Histórias
Raízes da nossa Páscoa: receitas para um cardápio ucraniano, italiano, português e espanhol
A mistura brasileira de culturas e povos gera uma riqueza culinária que torna mais farta também as mesas de Páscoa. Sabores e tradições, oriundos de etnias europeias que colonizaram o país, se encontram ainda hoje nas receitas típicas que compõem o grande mosaico gastronômico do Brasil.
Para celebrar a data, chefs de diversas origens apresentam os pratos que melhor representam a culinária de seus países. São receitas da Itália, Portugal, Espanha – países que contam com milhões de descendentes no Brasil – e da Ucrânia, comunidade que tem uma ampla colônia no Paraná e que valoriza as tradições pascais. Aproveite essa viagem pelos pratos escolhidos pelos cozinheiros para conhecer sabores e costumes diferentes dos que estamos habituados.
Nesse ano, sabemos que a celebração da Páscoa será atípica, em razão do momento de isolamento social. Muitas famílias não vão poder se reunir como de costume e muitas vão optar por um almoço mais singelo. Mas mesmo em meio às dificuldades, a data não vai deixar de ser um momento de esperança e tradição.
Para isso, nas próximas páginas, você vai conferir um menu variado que tem opções para inspirar. São preparos de carnes suína e de carneiro, peixes e frutos do mar, sem esquecer das massas e sobremesas, que podem ser feitos tanto para o almoço de Páscoa quanto em qualquer outra época do ano.
Carne suína é a estrela na Ucrânia

A Páscoa ucraniana começa no sábado de Aleluia, quando as famílias levam para bênção na igreja os alimentos que serão servidos no domingo. A cesta contém geralmente pernil de porco ou alguma outra carne suína, ovos, queijo colonial, linguiça, cracóvia, manteiga (em alguns casos esculpida em formato de carneiro), requeijão e hrin (ou krin), a raíz forte em conserva que acompanha as carnes. A páska, pão que mistura o salgado e o doce, e a babka (ou baba), que é uma sobremesa que remete ao panetone, completam a cesta.
“Em algumas famílias, se come na noite de sábado depois da bênção na igreja. Outras servem na manhã de domingo: a família se reúne, faz as orações, e geralmente o pai pega um pedaço da páska e o distribui para os filhos”, explica a chef do Limoeiro, Vania Krekniski, que é neta de ucranianos.
Para a reportagem, ela preparou lombo suíno assado e recheado com frutas secas e castanhas. Para sobremesa, babka de chocolate e frutas vermelhas, um pão trançado que se come também em outros países de origem eslava.

“A tradição culinária ucraniana no Brasil se manteve em grande parte igual à da Ucrânia, mas obviamente sofreu algumas adaptações por causa dos diferentes ingredientes encontrados por aqui”, explica Andreiv Choma, do grupo folclórico Barvinok, de Curitiba, e pesquisador da cultura ucraniana.
Ele cita como exemplo o varenek, que no Brasil ganhou um recheio inédito, o feijão. Já na comunidade ucraniana do Canadá, país onde ele morou, no lugar da ricota colonial, o pastelzinho é recheado com cheddar, queijo muito popular por lá. Já a sopa borsch à base de beterraba no Brasil tem versão única – que leva também repolho, carne de porco e endro – enquanto na Ucrânia há outras variações.
O clima tropical brasileiro, bem diferente do continental europeu, também tem sua influência. O kutiá, cozido de trigo, mel, semente de papoula e castanhas, que é servido como prato principal no Natal ucraniano, virou uma sobremesa no Brasil. Ao trigo foram adicionados leite, leite condensado, chocolate, uva passa e frutas cristalizadas. O que foi mantida é a simbologia do prato, que representa a memória dos antepassados.
“A Páscoa é a celebração que mais se mantém fiel à tradição. Claro que se adapta à modernidade. Por exemplo, algumas família, em vez da babka e da páska, levam ovo de chocolate ou colomba para bênção na igreja”, explica Choma.
Peixes e frutos do mar reinam na Espanha e Portugal
Para abrir o apetite do nosso banquete pascal, nos deslocamos para a outra ponta da Europa, precisamente para a Península Ibérica. Cercada pelo mar, a região tem uma tradição forte de pratos à base de peixes e frutos do mar.

“O prato típico de Espanha e de Portugal é o bacalhau. Os preparos são diferentes, mas ambos abusam de azeitonas e azeite. Diferente de Portugal, na Espanha o bacalhau é mais ensopado e leva grão-de-bico e molho de tomate”, explica o instrutor do Senac em Curitiba, João Soto, que se especializou na culinária da região da Andaluzia quando morou na Espanha.
A sugestão de Nelson Goulart, proprietário do Ibérico Restaurante, é começar pelo polvo à galega, que como o próprio nome diz é um prato típico da Galícia, região do Norte da Espanha na fronteira com Portugal.
O molusco é cozido em água fervente até ficar macio. Depois é fatiado e servido sobre uma camada de batatas e temperado com páprica defumada e flor de sal. “A Galícia é conhecida pelos frutos do mar e moluscos. O mar é muito fundo e muito frio, então tem coisas maravilhosas, como o polvo”, afirma Nelson, que é filho de mãe portuguesa.

Na Páscoa lusitana, o bacalhau reina à mesa. Entre as receitas que pouco mudam ao longo do tempo está a versão à lagareiro, com bacalhau em postas servido sobre uma cama de batatas ao murro, elaborada para esta reportagem.
Quem prefere a praticidade pode optar por comprar o bacalhau já dessalgado e congelado (espécie Gadus morhua). Mas, para realmente surpreender os comensais, a melhor opção é a versão salgada e seca. “Quando é descongelado, o bacalhau dessalgado perde o colágeno e a água quebra as camadas do peixe prejudicando a textura. Além disso, a carne fica meio acinzentada, não fica bem branca” explica Nelson.
Como dessalgar o bacalhau: O tempo de dessalga do bacalhau depende do tamanho da posta. Quanto mais alta, maior o tempo necessário, que pode chegar a 72 horas. Guarde o peixe em um recipiente na geladeira e troque a água a cada seis horas.
Os cozidos são outra especialidade pascal da Península Ibérica, que na Espanha são chamados de pucheros. São preparados com leguminosas e vegetais como repolho, batata-doce, batata inglesa, embutidos como as linguiças portuguesas e paio, além de miúdos e carnes suínas de segunda, como orelha e bochecha.
Para finalizar a refeição, uma alternativa à colomba pascal é servir torrija, receita simples da tradição espanhola que remete à nossa rabanada. É feita com pão amanhecido, fatiado e frito, e servida com mel. “A diferença é que a torrija é frita no azeite de oliva e o leite é aromatizado com limão, laranja e canela”, explica Lucas Max Calzolaio, da Delícias Madrid, cuja receita você confere a seguir.

"A essência da cozinha portuguesa, espanhola e italiana é a qualidade dos ingredientes, é tudo muito fresco. Para uma boa bacalhoada o importante é ter um bom azeite e um bom bacalhau”Nelson Goulart, do Ibérico Restaurante
O cordeiro é o prato nacional na Itália
Outra cozinha mediterrânea que teve grande influência no Brasil é a italiana. Por lá, os pratos típicos variam de região para região, mas se há um preparo que representa o país inteiro é o carneiro, com toda sua simbologia pascal. “No Sul se come o cordeiro, animal mais novo, já no Norte o carneiro, o animal mais velho”, explica o cozinheiro italiano Andrea Toscani, da Confraria dos Pães.

Um dos cortes mais apreciados do cordeiro é o stinco, que é a parte da panturrilha. Para a reportagem, o chef italiano Simone Brunelli, do La Varenne, preparou uma versão com purê de batata, cogumelos shimeji e cappelletti com recheio de abóbora cabotiá.
“Fiz uma apresentação mais gourmet, mas o stinco pode ser feito tranquilamente em casa com uma apresentação mais simples, sem que por isso fique menos delicioso”, garante o cozinheiro.
Ele, que é da região da Emilia-Romagna, no Norte da Itália, ensina também a receita de outro prato típico que aprendeu com a avó: a clássica lasanha bolonhesa com massa caseira, ragu cozido lentamente em fogo baixo e molho bechamel com queijo parmesão e uma pitada de noz-moscada.

Se a macarronada é um prato que não pode faltar nas grandes celebrações, outras receitas podem ser encontradas no país da bota. Em Vêneto, região de origem de Toscani, é comum comer aspargos com ovos e, de sobremesa, uma focaccia dolce. Mais ao leste, na fronteira com a Eslovênia, na região de Friuli-Venezia-Giulia, os aspargos são servidos com presunto ou na omelete. Por lá, a tradição é fazer piquenique para aproveitar a chegada da primavera.
Já na região da Emilia-Romagna, além da lasanha, é comum preparar uma torta salgada recheada com ervas selvagens, bacon e ricota. O prato parece um empadão. Em Milão, no Norte do país, é tradição fazer churrasco no dia seguinte à Páscoa, que é feriado nacional e é chamado de Pasquetta. Nesta data, em Veneza e nas cidades litorâneas do Vêneto, é tradição comer peixe assado ou frito.
“Os pratos variam muito de uma região para outra e de acordo com os ingredientes locais. Depende também do dia em que cai a Páscoa e se vai fazer mais calor ou mais frio. Mas, no geral, os pratos italianos são simples, da tradição popular mesmo”, resume Toscani.
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