Experiência
O que faz uma comida ser considerada brega?
Em um passado não muito distante, pratos como o coquetel de camarão, as tortas folhadas, o canudinho de maionese e o arroz de forno, entre tantos outros, eram iguarias interessantes da culinária, mas que passaram a ser considerados bregas em anos mais recentes. Não se sabe por quem ou onde as comidas começaram a ser classificadas assim, mas redes sociais como Pinterest, Flickr, Instagram e blogs proliferaram de posts ranqueando-as.
E se tem uma gastronomia que mais sofreu “baixas” neste ranking foi a francesa. Um dos berços da culinária mundial, que se tornou um pouco mais acessível a partir da Nouvelle Cuisine de Paul Bocuse, é também um dos mais classificados como brega até mesmo por seus nativos. Fanie Delatte, francesa e proprietária do restaurante L´Épicerie, de Curitiba, levou a discussão para suas conterrâneas de Paris, que não pouparam exemplos de comidas que deixaram de ser moda. “É um assunto bem variado, que depende muito de cada um. Percebi que vai muito do gosto pessoal, uma coisa kitsch para mim hoje pode não ser para outra”, explica.
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Entre as comidas indicadas pelas conterrâneas de Fanie, estão o Lièvre à La Royale, um cozido de carne de coelho, legumes e vinho; o Poisson en Croûte, um peixe assado dentro de uma massa podre ou folhada; e até mesmo a sobremesa Crêpe Suzette. A lista de pratos bregas elaborada pelas francesas não é unânime, e é até mesmo questionada por quem trabalha no dia a dia da cozinha.
Celso Freire, um dos expoentes da gastronomia contemporânea em Curitiba, afirma que a comida e as receitas jamais serão ultrapassadas. Para ele, o chique não existe: o que há é o adequado. “Cada ocasião, cada momento à mesa pede um estilo, um tipo de comida e de serviço. Podemos ter algo muito adequado e refinado no campo, por exemplo, assim como é muito fácil termos uma refeição totalmente inadequada em um castelo”, diz.
Além de considerar o momento e a ocasião em que determinado prato é servido, o chef vai além na crítica. Para ele, cozinhar e compartilhar o alimento é um ato ‘sagrado’, mas alguns modos são condenados na gastronomia. “O exibicionismo, a arrogância, a falta de conhecimento e o desrespeito com os ingredientes, na minha opinião”, conta Celso Freire.
A opinião de Celso Freire é compartilhada pelo chef Ivo Lopes, que adotou a culinária francesa como sua especialidade, mas em um formato mais contemporâneo. Para ele, não existe comida brega. “O que há é a comida malfeita, independente do tema adotado. Você pode pegar qualquer coisa e transformar, o problema é como fará isso”, explica. Para ele, a comida malfeita, em que os ingredientes não são respeitados, é uma comida sem vida.
Ivo Lopes usa como exemplo da discussão a feijoada, prato tradicional do nosso país que migrou da senzala dos escravos para mesas mais elitizadas. “Hoje em dia, todo mundo gosta de feijoada, algumas bem-feitas e outras malfeitas, mas não brega”, explica. Ele ainda completa, dizendo que brega é quem cozinha sem dar vida ao alimento, como usa os ingredientes e as técnicas.
Entre críticos e profissionais, a opinião é unânime: não existe comida brega, mas tendências da culinária.