Experiência
Enoturismo no Vale do São Francisco: as dádivas do Velho Chico
Há alguns anos, quando pensávamos em turismo no nordeste brasileiro, a primeira imagem que nos vinha à mente estava relacionada às suas praias e seus luxuosos resorts, certo? Sim, mas os tempos são outros e o nordeste, que antes era visto como sinônimo de férias e turismo em lindas praias, traz agora novas opções de cultura e de entretenimento distantes do litoral, em regiões sertanejas. Um novo polo vitivinícola se formou e o grande responsável por essa conquista no clima semiárido da caatinga foi o famoso e chamado Nilo brasileiro: o Rio São Francisco ou o Velho Chico.
As regiões vitivinícolas no Brasil estão crescendo e os apaixonados pelo vinho também podem encontrar opções de enoturismo partindo de Petrolina, em Pernambuco, ou de Juazeiro, na Bahia. Devido às pesquisas e investimentos da Miolo Wine Group – que adquiriu a Fazenda Ouro Verde, em Casa Nova na Bahia, em 2002, e apostou no terroir da caatinga com a presença do Rio São Francisco; a produção de vinhos vem obtendo ótimos resultados na região. Os vinhos são produzidos com a mesma excelência que a das vinícolas do grupo estabelecido na região sul do Brasil, porém elaborados na vinícola TerraNova, que conta com 200 hectares de vinhedos, com sistema de condução espaldeira e exporta aproximadamente 4,5 milhões de litros por ano.
A TerraNova fica a 80 km de Petrolina, com uma estrutura que conta com uma bela arquitetura, laboratórios, sala de barricas e de degustação e, ainda, uma destilaria onde é produzido o Brandy Imperial da Miolo. Os visitantes são convidados a conhecer todo o complexo e, ao final, realizar a degustação de rótulos produzidos no local.
Durante minha visita conversei com Adriano Miolo, enólogo e superintendente do Grupo, sobre a produção de uvas. Uma das informações que mais me impressionou nessa conversa foi saber que a vinícola é responsável por obter, no sertão, duas safras e meia ao ano. Afinal, produzir no semiárido já é um grande desafio e, quando iniciaram os trabalhos na região, existiam poucos estudos a nível mundial. Para se ter uma ideia, regiões semelhantes a esse terroir do sertão foram encontradas apenas na Índia e na Tailândia, conforme observou Adriano.
Qual o segredo de duas colheitas e meia no semiárido, enquanto outras regiões alcançam apenas uma safra por ano?
O terroir em questão conta com clima tropical semiárido, pluviosidade baixa e irregular, concentrada num período de 3 a 5 meses por ano, embora ocorram períodos agudos de estiagem. As temperaturas são altas e com taxas elevadas de evapotranspiração. Os solos são originados de rochas cristalinas, predominantemente rasos, pouco permeáveis, sujeitos à erosão de razoável fertilidade natural, com o predomínio da vegetação da caatinga. “É uma viticultura nova e revolucionária nessa região tropical, são dois ciclos por ano e são poucas as regiões do mundo que conseguem essa produtividade”, destaca Adriano.
O principal fator responsável por este resultado é o clima – explica Adriano. Como o ano todo é quente e não há inverno rigoroso, a planta faz seu ciclo por meio da irrigação (sistema de gotejamento) e não através da temperatura, como acontece no sul do Brasil onde, no inverno, a planta entra no período de dormência ou hibernal. No semiárido, portanto, é possível reduzir esse período e ter mais safras anuais com a mesma qualidade que, por sinal, vem sendo cada vez mais reconhecida no mundo.
Atualmente o Grupo Miolo exporta para 30 países os produtos da TerraNova na Bahia, da Vinícola Miolo no Vale dos Vinhedos, Almadén em Santana do Livramento e da Seival em Candiota. São mais de 100 rótulos diferentes produzidos nestes quatro terroirs do grupo, um portfólio amplo com vários valores e vinhos de diferentes estilos. Somente na TerraNova a produção é de 4,5 milhões de litros por ano, conforme já ressaltei, e o volume de exportações do grupo, em geral, varia conforme a safra, ficando entre 10 e 12 milhões de litros.
Adriano Miolo lembra que os grandes resultados conquistados na Vinícola TerraNova da Bahia se devem ao protagonista da região: o Rio São Francisco, um dos mais importantes cursos d'água do Brasil. “Sem a água do São Francisco nada seria possível; devemos a ele esses resultados e safras, a região é um verdadeiro oásis em meio à caatinga”, destaca o enólogo. As principais castas tintas produzidas no Vale de São Francisco são syrah, grenache e mourvèdre; entre as brancas destacam-se sauvignon blanc, chenin blanc, verdejo e moscato, casta que é utilizada para produzir o espumante TerraNova Moscatel, elaborado pelo método asti, passando por apenas uma etapa de fermentação, uma variação em relação ao método charmat.
O vinho destaque e premiado produzido no Vale do São Francisco é o Testardi, um varietal de Syrah, uva que produz vinhos potentes e tem se adaptado muito bem neste terroir. Não por acaso, o nome é de origem italiana e significa teimoso, remetendo à obstinação e persistência desta casta cultivada em um local inóspito e que resultou em um grande vinho.
Sua colheita e desengace são manuais e o envelhecimento é em barricas novas de carvalho francês, por 12 meses, o que arredonda os taninos. Este rótulo mostra a capacidade do nordeste brasileiro de produzir um vinho nacional de altíssima qualidade. O Testardi compõe o projeto dos “Sete Lendários” ou “The 2018´s Seven Legendaries of Miolo”, que são rótulos ícones das quatro regiões onde a marca está presente com vinhedos e unidades de produção. “2018 é, com certeza, a melhor safra da nossa história, por isso é chamada de Lendária”, explica Adriano.
Ainda durante minha conversa com Adriano Miolo, discutimos questões como a da carga tributária, a grande vilã da competitividade do vinho nacional. Segundo Adriano, os vinhos importados acabam sendo mais competitivos por conta dos subsídios em seus países; no caso do Brasil, a queda da antiga substituição tributária melhora a comercialização dos vinhos nacionais, que passam a ganhar um pouco mais de competitividade.
Segundo dados da ABS-RS (Associação Brasileira de Sommeliers), em 2019, a cada 10 garrafas consumidas no Brasil, nove eram de vinhos importados e apenas um de vinho nacional. Em 2020 o número subiu para dois nacionais e, devido a todos os fatores dos últimos meses, Adriano acredita que o brasileiro voltou a valorizar o vinho nacional, pontuando também os avanços tecnológicos na produção que elevaram a qualidade e contribuíram, também, para o aumento do consumo.
Para Adriano Miolo, um dos grandes desafios do vinho brasileiro é a criação de uma imagem mais consistente para o consumidor. “O produto nacional ainda sofre muito preconceito e é preciso romper essa barreira com mais divulgação, promoções, degustações”, afirma ele. Destaca ainda a importância do enoturismo. “Viajar, conhecer o local de produção e os métodos de elaboração cria interesse, conhecimento, e é fundamental para a expansão e para a credibilidade do vinho brasileiro”.
Para quem busca pelo enoturismo no Vale do São Francisco pode optar pela Rota Vapor do Vinho, um pacote turístico que contempla um passeio de barco à vapor, que lembra as antigas embarcações fluviais. O passeio é feito pelo São Francisco com parada em ilhas da região. A estrutura conta com almoço a bordo, ambiente climatizado, brinquedos infantis, jacuzzi, música ao vivo, além da visita à vinícola TerraNova na qual os turistas são recebidos por enólogos e sommeliers que oferecem degustações e informações sobre toda a estrutura para os visitantes.
Patrícia Ecave
Jornalista e sommelière paranaense. Realizou viagens enogastronômicas e cursos no país e no exterior, como Vale dos Vinhedos, Cone sul e Europa. Organiza workshops, cursos, jantares harmonizados, treinamento de equipes e consultoria geral. Escreve sobre viagens, vinhos e gastronomia.
Jornalista e sommelière paranaense. Realizou viagens enogastronômicas e cursos no país e no exterior, como Vale dos Vinhedos, Cone sul e Europa. Organiza workshops, cursos, jantares harmonizados, treinamento de equipes e consultoria geral. Escreve sobre viagens, vinhos e gastronomia.