Histórias
Por que as pessoas gostam tanto de Nutella, o famoso creme de chocolate com avelã
A gianduia, massa homogênea que combina chocolate com avelã, é a inspiração da hoje famosa Nutella, mas seu sabor é conhecido em sobremesas, bombons e outras receitas italianas desde o início do século 19. Usar pasta de avelã para dar mais volume ao chocolate em tempo de escassez foi a solução que os confeiteiros italianos encontraram. A receita tem sido aprimorada há dois séculos e ganhou o mundo pós-Segunda Guerra Mundial, com a produção em larga escala da Nutella.
A proporção clássica da gianduia, uma pasta homogênea, é 70% chocolate e 30% de pasta de avelã. "É muito raro alguém não gostar dessa combinação. Só se ela já enjoou de tanto comer. A avelã não é doce, mas traz uma sensação de doçura", aposta Bibiana Schneider, da Cuore di Cacao. O que há nessa receita que agrada a paladares de tantas gerações?
"O chocolate ao leite harmoniza por semelhança com a avelã: ambos são ricos em gordura e dulçor", avalia Kassiany Dalmora, chocolateira da Caos Chocolate Artesanal de Origem. Já com o chocolate amargo, a harmonização é por contraste, e a doçura natural da oleaginosa quebra o amargor do cacau. "Em ambos os casos, o retrogosto será da avelã, que é predominante na combinação", completa Kassiany.
A gordura da avelã também modifica a textura do chocolate, deixando a massa mais maleável e fazendo com que derreta mais rápido na boca. Para Felipe Machoski, chef do Officina Restô Bar, a popularização da Nutella no Brasil, há menos de dez anos, foi o que fez o sabor ficar ainda mais presente na confeitaria. "É uma combinação perfeita, como queijo e goiabada, melão e presunto de Parma", compara o chef, que divide o comando da cozinha com Vitor Verona.
No livro Dicionário dos Sabores (Ed. Casa da Palavra, 2014), a autora Niki Segnit lista a combinação e expõe um breve histórico: em 1940, a pasta gianduia era uma massa sólida comercializada para ser cortada e consumida dentro do pão. Mas foi apenas em 1950 que os confeiteiros encontraram a fórmula perfeita para torná-la espalmável e em 1964, a Ferrero lançou a Nutella, marca conhecida até hoje.
Segundo Harold McGee, no livro "Comida e cozinha", o aroma característico da avelã se deve ao composto filbertona, que se multiplica de 600 a 800 vezes quando a oleaginosa é aquecida. "Quando se aquece, muitos ácidos voláteis se formam. Se você come uma avelã crua e uma avelã depois da torra, você sente que o sabor fica mais complexo. O ingrediente se transforma", explica Kassiany.
Combinação autoral
No portifólio da Cuore di Cacao, a avelã aparece na pasta gianduia (chocolate amargo ou ao leite), que pode ser comida de colher ou passada em pães e doces, e no praliné de avelãs, que recheia bombons ou barras. Em uma edição limitada, a marca lançou uma barra de gianduia, em que as avelãs são moídas a ponto de se confundirem com o chocolate, e levava pistache, morango desidratado e damasco.
A Caos Chocolate Artesanal de Origem foi lançada pela biomédica Kassiany Dalmora há dois anos, quando começou a pesquisar chocolate em seu mestrado em biotecnologia industrial na área agroalimentar. A cada dois meses, em média, Kassiany lança um lote com unidades numeradas de barras de chocolate (cerca de 70 unidades), com teor mínimo de 69% de cacau.
"Não trabalho com padronização, busco o sensorial do cacau, mostrar o trabalho do produtor", define Kassiany. A avelã já foi combinada à chocolate amargo e limão e também com chocolate branco e outras nuts.
A combinação com chocolate branco é menos comum, mas faz sucesso. No Officina Restô Bar, a sobremesa Craquelin recheada com Nutella branca faz sucesso desde sua primeira aparição no cardápio, no dia dos namorados de 2019. O creme de avelã com chocolate branco recheia uma pâte à choux e é servida com creme inglês de leite em pó.
Culpa de Napoleão
A combinação de cacau com avelãs é um clássico da cozinha italiana antes mesmo de Pietro Ferrero, o criador da Nutella, nascer. Historiadores atribuem a criação à dupla Paul Caffarel e Michele Prochet, donos da fábrica de chocolate italiana Caffarel.
O bloqueio comercial de produtos vindos da Inglaterra, imposto por Napoleão no início do século 19, deixou os confeiteiros do Piemonte, no Norte da Itália, sem acesso a chocolate. A solução foi acrescentar avelãs moídas finamente para dar mais volume à pasta de cacau. A criação foi batizada de giandujotto, em homenagem a um personagem clássico do carnaval do Piemonte. Conforme o tempo passou, o termo se modificou e virou "gianduia".
Naquela época, o chocolate integrava sobremesas e doces como ingrediente, e as barras de chocolate ainda não haviam sido inventadas. Como é uma região sem acesso ao mar e as rotas comerciais por terra estavam bloqueadas, usou-se o que se tinha à mão, em abundância. A Itália produz avelãs desde o século 13, e, no século 16 o país figurava ao lado da Turquia e Espanha como um dos maiores produtores de avelãs do mundo.