Experiência
Micropadarias artesanais se espalham pelas capitais brasileiras
“É como se eu tivesse comendo pão pela primeira vez na minha vida”. A afirmação do músico e padeiro Marcelo França explica bem porque as pequenas e micropadarias artesanais estão se espalhando por todo o país, principalmente nas grandes capitais.
Esta forma de produzir e vender pães caiu no gosto dos brasileiros e cresceu uma média de 2,9% nos últimos quatro anos, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Panificação (Abip). É um movimento quase como de volta ao passado, quando o atendimento nos empórios era mais personalizado e os pães produzidos da forma mais artesanal possível.
Apesar da falta de números exatos de quantas pequenas e micropadarias existem no país – a Abip acompanha a evolução de apenas 400 empresas em 19 estados do país – não é difícil identificar a tendência nas ruas das grandes capitais.
Geralmente são lojas com apenas uma portinha e uma vitrine, poucos lugares para sentar, alguns tipos de pães (a maioria de fermentação natural) e a cozinha facilmente visível do salão. E, claro, o cheirinho de pão fresco assado na hora. O próprio Marcelo França é uma das ‘vítimas’ disso.
Ele se formou cozinheiro no Senac Paraná em 1998, conciliou a carreira com a música até 2016 e decidiu trabalhar de graça em uma micropadaria curitibana por seis meses, só para aprender a fazer os pães artesanais. Este tipo de padaria se caracteriza principalmente pelo método de produção dos pães, sem o uso de conservantes ou aditivos na massa – além de abri-la ‘na mão’.
“Eu utilizo o levain, que é um fermento clássico obtido pela mistura da farinha com a água. É a fermentação natural de lenta duração, que dá um sabor totalmente diferente ao pão, que leva em torno de 20 a 24 horas. Em uma panificadora normal isso é impossível, e até para as pequenas padarias às vezes a demanda é maior do que o que temos disponível”, conta França, hoje proprietário da A Padaria Chegou.
O músico-padeiro começou a vender os pães artesanais em um caminhão parado próximo a condomínios de Curitiba em 2017, e no ano passado abriu a ‘portinha’ da marca no bairro do Mossunguê, de classe média-alta na cidade. É em um espaço pequeno, com apenas três mesas, que ele produz cerca de 200 unidades por dia de 20 tipos de pães e bolos. São apenas quatro funcionários que tiveram de aprender como fazer as massas usando apenas as receitas clássicas — sem o uso de equipamentos industriais.
Mais consumo
Já o farmacêutico industrial Ricardo Moisés largou a carreira de mais de 30 anos em uma grande multinacional para fazer pães artesanais na Mediterrain, em São Paulo, há um ano e meio. A pequena padaria no bairro do Campo Belo tem uma produção ainda menor que a similar curitibana: são apenas 100 unidades por dia (só nos fins de semana que a produção aumenta e chega a 250 pães).
Ricardo explica que a produção menor evita sobras e, ainda, estimula o consumo. A duração dos pães artesanais é menor do que os produzidos em larga escala. “Eu trabalho com pequenos lotes, com um melhor controle de produção e fermentação que agrega mais textura, sabor e aroma à massa. E as pessoas acabam comprando mais, já que os pães são tão frescos e naturais que duram no máximo um dia, sem conservantes ou aditivos químicos que prolongam a validade deles”, disse.
Além disso, Ricardo afirma que a produção em escala menor e tamanho reduzido da padaria ajuda na interação com os clientes. Isso aproxima ainda mais o padeiro com o público, e proporciona até mesmo uma troca de ideias sobre as receitas. “Apesar de pagarem em torno de 20% a mais que num pão comum, os clientes sabem que estão consumindo um produto natural que não passou por nenhum processo industrial”, completa o padeiro.
Mercado aquecido
Os dados da Abip mostram o que o Sebrae já anuncia há alguns anos: o mercado de panificação está cada vez mais concorrido por conta da mudança de perfil do consumidor. Isso se reflete no potencial de crescimento do setor no país.
Segundo o Sebrae, o consumo médio de pães no Brasil é de 33,5 kg ao ano, enquanto que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) chega a 60 kg. E há, ainda, a questão da proximidade com o cliente. 46% dos clientes optam pelas padarias gourmet perto de casa ou do trabalho, o que mostra que aprender a fazer pão fresco pode ser um bom negócio – embora o investimento não seja dos menores.
Ricardo Moisés conta que só o custo com equipamentos e acessórios fica em torno de R$ 100 mil sem levar em consideração o imóvel, que varia de uma cidade para a outra. E há ainda a questão da mão de obra qualificada para este nicho, difícil de encontrar hoje em dia.
“Mas está bem difícil de encontrar mão de obra especializada em pães artesanais. Como ainda é algo novo para muitos de nós, os padeiros tradicionais ainda não têm o conhecimento e a prática com esse tipo de massa. Ela é mais demorada para fazer, é mais frágil do que as industriais, é feita na mão… há uma deficiência no mercado. Tem muito espaço ainda para se conquistar”, finaliza o curitibano Marcelo França.