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O sabor da memória: por que Pelotas é a Capital dos Doces do Brasil

Anderson Hartmann, com Laura Tedesco Bressan
30/07/2025 16:58
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Quindim é o doce mais vendido da feira, seguido pelo bombom de morango | Foto: divulgação/Fenadoce

Com mais de 1 milhão de doces vendidos, a Fenadoce celebra o legado das doceiras que mantêm viva uma tradição de dois séculos — agora reconhecida com selo de origem
Pelotas pode ser apresentada de muitas formas — como berço da cultura doceira no Brasil, como capital dos camafeus e quindins, ou ainda como a cidade onde o tempo parece respeitar o ritmo das receitas passadas de geração em geração. Mas na prática, quem visita a Fenadoce entende com o paladar o que significa essa tradição.
Desde o século 19, Pelotas se destacou por reunir ingredientes frescos — como açúcar, ovos e amêndoas — e modos de preparo trazidos pelos colonizadores portugueses. Os doces começaram a ser preparados nos casarios do centro histórico, com mão de obra escravizada, e foram evoluindo em técnica e complexidade até se consolidarem como símbolo local.
Hoje, 14 doces são reconhecidos com selo de Indicação Geográfica (IG), concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). O selo certifica a ligação direta entre o produto e o território, tanto na origem dos ingredientes quanto no saber-fazer.
Entre os doces com IG estão os clássicos quindins, camafeus, fatias de Braga, ninhos, trouxas de amêndoa, pastéis de Santa Clara e bem-casados. A Associação dos Produtores de Doces de Pelotas, responsável pela gestão do selo, garante que os produtos com IG sigam rigorosos critérios de produção. Entre as exigências, está o uso exclusivo de ingredientes naturais, sem insumos industrializados, além do respeito às receitas tradicionais com mais de dois séculos de história.
— Nós temos como objetivo maior manter a tradição doceira. E também fazemos a gestão do selo de identificação geográfica. São só os doces que não levam nenhum produto industrializado, com mais de 200 anos de história — explica Simone Bica, presidente da associação.
Visitantes podem ver a produção sendo feita na Cidade do Doce | Foto: Laura Tedesco/Bom Gourmet
Visitantes podem ver a produção sendo feita na Cidade do Doce | Foto: Laura Tedesco/Bom Gourmet

Fenadoce: entre tradição e inovação

A 31ª edição da feira chega à reta final com números expressivos: mais de 190 mil visitantes e mais de 1 milhão de doces vendidos até o último domingo (28). A expectativa da organização é superar a marca de 314 mil pessoas até o encerramento, no dia 3 de agosto, em Pelotas, no Sul do estado. A Fenadoce também conta com praça de alimentação, feira de artesanato, atividades culturais e a Feira da Agricultura Familiar, que já movimentou R$ 1 milhão em negócios nesta edição.
Mas além dos dados, o que chama atenção é a experiência. Na Cidade do Doce, montada dentro do Centro de Eventos, cada vitrine expõe camadas de história e técnica. São mais de 40 bancas de doceiras ligadas à Associação dos Produtores de Doces de Pelotas, responsáveis por manter viva a essência de uma tradição com mais de dois séculos.
Quem caminha pelos corredores da feira encontra tanto a doçaria tradicional quanto criações que se reinventam a cada edição. Morango do amor, licor de quindim, doces proteicos, versões com pistache ou sem glúten dividem espaço com os clássicos.
É o caso da doceria Delícias Portuguesas, comandada pela família de Eulália Duarte, que trouxe do outro lado do Atlântico receitas típicas de Portugal. Ela conta que as receitas seguem vivas por causa da memória familiar:
— As receitas familiares, os nossos doces portugueses, a gente tem, continua. Temos muitos parentes em Portugal e procuramos trazer doces característicos de diferentes regiões — afirma.
A experiência sensorial é completa: da textura amanteigada das trouxas de amêndoa ao perfume doce do quindim recém-preparado, tudo convida o visitante a saborear com calma. A combinação entre respeito à tradição e abertura para novas experiências ajuda a renovar o público da Fenadoce, atraindo também consumidores interessados em alimentação consciente, artesanal e com origem.

O impacto do aumento de insumos

Os visitantes da 31ª Fenadoce também notaram um reajuste nos preços dos doces este ano. O valor da unidade passou de R$ 6,50 em 2024 para R$ 7,50 em 2025 — uma alta de cerca de 15%. De acordo com a Associação dos Produtores de Doces de Pelotas, o aumento está diretamente relacionado à elevação nos preços de insumos básicos como ovos, açúcar e leite condensado, que tiveram reajustes significativos nos últimos meses. O ingresso da feira continua incluindo a escolha de um doce.

Serviço

A Fenadoce segue até o dia 3 de agosto, com programação cultural, praça de alimentação, feira de artesanato e 243 estandes abertos ao público. O evento ocorre no Centro de Eventos de Pelotas e os ingressos podem ser adquiridos no local. A Cidade do Doce funciona todos os dias da feira, reunindo o melhor da tradição pelotense em um só lugar. A expectativa da organização é atrair cerca de 314 mil pessoas até o encerramento da feira, no dia 3 de agosto.