Hack pela Gastronomia
Alex Atala e Manu Buffara falam sobre o futuro da cozinha autoral
O chef Alex Atala, que coleciona estrelas Michelin no D.O.M, e a chef Manu Buffara, chef paranaense reconhecida internacionalmente por sua pegada sustentável, sempre demonstraram uma tendência à valorização dos ingredientes locais e ao fortalecimento da cadeia produtiva de menor porte. Durante a pandemia, essa vocação se potencializou e trouxe adaptações à alta gastronomia que devem perdurar.
Os insights do processo provocado pela pandemia foram trazidos durante o talk mediado por Felipe Ribenboim, do FRUTO. O bate-papo virtual fez parte do Hack pela Gastronomia do Bom Gourmet, cujas inscrições estão abertas até esta quarta (9).
Com planos de reabrir seu estrelado D.O.M. em 14 de outubro, Atala já dá o recado: vai se bastante disruptivo. "Não só vou voltar ao mundo dos sonhos, que é o que considero o restaurante, mas como voltar com coragem pra transgredir e usar ingredientes não regulamentados. Vou meter o pé na porta. Usar ingredientes do pequeno produtor mesmo, como mel, leite...Vou pra cima", avisa.
Nesses novos processos, Atala aposta que a experimentação da biodiversidade agrega mais valor ao que é servido e que os chefs têm um importante papel. "Acredito nessa gastronomia com reforço de valor. Acho que dá pra ir além do que é o restaurante. Tem uma mensagem bonita e forte, na qual podemos engajar mais pessoas. Pra falar de cozinha do futuro, temos que voltar ao passado. O caro não é mais o luxo, mas a exclusividade. Há um universo novo de valor, não de custo", acredita.
Para Manu, o trabalho direto com o pequeno produtor, que já era recorrente, ganhou ainda mais força durante a pandemia. Com a reabertura do Manu programado para o dia 20 deste mês, com apenas cinco mesas no salão, o premiado menu vem com novidades.
"Com o Manu fechado, aproveitei pra rever e mudar algumas coisas. Sempre trabalhei com produtos locais e agora estamos investindo cada vez mais nisso. Vamos investir o máximo possível do que vem do mar, pra ajudar pescadores, com o menu "da horta ao mar". No total, a parceria de Manu com pequenos produtores se consolida, nesse momento, com 78 produtores.
Outra tendência que a chef acredita que será cada vez mais forte é o entendimento de onde vêm os ingredientes e da história e das raízes das receitas. "É tão legal você entender que o leite vem da vaca e quanto dá pra retirar dele. Doce de leite, coalhada, queijos. Tem que ter a legalização, porque é natural".
Ela acrescenta que, mais do que conhecer a técnica, os chefs devem buscar entender os processos. "É importante começar a procurar na história, nas raízes, onde estão as receitas. Temos produtos muito bons, basta escolher a melhor técnica. É preciso popularizar e usar mais o que é da nossa terra. O cliente também precisa entender que ele vai ao restaurante para uma experiência e que somos maestros. Quem toca o barco é a gente. Ao cliente, cabe relaxar e curtir", acredita.
Além do Manu, que vai funcionar apenas de quarta-feira à sábado, a chef vai servir, também, a comida Manuzita, versão de comfort food que ela lançou para delivery durante a pandemia. O serviço será feito através de uma pequena janela, aberta aos sábados para o almoço. "Vai ser uma forma de a gente se divertir um pouco", brinca a chef.
A redução do horário de atendimento ao público tem a ver com a incorporação de um modo menos acelerado de viver a vida. "Passei o ano passado viajando muito, sem conseguir ver filmes ou ler livros até o final. A pandemia fez a gente repensar o convívio com a família e o que queremos do futuro", afirma. Não à toa, Manu lançou um delivery com o conceito que convidada os clientes a curtirem experiências como a de piqueniques, mas no aconchego do lar.
Para Atala, que vive na aceleradíssima São Paulo, a pandemia também trouxe mudanças. Se no que diz respeito a honrarias o chef Alex Atala atingiu o Olimpo da gastronomia com seu estrelado D.O.M., ele transita, hoje, no sentido inverso: com os pés mais fincados do que nunca no chão. "Fui um cara treinado pra trabalhar muito, sem direito de reclamar. Hoje questiono. Vamos ter que encontrar um modo mais equilibrado de se relacionar com comida, ingredientes, funcionários e clientes", acredita o chef.
De acordo com ele, cada vez mais a profissão está ganhando sentido de cidadania. "É aquilo de pensar no coletivo. A gestão no momento de crise torna-se fundamental e tudo isso passa por qualidade de vida. O meu cozinheiro, meu funcionário, meu transportador, só vai fazer bem se estiver bem".
Logo que a pandemia estourou, o chef diz que quem segurou o restaurante foi a sua equipe, que já o acompanha há muitos anos. "Eu costumo dizer que não tenho restaurante. Tenho sonho que funciona. E quando você é tolhido disso, parece que o mundo fica cinza. Foi um grande aprendizado, como trabalhar com contenção de custos e rever processos".
Delivery e lives
O delivery de pratos de grandes chefs e as lives pelas redes sociais, que aproximaram grande nomes da gastronomia do público, são apontadas como novidades que também vieram para ficar.
"O delivery é como uma alma que não ocupa o corpo. Sem salão, como você dá formato a isso, não só sabor? Ando pensando muito em embalagens para delivery, como aprender. O delivery nos forçou a achar soluções e pensar sobre isso", diz Atala, que estuda utilizar embalagens reaproveitáveis, como de vidro, para amenizar os efeitos negativos das entregas em casa.
Para Manu, a implantação do delivery, aos poucos, chegou ao ritmo ideal, e foi importante para o processo criativo, inclusive na escolha das embalagens - ela passou a utilizar vidro e tampas de silicone, que permitem um novo fim às embalagens. "Criei coisas novas, como as caixas de piquenique, que foi um sucesso. Mandamos sempre orientação para manter a qualidade do produto. Foi uma dificuldade não ter o lance de servir e ver a reação do cliente, mas aprendemos. O delivery veio para ficar".
Se o fechamento dos salões impediu a percepção imediata das reações dos clientes, serviu para que os chefs descobrissem o poder das lives no processo de aproximação com o público. "Foi um nova forma de trabalhar, que tirou a gente do espaço físico. Por meio das lives, cozinhei na minha cozinha para as pessoas aprenderem. Foi importante aprender que dá para trabalhar fora do restaurante e entender quem cozinha em casa, no dia a dia, como todas as limitações", finaliza Atala.
Confira o talk completo: