Experiência
Cozinhando em Libras: surda cria canal de vídeos que ensina receitas na língua de sinais
Com desenvoltura de uma profissional em frente às câmeras, Vera Elaine Santana usa a experiência de mais de 20 anos na docência para ensinar receitas no YouTube de um jeito pra lá de especial. Surda de nascença, ela virou professora de Libras (Língua Brasileira de Sinais) e usou todo o seu knowhow para criar o canal Cozinhando em Libras que, como ela mesma diz, tira o surdo do cantinho da tela e o transforma em protagonista.
Mas, apesar do foco neste público-alvo, o espaço é democrático: a filha dela, Andreza, narra as receitas enquanto Vera dá as explicações. Os vídeos vão ao ar segunda, quarta e sexta, sempre às 10h.
A ideia do canal surgiu de uma maneira despretensiosa. Vera conta que, no ano passado, preparou um patê de três queijos em uma reunião familiar que foi sucesso absoluto. Era tanta gente pedindo a receita que ela decidiu gravar um vídeo para ensiná-la.
"Em três dias, foram quase 30 mil visualizações e percebemos uma demanda grande para os surdos. Mas meu objetivo não é ser chef, mas simplesmente trazer aos surdos e não-surdos uma culinária prática e simples, que qualquer um pode fazer em casa", diz a, agora, youtuber. De quebra, ela acredita que o canal possa ser um ótimo meio para todos entenderem um pouco mais sobre a comunidade que não ouve.
Com a trajetória de quem "fez muito feijão na vida", cozinhando para o marido e para os filhos - e, depois, para os netos - , Vera aproveitou a rotina mais leve que passou a experimentar há cinco anos para começar tentar coisas novas na cozinha. "Comecei a inventar receitas, usar novos temperos, seguir canais de culinária e gastronomia na TV e na internet", conta, citando Ana Maria Braga e Palmirinha como algumas referências.
De acordo com Vera Elaine, a escolha das receitas que são ensinadas não seguem um critério rigoroso, mas partem da premissa de terem um preparo simples e com ingredientes de fácil acesso. Há, por exemplo, preparos como fritada, guacamole e bolo de milho. "Meus amigos também me pedem muitas receitas, aí vira prioridade. Tem gente que pede comida vegetariana, pratos para micro-ondas e até bebidas e drinks. Cresci vendo minha avó fazendo massa e molho natural, então também tem receita de família. E investimos em receitas comemorativas ", afirma, no plural, já que Andreza também a ajuda na escolha dos pratos.
Aliás, Andreza e o genro de Vera, Fábio, cumprem um outro papel no processo produtivo. "Antes de fazer no ar, eu, minha filha e meu genro sempre testamos em casa e fazemos nossas adaptações. É um querendo inventar mais que o outro", afirma, bem-humorada.
Mais do que ensinar receitas em libras, Vera quer dar uma forma de representatividade do surdo ativo, com uma vida normal, como a grande maioria desta comunidade. "O público vê um surdo que trabalha, que tem família, que acessa a internet, gosta de entretenimento, que consome, que quer fazer um prato especial para as pessoas queridas. É muito mais comum o retrato da deficiência de forma polarizada, ou um caso extremo de superação ou um drama enorme", diz
Com 67 anos, casada há mais de 40, com dois filhos e três netos, Vera está se reinventando como apresentadora e cozinheira e se sente realizada por estar sendo uma precursora neste segmento dea culinária para surdos. "Quero que as pessoas não abandonem seus sonhos para não envelhecerem nunca, como eu!", diz.