Histórias
3 chefs brasileiras premiadas internacionalmente que você precisa conhecer
Se antes ela era um território estritamente masculino, hoje ela começa a ser o palco para a criatividade e garra de muitas mulheres. A gastronomia está abrindo cada vez mais as portas para elas. A maior prova disso são os títulos que muitas estão ganhando: de chef revelação à estrela no conceituadíssimo Guia Michelin.
Neste Dia da Mulher, destacamos três cozinheiras e chefs que estão dominando a cozinha nacional e internacional: a Manu Buffara (Curitiba); a “dona onça” Janaína Rueda, do Bar da Dona Onça e d’ A Casa do Porco (São Paulo); e Helena Rizzo, do Maní, Manioca, Padoca do Maní e Casa Manioca (São Paulo).
Só que, infelizmente, elas ainda são poucas – e não só no Brasil. A jornalista e pesquisadora francesa Nora Bouazzouni é autora do livro Fominismo – quando o machismo se senta à mesa (editora Quintal). Em seu livro ela comenta que a cozinha doméstica é deixada com as mulheres por tratar-se de uma culinária menor, enquanto a alta gastronomia é uma atividade predominantemente masculina. Uma proposta da autora, inclusive, é criar o termo “cheffes” para as chefs mulheres.
Confira a trajetória destas três grandes mulheres que estão à frente de cozinhas consagradas:
Janaína Rueda
Das panelas do Bar da Dona Onça, aberto há 13 anos, saem pratos como a The Modernist Galinhada, cozidos e assados estilo comfort food, além de pratos de boteco. Mas, também das mãos da sommelière que virou cozinheira, Janaína Rueda, saem projetos sociais. Esse foi um dos motivos pelos quais ela foi a vencedora do prêmio Ícone 2020 na premiação Latin America's 50 Best Restaurants. “Estamos passando por momentos delicados. A comida afetiva, emotiva, caseira, de mãe está muito em alta, ela aquece o coração e a alma. Talvez seja por isso que no último ano eu esteja sendo notada e reconhecida de forma tão carinhosa. Eu sou a cozinha popular brasileira sem medo de clichês e sem me envergonhar, assumo definitivamente essa minha bandeira”, contou em entrevista para o Bom Gourmet.
A chef e sócia, ao lado do marido Jefferson Rueda, do Bar da Dona Onça e d'A Casa do Porco Bar, que esteve no ranking dos 50 melhores do mundo em 2019, trabalhou fortemente na melhoria da merenda escolar. Voluntária no programa "Cozinheiros pela Educação", ela ensinou cozinheiras e trocarem os alimentos processados por ingredientes in natura, privilegiando a saudabilidade.
E não foi só isso. Recentemente, ela também atuou em campanhas que pedem socorro para a indústria da hospitalidade durante a pandemia, além de ter doado três mil marmitas. E em paralelo (ufa!), junto com o marido Jefferson, ainda transformou o sítio Rueda em uma escola para cozinheiros da sua equipe. O que eles chamaram de Escola de Cozinha Caipira a céu aberto. A meta mais pra frente é abrir o sítio até para estagiários estrangeiros.
“Eu fui privilegiada, mas sofri preconceitos de alguns colegas de homens e muitas mulheres, por falarem que quem é o grande cozinheiro é o Jefferson. Que eu sou mera vendedora e marqueteira. Esses comentários vieram mais de mulheres machistas do que de homens. Infelizmente”, falou.
Ela contou que teve a honra de ser criada por mulheres muito fortes. Minha avó, minha madrinha e minha mãe. Todas divorciadas, independentes, nenhuma herdeira, mas todas fortes no seus trabalhos. Aprendi desde os oito anos a me virar muito. A pandemia é só mais um obstáculo a ser encarado. O sol há de brilhar mais uma vez. Não me preocupo com dívidas. Sempre as tive, sempre as paguei. Vamos em frente”, completou.
Manu Buffara
A evolução da gastronomia paranaense tem um nome: Manu Buffara. Desde que assumiu a cozinha do Hotel Rayon, em Curitiba, lá pelos idos de 2007, ela já mostrava a que veio. Revolucionou a cozinha do hotel na época servindo pratos como Salada com 21 folhas e flores comestíveis. Por lá permaneceu por cinco anos. Depois, abriu o seu Manu na capital curitibana que seguia um conceito totalmente diferente, apresentando uma cozinha inovadora. Um exemplo? Salsa de castanha de caju, caju fresco, atum curado, defumado e marinado em um picles de beterraba.
O destaque foi tanto que o seu restaurante foi o primeiro do Sul do Brasil que figurou na lista dos 50 melhores restaurantes da América Latina em 2019, promovida pela revista britânica "Restaurant". Antes disso já tinha sido eleito como o “restaurante para ficar de olho” em 2018, uma espécie de prêmio revelação.
O Manu também teve indicação nacional como melhor restaurante do Sul pela revista Prazeres da Mesa - por 3 anos - e chef do ano em 2019. Em Curitiba, foi eleita Chef 5 Estrelas pelo Prêmio Bom gourmet por nada menos do que seis vezes. “Todo destaque acaba virando uma referência e exemplo. Me sinto honrada de estar fazendo esse trabalho e sendo referência ao redor do mundo. São minhas crenças, valores, ideais, minha filosofia de trabalho. Isso dá mais essa visão de palco, de voz”, comenta a chef Manu.
No meio da pandemia ela criou outro empreendimento, o Manuzita. As receitas têm o gostinho de cozinha afetiva e para se adaptar aos novos tempos, atende exclusivamente por delivery. Depois de ficar fechado por um tempo por conta da quarentena, o Manu também passou a atender por delivery com um menu degustação super exclusivo – apenas seis unidades por dia. A chef tem planos para empreender também em Nova York, com o Ella, mas adiou a abertura até que a situação se normalize.
“Esse é um mundo masculino. Não sofri preconceito, tenho grandes amigos, sempre fui tratada com respeito, sempre impus o respeito. Temos que impulsionar mais mulheres. Se unir mais e conseguir cada vez mais não ficar só num mundo masculino. Gastronomia é o respeito que se tem pelo próximo, pelo trabalho de cada um”, avalia.
“Mas sei de mulheres que já sofreram (preconceito), sei a dificuldade que é passar por isso. Mas, o mundo está mudando, estamos transformando uma série de coisas pra melhor”, completa.
Ela diz que a pandemia lhe ensinou sobre o tempo. “Tempo de esperar, fazer as coisas com mais certeza. Me fez empreender, entender melhor o negócio, acabei criando o Manuzita. Vim com mais certeza do que eu faço, me sinto realizada, a pandemia me mostrou essa Manu que estava escondida, a força, tudo o que tive que fazer para sobreviver, não só em casa, no trabalho, mas também na comunidade, no trabalho social que desenvolvi. Nosso trabalho aqui é compartilhar, ter uma sociedade melhor com seres humanos melhores”. Manu acompanha de perto a horta urbana de Rio Bonito, no Tatuquara, de onde também compra seus ingredientes.
Helena Rizzo
Os títulos que ela acumula são para deixar qualquer um de queixo caído. Já foi eleita chef do ano (pela publicação Veja Comer&Beber), melhor chef da América Latina pelo prêmio 50 Best Restaurants of the World (2013) e eleita a melhor chef do mundo pelo prêmio 50 Best Restaurants of the World (2014).
O seu Maní figura entre os 10 melhores restaurante da América Latina pelo 50 Best Restaurants of Latin America (desde 2013), entre os 100 melhores restaurantes do mundo pelo mesmo prêmio (desde 2011) e foi condecorado com 1 estrela Michelin desde a chegada do Guia Michelin ao Brasil (desde 2015). Por sua vez, o Manioca, que une o Maní e a Padoca, foi condecorado na categoria Bib Gourmand (melhor custo benefício) do Guia Michelin Brasil (2016, 2017, 2018).
Em entrevista ao Bom Gourmet, ela conta que tamanho destaque se deve à perseverança e amor pelo ofício. “Parceiros que sempre confiaram no meu trabalho e uma equipe fabulosa formada nesses 15 anos de Maní. E um pouco de sorte também (risos)”.
O destaque rendeu à ela participações em alguns programas culinários, como a série The Last Table – Netflix (2018), The Taste Brasil – GNT (2018, 2017) e jurada convidada da série Masterchef Brasil – Band (2016).
Ela conta que entrou neste ramo inspirada por mulheres. “Minha tia Eleonora Rizzo, que tinha e ainda têm restaurantes em Porto Alegre, sempre foi um exemplo de mulher forte e generosa. Também a Neka Menna Barreto e a Carla Pernambuco. Entrei nas cozinhas da vida de cabeça erguida, com gana de aprender, respeitando as pessoas que trabalhavam comigo e me fazendo respeitar também. Jamais me coloquei num lugar de inferioridade ou incapacidade por ser mulher” conta.
Porém, já sofreu preconceito.
“Já sofri e todas nós, mulheres, ainda sofremos. Mas acredito que começamos a mudar o que acontece ao nosso redor quando conseguimos ter consciência e mudar algo dentro de nós mesmos – e também, claro, quando passamos a não admitir mais certas posturas excludentes”.
Para ela, a pandemia tem mostrado que não há outro caminho se não o da resiliência, da adaptação e da serenidade. “Sinto que nós, mulheres, fomos obrigadas desde cedo a sermos fortes e a batalharmos muito para alcançar posições que os homens alcançavam sem que fossem tão exigidos. Isto é bastante injusto, obviamente, mas fez que nossa resiliência e capacidade de adaptação fosse grande”. Ela completa que diante da atual situação tem tentado criar maneiras de superar as dificuldades e seguir lutando para sobreviver.