Thumbnail

Experiência

Olfato, tato, visão e audição: comer vai além das papilas gustativas

Agência RBS
26/11/2018 19:52
O paladar costuma ficar com todo o mérito, mas o filósofo britânico Barry Smith demonstrou em palestra durante o Festival da Transformação, que a maneira como percebemos a comida é um grande trabalho de equipe. Nesse esforço coletivo, as papilas gustativas são um entre múltiplos agentes envolvidos.
Smith é fundador do Centro para o Estudo dos Sentidos, da Universidade de Londres, e promove colaboração pioneira entre filósofos, psicólogos e neurocientistas. Pesquisas ajudaram a lançar luz sobre os sentidos e a experiência gastronômica.
Na palestra proferida no auditório da ESPM-Sul, em Porto Alegre, Smith observou que os receptores na língua, em contato com o alimento, conseguem apenas dizer ao cérebro se o sabor é doce, salgado, azedo, amargo ou umami. A riqueza da sensação que temos ao abocanhar um naco de carne ou sorver um vinho dependerá também da visão, do olfato, do tato e mesmo da audição.
Ato de comer vai além das papilas gustativas. Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo.
Ato de comer vai além das papilas gustativas. Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo.
Segundo ele, é essencialmente multissensorial: “Quando se fala em comida, as pessoas ficam focadas no alimento em si, e não na experiência. Trabalho para mostrar a oculta complexidade que há no gosto, porque negligenciamos nossos sentidos. Felizmente, não podemos desligá-los”.
Além dos cinco sentidos tradicionais, hoje os cientistas citam outros 22 ou 23, em geral imperceptíveis. Por exemplo: no cinema quando temos a sensação de que os sons saem da boca do ator, na tela à frente, quando na realidade vêm de alto-falante às nossas costas, está em ação o ventriloquismo. Esses sentidos diversos influenciam a percepção da comida.
Smith citou o caso de uma pimenta originária da China, que gera espécie de eletrificação na boca. Na verdade, ela faz os receptores da língua vibrarem a 50 Hz – a impressão é de uma vibração, que pode ser suprimida apertando a língua.
O britânico também sublinhou que cada pessoa experimenta os sabores básicos de forma distinta, o que está relacionado com a quantidade e com a distância das papilas gustativas que têm na língua. Um indivíduo com papilas mais próximas, por exemplo, sentirá muito mais facilmente o sal presente em um alimento.
“Por isso, não discuta com a pessoa amada, se ela achar que tem pouco ou muito sal na comida. Vocês são diferentes. Vivem em mundos gustativos distintos. As pessoas não sentem o sabor da mesma forma“, disse Smith.

Além das papilas gustativas

Olfato

Smith observou que temos a tendência de confundir o paladar com o olfato, minimizando o papel deste sentido em relação àquele: “Nós não temos receptores para o sabor de morango na língua. Então, como sentimos o gosto do morango? Isso vem do olfato. É por causa desse mecanismo que muitas pessoas idosas, que estão com o olfato enfraquecido, costumam se queixar de que já não sentem o sabor do alimentos”, exemplificou.
Existe inclusive um fator cultural envolvido nas percepções, observou o filósofo e pesquisador. No Ocidente, quando cheiramos baunilha, dizemos que se trata de um cheiro doce, porque ela normalmente é usada em alimentos doces, como sorvetes. No Oriente, onde isso não acontece, o cheiro será descrito como salgado.
Outra particularidade do olfato na alimentação, explicou Smith, é que as moléculas que produzem o cheiro podem chegar ao cérebro pela boca ou pelo nariz. Conforme o caminho que fazem, a interpretação será diferente. É por isso que um queijo fedorento pode ser delicioso e que o sabor do café quase nunca está à altura do seu aroma.

Visão

Basta reparar na avidez com que postamos e apreciamos fotos de comida nas redes sociais para concluir que a visão não é secundária, quando se trata de alimentação. Olhar para a comida não só gera expectativa sobre o sabor, como interfere na experiência. Experimentos científicos demonstram isso.
Um trabalho revelou que, quando um mesmo quitute é servido em um prato branco e em um prato vermelho, as pessoas avaliam que o acepipe do prato branco é mais saboroso. Elas, inclusive, comem maiores quantidades, se o prato for branco.
No caso de sorvete, ele será percebido como mais doce em um pote branco do que em um preto. Outra pesquisa revelou que as pessoas estão dispostas a pagar mais caro se o alimento estiver no centro do prato.
Smith contou que, certa ocasião, a Coca Cola lançou uma versão transparente da bebida, com o mesmo sabor. Mas o público rejeitou, dizendo que não tinha gosto de Coca Cola. Em outro estudo, feito na década de 1970 em Londres, foram servidos pratos na penumbra, e as pessoas avaliaram o alimento como delicioso. Quando se acenderam as luzes e revelou-se que a comida servida era azul – uma cor que não associamos à culinária –, as mesmas pessoas rejeitaram a iguaria e passaram a sentir ânsias de vômito.

Tato

“Comemos primeiro com os olhos. Depois, com os dedos. A textura é muito importante na comida”, observou Barry Smith. O filósofo contou sobre um experimento envolvendo sorvete – e que também foi confirmado com outros tipos de alimentos ou bebidas. Quando se dava um tecido de veludo para a pessoa que estava comendo, ela sentia o sorvete como mais macio. Trocando o veludo por velcro, a sensação era de aspereza na boca. Tocar com os dedos ajuda a sentir sabores.
Pessoas vendadas que experimentaram uma espécie de geleia de pepino – textura que não costuma estar associada a esse alimento – não conseguiram dizer o que estavam comendo. Mas quando se colocava em sua mão um pedaço de pepino, percebiam na hora do que se tratava. Um colega de Smith teve a ideia de servir o mesmo sorvete em dois potes iguais, com a diferença de que um deles tinha ferro no fundo e, por isso, pesava mais. Ainda que fosse o mesmo produto, quem experimentou dizia que o sorvete do pote pesado era mais gostoso.
“Os produtores de vinho estão usando muito isso. As garrafas estão ficando cada vez mais pesadas. Porque as pessoas estão dispostas a pagar cinco dólares extras por algumas gramas a mais de peso”, revelou Smith.

Audição

Quem vai a um restaurante barulhento terá uma experiência pior em relação à comida – e abreviará a refeição, comendo mais depressa. É por isso que, em Nova York, já há restaurantes com funcionárias cuja única função é andar entre as mesas e, quando a conversa se torna ruidosa, emitir o tradicional apelo para que se baixe o volume: “Shhhhhh!”.
Da mesma forma, a barulheira dentro de uma aeronave é uma das razões principais para que a comida de avião seja considerada horrível – a dica de Smith é fazer a refeição com um fone enfiado nos ouvidos. Mas a influência auditiva vai além do ambiente. O som efervescente do espumante ou da barra de chocolate que se rompe também interfere na sensação.
Consciente desse fenômeno, uma grande empresa de sucos patenteou o estalo que a tampa de seu produto faz ao abrir. Uma pesquisa interessante sobre o tema diz respeito a salgadinhos deixados alguns dias fora da embalagem. Comidos nessa condição, amolecidos, pareciam intragáveis. Mas bastou que os voluntários do experimento colocassem um fone de ouvido que emitia o ruído típico de batatinha crocante para que o sabor original voltasse a ser percebido.

Participe

Qual prato da culinária japonesa você quer aprender a preparar com o Bom Gourmet?

NewsLetter

Seleção semanal do melhor do Bom Gourmet na sua caixa de e-mail