Experiência
Por que Nicole Kidman comendo insetos é tão estranho?
A revista norte-americana Vanity Fair publicou um vídeo de um minuto da atriz australiana Nicole Kidman degustando quatro tipos de insetos (assista abaixo). Se você consegue assistir sem pensar na agonia que deve ser morder uma larva ou mastigar um grilo, você é um corajoso, afirma Maria Cecília Pilla, doutora em história da alimentação e professora do curso de História da PUCPR. “As pessoas escolhem comer o que conhecem, que sabem como é feito, o que consideram limpo. E há quem tenha coragem de romper isso”.
Essa ruptura é a responsável pelo “gosto adquirido” e por algumas concessões feitas pelo comensal de acordo com suas afinidades. “A cultura alimentar nos deixa pré-dispostos a gostar de algumas coisas e refutar outras. Todos os sentidos entram nessa análise: se a textura de uma carne não for o que eu espero, vou estranhar. Se o aroma não for agradável, não vou querer comer. A sensação que temos é que todo mundo sempre comeu o que comemos”, explica Maria Cecília.
Em regiões do México e em alguns países da Ásia tais como Tailândia e China, insetos fazem parte do cardápio.
Aqui no Brasil, larva de vagalume na manteiga; farofa de formiga içá; larvas de turu (inseto que consome madeira podre) vivas. “A cultura indígena brasileira foi suplantada pela cultura dos europeus, especialmente mais próximo do litoral. Comer insetos é normal no interior do país, mas causa estranhamento para o brasileiro de grandes metrópoles do século 21”, afirma Cintia Rolland, coordenadora do curso de gastronomia da FMU – Complexo Educacional, em São Paulo.
Um dos pratos mais icônicos criados pelo chef Alex Atala, do restaurante D.O.M, em São Paulo, é uma formiga saúva no topo de um cubo de abacaxi. Ao comer a porção, a língua do comensal experimenta a acidez e doçura da fruta e o sabor pronunciado de capim-limão ao final, cortesia da formiga. E por que é aceitável comer formiga nesse contexto? Maria Cecília explica: “Essa formiga está revestida da cultura da alta cozinha. O chef traz a cultura do Brasil para dentro do restaurante e serve uma formiga higienizada, que tem gosto de capim-limão, traz algo que eu conheço”, explica. Depois de Atala, os chefs Manu Buffara, do Paraná, e Felipe Schaedler, do Banzeiro, em Manaus, incluíram a formiga em alguns de seus menus.
Para os chefs, os insetos podem virar um recurso para acrescentar sabor e textura. “A ova da formiga é doce. Algumas larvas são mais doces, como as da borboleta e mariposa, mas tem larvas que explodem na boca e são bem amargas. O gafanhoto frito tem mais textura que sabor, é muito crocante”, descreve a chef Manu Buffara, do restaurante Manu. Seu estilo de cozinha é vanguardista e recentemente o chef Alex Atala declarou vê-la como uma das chefs mais promissoras do Brasil.
Proteína do futuro?
Muito se fala na produção de insetos para o consumo humano como uma maneira de driblar a fome. “A chef Margot Janse criou um projeto na África do Sul em que as barrinhas extremamente proteicas de insetos substituem uma refeição. É uma coisa para o futuro, mas não faz parte da nossa cultura”, diz Manu.
Para Cintia, a geração atual não estará na Terra para ver essa mudança de comportamento. “Não acredito que seja uma solução para o futuro consumir insetos mesmo que sejam grandes fontes de proteína no lugar da carne bovina. Se isso acontecer, será daqui milhares de anos. Quando há uma mudança tão significativa no padrão de alimentação de uma população é porque há gente morrendo de fome”, afirma.