, no lugar da ricota colonial, o pastelzinho é recheado com cheddar, queijo muito popular por lá. Já a sopa borsch à base de beterraba no Brasil tem versão única – que leva também repolho, carne de porco e endro – enquanto na Ucrânia há outras variações.
O clima tropical brasileiro, bem diferente do continental europeu, também tem sua influência. O kutiá, cozido de trigo, mel, semente de papoula e castanhas, que é servido como prato principal no Natal ucraniano, virou uma sobremesa no Brasil. Ao trigo foram adicionados leite, leite condensado, chocolate, uva passa e frutas cristalizadas. O que foi mantida é a simbologia do prato, que representa a memória dos antepassados.
“A Páscoa é a celebração que mais se mantém fiel à tradição. Claro que se adapta à modernidade. Por exemplo, algumas família, em vez da babka e da páska, levam ovo de chocolate ou colomba para bênção na igreja”, explica Choma.
Peixes e frutos do mar reinam na Espanha e Portugal
Para abrir o apetite do nosso banquete pascal, nos deslocamos para a outra ponta da Europa, precisamente para a Península Ibérica. Cercada pelo mar, a região tem uma tradição forte de pratos à base de peixes e frutos do mar.
Bacalhau em postas servido sobre uma cama de batatas ao murro, do Ibérico Restaurante
Bacalhau em postas servido sobre uma cama de batatas ao murro, do Ibérico Restaurante
“O prato típico de Espanha e de Portugal é o bacalhau. Os preparos são diferentes, mas ambos abusam de azeitonas e azeite. Diferente de Portugal, na Espanha o bacalhau é mais ensopado e leva grão-de-bico e molho de tomate”, explica o instrutor do Senac em Curitiba, João Soto, que se especializou na culinária da região da Andaluzia quando morou na Espanha.
A sugestão de Nelson Goulart, proprietário do Ibérico Restaurante, é começar pelo polvo à galega, que como o próprio nome diz é um prato típico da Galícia, região do Norte da Espanha na fronteira com Portugal.
O molusco é cozido em água fervente até ficar macio. Depois é fatiado e servido sobre uma camada de batatas e temperado com páprica defumada e flor de sal. “A Galícia é conhecida pelos frutos do mar e moluscos. O mar é muito fundo e muito frio, então tem coisas maravilhosas, como o polvo”, afirma Nelson, que é filho de mãe portuguesa.
O polvo à galega, do Ibérico Restaurante, é servido fatiado sobre uma camada de batatas e temperado com páprica defumada e flor de sal
O polvo à galega, do Ibérico Restaurante, é servido fatiado sobre uma camada de batatas e temperado com páprica defumada e flor de sal
Na Páscoa lusitana, o bacalhau reina à mesa. Entre as receitas que pouco mudam ao longo do tempo está a versão à lagareiro, com bacalhau em postas servido sobre uma cama de batatas ao murro, elaborada para esta reportagem.
Quem prefere a praticidade pode optar por comprar o bacalhau já dessalgado e congelado (espécie Gadus morhua). Mas, para realmente surpreender os comensais, a melhor opção é a versão salgada e seca. “Quando é descongelado, o bacalhau dessalgado perde o colágeno e a água quebra as camadas do peixe prejudicando a textura. Além disso, a carne fica meio acinzentada, não fica bem branca” explica Nelson.
Como dessalgar o bacalhau: O tempo de dessalga do bacalhau depende do tamanho da posta. Quanto mais alta, maior o tempo necessário, que pode chegar a 72 horas. Guarde o peixe em um recipiente na geladeira e troque a água a cada seis horas.
Os cozidos são outra especialidade pascal da Península Ibérica, que na Espanha são chamados de pucheros. São preparados com leguminosas e vegetais como repolho, batata-doce, batata inglesa, embutidos como as linguiças portuguesas e paio, além de miúdos e carnes suínas de segunda, como orelha e bochecha.
Para finalizar a refeição, uma alternativa à colomba pascal é servir torrija, receita simples da tradição espanhola que remete à nossa rabanada. É feita com pão amanhecido, fatiado e frito, e servida com mel. “A diferença é que a torrija é frita no azeite de oliva e o leite é aromatizado com limão, laranja e canela”, explica Lucas Max Calzolaio, da Delícias Madrid, cuja receita você confere a seguir.
A torrija, preparada pela Delícias de Madrid, lembra a rabanada, mas é frita no azeite de oliva, leva leite aromatizado e é servida com mel
A torrija, preparada pela Delícias de Madrid, lembra a rabanada, mas é frita no azeite de oliva, leva leite aromatizado e é servida com mel
"A essência da cozinha portuguesa, espanhola e italiana é a qualidade dos ingredientes, é tudo muito fresco. Para uma boa bacalhoada o importante é ter um bom azeite e um bom bacalhau”
Nelson Goulart, do Ibérico Restaurante
O cordeiro é o prato nacional na Itália
Outra cozinha mediterrânea que teve grande influência no Brasil é a italiana. Por lá, os pratos típicos variam de região para região, mas se há um preparo que representa o país inteiro é o carneiro, com toda sua simbologia pascal. “No Sul se come o cordeiro, animal mais novo, já no Norte o carneiro, o animal mais velho”, explica o cozinheiro italiano Andrea Toscani, da Confraria dos Pães.
Stinco de cordeiro com purê de batatas, cogumelos e cappelletti, do chef italiano Simone Brunelli, do La Varenne
Stinco de cordeiro com purê de batatas, cogumelos e cappelletti, do chef italiano Simone Brunelli, do La Varenne
Um dos cortes mais apreciados do cordeiro é o stinco, que é a parte da panturrilha. Para a reportagem, o chef italiano Simone Brunelli, do La Varenne, preparou uma versão com purê de batata, cogumelos shimeji e cappelletti com recheio de abóbora cabotiá.
“Fiz uma apresentação mais gourmet, mas o stinco pode ser feito tranquilamente em casa com uma apresentação mais simples, sem que por isso fique menos delicioso”, garante o cozinheiro.
Ele, que é da região da Emilia-Romagna, no Norte da Itália, ensina também a receita de outro prato típico que aprendeu com a avó: a clássica lasanha bolonhesa com massa caseira, ragu cozido lentamente em fogo baixo e molho bechamel com queijo parmesão e uma pitada de noz-moscada.
Lasanha bolonhesa, com ragu de carne e molho bechamel, é comum no almoço de Páscoa na região da Emilia-Romagna
Lasanha bolonhesa, com ragu de carne e molho bechamel, é comum no almoço de Páscoa na região da Emilia-Romagna
Se a macarronada é um prato que não pode faltar nas grandes celebrações, outras receitas podem ser encontradas no país da bota. Em Vêneto, região de origem de Toscani, é comum comer aspargos com ovos e, de sobremesa, uma focaccia dolce. Mais ao leste, na fronteira com a Eslovênia, na região de Friuli-Venezia-Giulia, os aspargos são servidos com presunto ou na omelete. Por lá, a tradição é fazer piquenique para aproveitar a chegada da primavera.
Já na região da Emilia-Romagna, além da lasanha, é comum preparar uma torta salgada recheada com ervas selvagens, bacon e ricota. O prato parece um empadão. Em Milão, no Norte do país, é tradição fazer churrasco no dia seguinte à Páscoa, que é feriado nacional e é chamado de Pasquetta. Nesta data, em Veneza e nas cidades litorâneas do Vêneto, é tradição comer peixe assado ou frito.
“Os pratos variam muito de uma região para outra e de acordo com os ingredientes locais. Depende também do dia em que cai a Páscoa e se vai fazer mais calor ou mais frio. Mas, no geral, os pratos italianos são simples, da tradição popular mesmo”, resume Toscani.
** Louças das fotos | Bergerson Presentes: www.bergersonpresentes.com.br