Histórias
Professor de gastronomia, youtuber, quase arquiteto: Vavo Krieck ensina rindo
Aparentemente, Vavo tem tudo o que um apresentador de televisão precisa, e talvez por isso faça sucesso em sala de aula: é carismático, boa pinta e conversa naturalmente com qualquer interlocutor. Rodrigo Pierrot.
Quem vê Vavo Krieck cozinhando com naturalidade não imagina que ele quase foi arquiteto. Dificilmente vai saber que ele teve uma escola de idiomas e que foi roteirista e diretor de audiovisual antes de estudar gastronomia. Menos raro é saber que seu nome de batismo é Álvaro César, mesmo que ninguém o chame assim. O atual professor de gastronomia tem 51 anos de idade e dos 25 anos dedicados à sala de aula, oito são exclusivamente em gastronomia.
Sua carreira na bancada da cozinha começou depois de fazer a pós-graduação em Chef de Cuisine Nacional e Internacional na Universidade Positivo. Curitiba foi a cidade escolhida para morar após ter trabalhado em recursos humanos de um hotel em Florianópolis e de ter implantado uma unidade de escola de idiomas em Orlando, nos EUA. Quando terminou a pós, em 2015, foi chamado para ministrar aulas-show e cursos livres tanto na instituição quanto em outras escolas e eventos gastronômicos. Ele se jogou de cabeça – como em tudo que se propõe a fazer. Poucos anos depois, estava no corpo docente da PUC-PR e do Centro Europeu, lugares em que leciona até hoje. "Dar aula e cozinhar são duas grandes paixões", resume.
Pelos alunos e colegas de trabalho, é frequentemente descrito como divertido, versátil e espirituoso. Aparentemente, Vavo tem tudo o que um apresentador de televisão precisa, e talvez por isso faça sucesso em sala de aula: é carismático, boa pinta e conversa naturalmente com qualquer interlocutor. Suas expressões são cartunescas: enquanto conta uma história, faz caras e bocas, imita vozes e prosódias alheias, sobe e desce as sobrancelhas energicamente e não raro finaliza seus relatos com um comentário irônico e um sorriso mordaz, aguardando a reação do público.
O humor agridoce e as tiradas não perdoam ninguém, muito menos os alunos. Motivo do apelido "Malvavo", que ele confidencia às gargalhadas. "É muito comum que durante as minhas aulas me perguntem: ‘O que você acha? Está bom de sal?’, e eu devolva com a mesma pergunta. Eles ficam doidos comigo", relata. Em suas disciplinas, seja o assunto que for, não há resposta pronta – só provocações. "Eu gosto de entender e visualizar os processos, e estimulo os alunos a fazerem o mesmo. Eles precisam entender, experimentar e testar por conta própria. A minha experiência serve para orientá-los, não para resolver", define.
Eu gosto de entender e visualizar os processos, e estimulo os alunos a fazerem o mesmo. Eles precisam entender, experimentar e testar por conta própria. A minha experiência serve para orientá-los, não para resolverVavo Krieck
Nas demonstrações de aulas práticas, Vavo incentiva que os alunos se arrisquem. "Um dia tínhamos um enorme tambaqui para prepararmos e alguém precisava limpar e porcionar o peixe. Eu poderia ter feito, mas antes perguntei se alguém na turma gostaria de ter a oportunidade. Uma menina levantou a mão e eu me posicionei ao seu lado. Ela fez o processo lindamente", elogia.
Passar pela "experiência Vavo" – seja numa aula-show, seja numa disciplina semestral – é ser incapaz de esquecê-lo. É comum que ele receba mensagens de pessoas agradecendo por sua receita de pizza, por uma explicação técnica ou por uma frase de incentivo de quem o conheceu há anos. Ele se enternece com o carinho e retribui: sempre que consegue encaixar uma visita a um estabelecimento em que trabalha um ex-aluno, ele o faz com prazer. "Tudo o que eu puder fazer para validar o trabalho deles e entusiasmá-los pela profissão, eu farei", diz, emocionado.
Como uma espécie de iniciação, Vavo convida alunos para compor sua equipe em trabalhos quando atua como chef de eventos. Ele passa as diretrizes, ingredientes e cardápio para a equipe e compartilha o desafio e responsabilidade com todos. “Eles precisam aprender a pensar e executar, e o ambiente de evento não é uma simulação, como muitas vezes dentro da universidade”, defende. Interessados em um bico com o chef Vavo não faltam, ele garante.
Não são apenas os alunos que o adoram: colegas de trabalho se sentem à vontade na sua companhia. "Eu gosto de fazer os invisíveis visíveis", diz, referindo-se à atenção que dedica aos auxiliares de cozinha e limpeza, garçons, entre outros que passam despercebidos durante o serviço. Vavo faz questão de verificar se todos comeram e beberam água. “É o mínimo que um ser humano precisa fazer”, diz.
Autodidata e observador, Vavo sempre manteve um caderno de receitas e guardou na cabeça as informações aleatórias sobre cozinhar que cruzavam seu destino. "Uma vez durante a pós-graduação, um professor perguntou se alguém sabia como limpar os mariscos sem abrir a concha", contou. "Ninguém levantou a mão. Eu arrisquei responder. Disse que deveriam ser colocados em um balde com água limpa e salpicar fubá. Os mariscos abrem a concha para se alimentar e a areia que está dentro sai", explicou. O professor reagiu incrédulo. "Eu não sei como eu sabia disso", riu.
O levain da vida
Vavo é natural de Rio do Sul, Santa Catarina, e cresceu com dois irmãos mais novos em uma casa em que os pais dividiam os preparos na cozinha. "Tinha um planejamento de refeições para a semana, e quem cozinhava mais no dia a dia era o meu pai", relembra. Enquanto a mãe trabalhava na secretaria de educação da prefeitura da cidade, o pai era representante comercial no ramo de indústria alimentícia. Ainda que viajasse muito, era o pai quem cozinhava pratos como bife com batata frita, macarrão com carne moída, picadinho de carne com batata, polenta, arroz e feijão.
A cidade, que hoje tem pouco mais de 70 mil habitantes, era cerca de três vezes menor nos anos 1970, quando Vavo era criança. Com mais população rural que urbana à época, era costume fazer pão em casa. "Na segunda, assávamos três pães para alimentar a família durante a semana, porque não havia restaurantes naquela época, mal havia padaria", recorda-se. Mas os tesouros trazidos pelo pai de suas viagens a trabalho povoam a memória de Vavo. "Uma vez ele trouxe uma latinha de escargot para provarmos", relembra. Sua primeira vez provando foie gras também foi em uma degustação em família.
De todas as experiências, o gosto pela panificação ficou. Seu prato preferido é pizza, qualquer que seja o tipo de massa ou recheio. Vavo não trabalha com dogmas: cresceu usando margarina para cozinhar e hoje, em suas aulas, gosta de ouvir detalhes das receitas caseiras dos alunos, sem julgamentos. "Pode falar que engrossa molho com amido de milho, pode dizer que usa margarina. Vamos entender juntos que outros caminhos existem e cada um faz o que preferir", ensina.
Poucos meses após começar como professor tutor na Universidade Positivo, Vavo voltou a ser aluno. Por incentivo do coordenador e depois de um sinal do universo, matriculou-se no mestrado profissional de Biotecnologia Industrial na mesma universidade.
Em sua pesquisa, concluída em 2019, fez a identificação de microrganismos presentes em seu levain, feito a partir de cana de açúcar e suco de abacaxi. Ele descreveu e comparou variedade e quantidade de leveduras no levain fresco e no levain após ser liofilizado. "Algumas diminuíram, outras aumentaram. Ou seja, os aromas e sabores desenvolvidos por cada uma delas serão diferentes", resume. Voltar à sala de aula com tantas matérias de Exatas foi um desafio. "Sei das minhas limitações. Reprovei em duas disciplinas. Ficou uma grande lição: a importância de compreender os processos físico-químicos da gastronomia e de demonstrar as coisas, fazer testes", conclui.
Sei das minhas limitações. Reprovei em duas disciplinas. Ficou uma grande lição: a importância de compreender os processos físico-químicos da gastronomia e de demonstrar as coisas, fazer testesVavo Krieck
A observação da empiria não era novidade para Vavo. Aos 18 anos, foi morar em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, com o pai, que estava morando no país vizinho a trabalho. Vavo foi estudar arquitetura e, no tempo livre, ele e o pai saíam para explorar a cidade. "Ele anunciava: ‘Hoje você vai comer em um restaurante francês’, ‘hoje vamos na barraca da esquina comer miúdos’. Cada vez era um lugar totalmente diferente. Ele me expôs à muita variedade e me encorajava a experimentar de tudo. Até me levou para fumar charutos", ri ao recordar-se. Três anos depois, trancou a faculdade e voltou à cidade natal, aos 21 anos.
À exemplo do pai, Vavo traz a mesma abordagem com os filhos gêmeos, Gabriel e Clara, de oito anos. "Gabriel quer comer sushi, enquanto a Clara prefere junk food. Eles cozinham muito com a mãe, mas gostam de pratos muito simples que eu faço, como macarrão na manteiga, que faço com brown butter, e pizza, claro".
Como bom showman que é, Vavo lida bem com a câmera. Em seu canal de YouTube, criado há 11 anos e com mais de cinco mil assinantes, ele publica receitas e conteúdos sobre gastronomia, inclusive respondendo a questões enviadas pela audiência. Em um vídeo de dezembro de 2023, uma das perguntas respondidas era “como é ser o melhor professor do mundo?”. Vavo se encabula e fala, modesto: “Ah, meus amores, eu não sou melhor em nada. Não sou nada mais do que ninguém, nem nada menos do que ninguém”.
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