Gestão e Finanças
Retomada dos restaurantes exige uma ficha técnica certeira dos pratos e drinks
A chegada da pandemia do coronavírus ao Brasil revelou o quão difícil é a gestão de um restaurante, desde a cozinha ao caixa. E este último foi o que mais sofreu ao longo dos últimos quase 17 meses de restrições, com decretos restritivos que minaram a quantidade de clientes no salão -- e um delivery que, muitas vezes, não cobre metade dos gastos.
E a retomada da economia que já se mostra cada vez mais clara no horizonte, junto do crescimento constante da confiança pela vacinação e flexibilização das restrições, vem acompanhada da preocupação de fazer as contas fecharem. Como disse Paulo Solmucci, presidente nacional da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), ao Bom Gourmet Negócios, o caixa dos estabelecimentos está profundamente comprometido com dívidas contraídas ao longo da pandemia.
É nesta hora que segurar os gastos, padronizar os processos e otimizar os custos se mostra de extrema importância na gestão do restaurante. Segundo a Abrasel, o faturamento hoje está em torno de 60% a 80% do que seria normal.
A falta de padrão no preparo de pratos e drinks é apontada como uma das principais falhas na operação de bares e restaurantes e, normalmente, a maior responsável pelo desperdício de ingredientes – consequentemente de dinheiro. A solução está na ficha técnica, boa prática administrativa e operacional muitas vezes renegada por donos de restaurante.
A ficha técnica é como um manual de instruções, que explica passo a passo as exatas quantidades de ingredientes que serão usadas em um determinado preparo — e como elas devem ser utilizados. Segundo Eduardo Lopes, chef e proprietário da Business Food Escola de Gastronomia de Bragana Paulista (SP), tanto o proprietário como o chef e o bartender conseguem saber exatamente quantos pratos ou drinks podem ser elaborados com um pacote de insumo e, principalmente, quanto custa cada prato no final das contas.
“Ela é uma das responsáveis, ainda, pelo cálculo do fechamento mensal dos custos da matéria-prima e das contas, apontando se a casa está dando lucro ou não”, explica.
Julio Perbichi, bartender e consultor responsável pela implantação de diversos bares em Curitiba, diz que a fórmula é a mesma para drinks, com ingredientes e preparos bem explicados.
“A única diferença é mesmo quanto às porções medidas em doses, e não em gramas como em um restaurante”, esclarece.
Ficha técnica certeira
Padronizar todos os processos do restaurante é realmente uma tarefa difícil e complicada, que exige atenção e controle na ponta do lápis. Para isso, o restauranteur precisa elaborar duas fichas técnicas, sendo uma que vai para a cozinha ou balcão e a administrativa.
A primeira, chamada de operacional, contém a receita do prato ou do drink com a quantidade de todos os ingredientes utilizados (não apenas os principais), as devidas gramaturas ou doses (mesmo que seja uma pitada), os possíveis substitutos, a forma de preparo, a montagem e a apresentação com foto.
Já a segunda, chamada de ficha técnica gerencial, tem dados como o valor de cada ingrediente usado, a cotação com mais de um fornecedor, os custos administrativos (contas e equipamentos) e a margem de lucro (veja mais abaixo como é calculada).
Custos
Eduardo Lopes explica que alguns custos podem ser um pouco difíceis de serem calculados, já que podem variar de um mês para o outro, como contas de serviços públicos como luz, água e gás, e até mesmo a mão de obra. Para isso, é preciso listá-los em uma relação à parte e dividi-los de acordo com a estimativa de pratos vendidos dependendo do movimento esperado para o estabelecimento, e se o custo variável pode ser absorvido pela margem de lucro ou repassado para o consumidor final.
“Essa é a falha mais encontrada no mercado, já que um restaurante que ainda será aberto não tem uma projeção de público e de venda. É mais uma especulação que varia de acordo com o número de lugares, a expectativa de rotatividade do salão no almoço ou jantar e o limite de pratos que a cozinha consegue preparar. Com o tempo o empresário vai aperfeiçoando, e normalmente só se consegue confirmar essas estatísticas depois de um ano”, explica o professor.
Os custos variáveis também precisam ser estimados de acordo com a sazonalidade, como as contas de energia elétrica mais caras em períodos de seca ou mais baratas em épocas de chuvas. O mesmo se aplica aos alimentos, como a carne que sempre sobe no final do ano ou o leite, que fica mais caro em épocas de estiagem. Lopes explica que algumas variações devem ser absorvidas pelo próprio empreendimento, já que podem compensar em outros gastos.
“Ficar de olho no concorrente, em como ele negocia com os fornecedores, e ter um capital de giro para compensar gastos de um período para o outro também contam na hora de formular a ficha técnica gerencial”, completa o professor. Uma dica que ele dá para quem está começando é calcular o montante de custos e de margem de lucro multiplicando por três o custo do prato (Índice de Custo), que chega muito próximo à realidade.
Há ainda os ingredientes que não são utilizados por completo, como carnes, peixes e legumes. Neste caso, o custo por porção deve ser calculado apenas sobre o que é efetivamente preparado. Por exemplo: em uma peça de peixe são descartados em torno de 30% do volume, como a cabeça, a pele, a espinha, as escamas e as vísceras. É em cima dos 70% restantes que o valor total do insumo deve ser calculado.
Margem de lucro
Outro ponto que costuma enganar os empresários na hora de elaborar a ficha técnica é estimar a margem de lucro sobre cada prato vendido. Para isso, é preciso ter o valor exato de quanto custa a matéria-prima destinada à produção mais os gastos fixos e variáveis para, no montante final, atribuir uma margem de lucro.
Normalmente, o chamado Custo de Valor da Matéria-Prima (CVM) corresponde a 25% do faturamento, mas pode chegar a 32%. Eduardo Lopes explica que quanto mais baixo esse índice, mais positiva está a casa.
“Só mesmo com todos os custos na ponta do lápis é que o empresário pode definir quanto quer lucrar em cima de cada prato. Em via de regra, um restaurante comercial hoje em dia fica em torno de 10%, alcançando no máximo 15% no melhor dos cenários. Ver como a concorrência está trabalhando também se aplica aqui”, analisa o consultor.
Atualização e preparos
A atualização das fichas técnicas precisa ser feita constantemente de acordo com a variação dos preços e como a cozinha prepara os pratos. O recomendável é verificar isso pelo menos uma vez por mês, além de uma visita à cozinha periodicamente para avaliar se os funcionários estão seguindo à risca as receitas ou se algum procedimento precisa ser alterado.
Com isso o empresário consegue saber se determinado prato deve ser mantido ou descontinuado. No entanto, Lopes explica que variações de preços e itens muito rápidas ou bruscas no cardápio atrapalham a fidelização dos clientes. “Mais uma vez, tem que avaliar se o custo pode ser absorvido ou não”, completa.
Por fim, ele cita que alguns sistemas de informática ajudam na hora de formular as fichas técnicas, mas é preciso treinamento para entender os dados apresentados. Há opções simples a partir de R$ 100 por mês ou pacotes completos começando em R$ 250 com suportes que variam de R$ 50 a R$ 100.
No entanto, segundo Eduardo Lopes, uma planilha de Excel já ajuda muito para estabelecimentos pequenos que servem até 100 refeições por dia. É possível encontrar opções prontas para uso a partir de R$ 20 em sites como Mercado Livre e OLX.