Gestão e Finanças
Cidades aprovam doação de alimentos pelos restaurantes, mas prática mostra dificuldades
Câmaras de vereadores de todo o país estão aprovando legislações específicas para permitir que lanchonetes, restaurantes e supermercados possam doar alimentos não consumidos sem ter uma penalização mais dura em caso de contaminação. Curitiba (PR), Vitória (ES), Blumenau (SC), Piracicaba (SP), Santa Cruz (RS) e mais recentemente Joinville (SC), procuram novos caminhos para preencher uma lacuna existente nas normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Atualmente, a agência permite a doação de alimentos não consumidos desde que os estabelecimentos sigam as normas de boas práticas de manipulação, mas pune o dono do negócio se a sobra for contaminada no meio do caminho, por terceiros. O que as novas legislações disciplinam é que tipo de comida pode ser doada, quem pode recebê-las e de quem é a responsabilidade em caso de contaminação.
Segundo o presidente nacional da Associação Brasileira de Bares e
Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, essa é uma discussão que já vem de anos
e sempre careceu de segurança jurídica. Para ele, os empresários deixam de doar
os alimentos pelo receio de serem indiciados civilmente pela contaminação de
quem recebê-los.
Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, essa é uma discussão que já vem de anos
e sempre careceu de segurança jurídica. Para ele, os empresários deixam de doar
os alimentos pelo receio de serem indiciados civilmente pela contaminação de
quem recebê-los.
“A partir do momento que a gente entrega o alimento para terceiros, não podemos mais ficar responsáveis por ele. Para a lei ser efetiva, ela precisa encerrar a responsabilidade do doador em ser responsável após a doação”, explica Solmucci.
À reportagem, a Anvisa informou que apenas alimentos apreendidos em
operações de fiscalização ou expostos em restaurantes por quilo ou eventos que
não sejam devidamente acondicionados não podem ser doados. Os outros devem
obedecer à regulamentação 216 de 2004, que trata das boas práticas de preparo e
armazenamento.
operações de fiscalização ou expostos em restaurantes por quilo ou eventos que
não sejam devidamente acondicionados não podem ser doados. Os outros devem
obedecer à regulamentação 216 de 2004, que trata das boas práticas de preparo e
armazenamento.
Regulamentação
Embora as leis aprovadas nas cidades do país disciplinem a doação de alimentos não consumidos, muitas delas não tiveram os dispositivos regulamentados e permanecem sem aplicabilidade. No caso da legislação aprovada em Curitiba no ano passado, por exemplo, o próprio texto já definiu que a doação só poderá ser feita após a “celebração de convênios com entidades não governamentais, associações, ONGs, fundações sem fins lucrativos, bancos de alimentos, entre outros”.
Outro ponto comum às legislações é a contratação de um profissional de
segurança alimentar capacitado para analisar e classificar os alimentos aptos
para doação, de acordo com as boas práticas de segurança alimentar e
nutricional. E ainda que as entidades receptoras é que deverão transportá-los
até o destino final.
segurança alimentar capacitado para analisar e classificar os alimentos aptos
para doação, de acordo com as boas práticas de segurança alimentar e
nutricional. E ainda que as entidades receptoras é que deverão transportá-los
até o destino final.
“A regulamentação disso é, basicamente, assegurar a segurança do alimento. O ideal mesmo seria a prefeitura cadastrar o receptor e o doador, essa seria uma boa regulação”, completa o presidente nacional da Abrasel.
Da mesma opinião de Paulo Solmucci é o diretor operacional dos Postos Pelanda de Curitiba, Rafael Silva. Ele afirma que não basta ter uma lei aprovada se não houver um incentivo do município. É preciso ir além de apenas fiscalizar a aplicação dela.
“O projeto pode ser muito interessante se houver uma integração do município, como passar nos estabelecimentos recolhendo os alimentos a serem doados e dando a destinação a quem precisa”, diz.
Doação x desperdício
Por outro lado, o empresário Beto Madalosso, da Forneria Copacabana, lembra que o incentivo à doação de alimentos não consumidos esbarra no desafio que os restaurateurs têm de diminuir o desperdício na cozinha. Para ele, a discussão não é nem se as sobras podem alimentar outras pessoas, e sim o quanto elas podem ser reaproveitadas dentro do próprio restaurante.
“Se estamos doando alimentos bons é porque algo está errado na produção: estão fazendo demais. De jeito nenhum eu sou contra a doação, mas às vezes acho que existe uma fantasia de que restaurantes geram muita sobra de comida boa, o que não é necessariamente verdade”, disse no grupo de empresários no WhatsApp do Bom Gourmet Negócios.
Em outro restaurante de Curitiba, o K.sa, a chef Claudia Krauspenhar diz que o “reaproveitamento é praticamente total dos insumos”. Já as sobras são repassadas para o projeto Compostar, que faz a coleta e compostagem dos resíduos orgânicos dos estabelecimentos.
Há também exemplos onde a sobra pode ser revertida para a caridade. Nas duas unidades da padaria Saint Germain, na capital paranaense, os pães e bolos que passaram do ponto para venda são encaminhados para uma instituição beneficente a cada dia da semana. As próprias entidades parceiras ficam responsáveis por retirar os produtos e darem a destinação correta.
“Fazemos essas doações há mais de dez anos, separamos pães, doces, bolos secos e alguns bolos gelados. Os que precisam de refrigeração ficam guardados em câmara fria até o momento da retirada”, explica Lourenço Bandeira, proprietário das padarias.
Vale pouco
Entidades de classe acreditam que o ideal mesmo seria a aprovação de uma lei federal para disciplinar a doação de alimentos e retirar do empresário a responsabilidade civil por uma contaminação que aconteça no meio do caminho. Percival Maricato, advogado e presidente do conselho administrativo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo, explica que as legislações municipais apenas ajudam na discussão, mas não tem muito valor.
“Elas valem menos do que uma legislação federal, apenas para provar que o empresário teve boa fé na ação dele se houver um processo penal ou civil”, analisa.
Maricato conta que este é um assunto complexo, pois envolve uma cadeia
muito grande de participantes. Há o dono do restaurante que fará a doação, o
profissional que vai atestar a qualidade do alimento, o responsável pelo
transporte até a entidade assistencial, quem irá armazená-lo e processá-lo
antes de ser consumido, e, por fim, o próprio beneficiário. E, ainda, o poder público
que precisa fiscalizar tudo isso para averiguar se as normas da Anvisa estão sendo
seguidas.
muito grande de participantes. Há o dono do restaurante que fará a doação, o
profissional que vai atestar a qualidade do alimento, o responsável pelo
transporte até a entidade assistencial, quem irá armazená-lo e processá-lo
antes de ser consumido, e, por fim, o próprio beneficiário. E, ainda, o poder público
que precisa fiscalizar tudo isso para averiguar se as normas da Anvisa estão sendo
seguidas.
“A bem da verdade, o mundo ideal seria se todos os participantes dessa cadeia fizessem o seu trabalho como deveriam, sem precisar de leis para disciplinar isso. Há mais de 20 anos discutimos isso em São Paulo e em Brasília, e é um assunto difícil de ir para frente por envolver tanta gente”, completa o presidente do conselho administrativo da Abrasel-SP.
Há atualmente um projeto em âmbito nacional tramitando no Senado desde o ano passado. De autoria do senador Ciro Nogueira (PP/PI), o texto prevê que os estabelecimentos atacadistas e varejistas “são obrigados a doar seus alimentos não destinados a venda e que estiverem em condições de serem consumidos de forma segura”, e somente após a celebração de contratos com entidades beneficentes de assistência social. Segundo o Senado, o projeto está sob análise da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, sem previsão de seguir para votação.