Experiência
Pratos com larvas recheadas e cardápio de 56 páginas: o que chef de Curitiba encontrou em Medellín
Em outubro tivemos a oportunidade de visitar e conhecer a gente e a comida de uma das ‘esquinas’ mais movimentadas do mundo, Medellín. A segunda maior cidade da Colômbia está em uma localização muito priveligiada, literalmente na ‘esquina’ da América do Sul, tendo o Panamá e América Central à frente, o Oceano Pacífico à esquerda e o Oceano Atlântico à direita.
Tal característica fez com que a cidade tivesse sua vocação comercial fortemente desenvolvida, e não por acaso, o narcotraficante Pablo Escobar teve tanto sucesso, tanto pela influência vocacional da cidade como por sua posição estratégica. E foi justamente após a sua morte que se iniciou um processo de transformação e renovação da cidade, que sabiamente soube aproveitar o potencial empreendedor e comerciante do seu povo e focou justamente nessas características para incentivar o desenvolvimento e a inovação.
E com a gastronomia não podia deixar de ser diferente, após anos de repressão sofrida pelos narcotraficantes, terroristas, guerrilheiros, paramilitares e guangues que impediam as pessoas de simplesmente irem de um bairro a outro, finalmente a população pode e adora sair e usar as ruas, seus restaurantes e bares ficam cheios e as ruas estão ocupadas pelas pessoas de forma tranquila e alegre.
A comida também sofre várias influências vindas do mundo todo, inclusive da Floresta Amazônica, como é o caso do restaurante La Chagra (A Horta), comandado por Juan Santiago Galego que confessa sua inspiração no nosso chef Alex Atala e traz sabores e descobertas amazônicas para os pratos, como o Mojojoi, uma larva do Chantaduro (espécie de palmeira), recheado com espécie de patê de pirarucu; uma reconfortante sopa de pirarucu com urucum e casabe (um pão de mandioca, sem fermentação); também um crocante de tapioca com patê de barriga de pirarucu e um delicioso crème brulée de cupuaçu e cacau de tumaco.
Em Medellín, assim como nós fazemos no Limoeiro, em Curitiba, busca-se utilizar e valorizar os insumos locais. No Restaurante Carmen tem um menu magnífico em que a chef americana Carmen Angel utiliza os ingredientes locais para dar vida a uma gastronomia mundial, como as entradas de camarão em tempurá de sagu e empanadas de lagosta e aji caribeño de guanábana (molho apimentado de minibanana) e o prato principal, um peixe do pacífico servido com risotto de arroz com coco, palmito pupunha fresco e creme de banana e bochechas bovinas no vinho tinto servido com batatas creolas e fermentado de abacaxi. De sobremesa, sorvete de cacau, merengue de chocolate branco queimado e galletas de chips de chocolate e espuma de manteiga de amendoim.
Em contraposição às vanguardas da cozinha colombiana fomos aos clássicos, como o supersimples e megafrequentado pelas pessoas mais ilustres da Colômbia e do mundo, o Ajiacos e Mondongos, numa casa muito modesta onde se servem somente 3 pratos típicos da culinária regional: o Ajiaco, uma espécie de canja de galinha acompanhada de alcaparras, abacate e arepas (panquecas de milho), a Cazuela de Frijoles que leva feijões, carne desfiada, milho, banana, abacate e batata palha e o delicioso Mondongo, que são tripas de boi, mandioca, batatas e carne de porco, acompanhado de bananas, coentro e vinagrete apimentada. Ali, bebemos o guandolo, suco à base de melado e limão. Também fomos no La Hacienda, restaurante de 40 anos de tradição de culinária campesina onde comemos o Festival de Chicharón, com todos os pratos à base de carne suína, como os suculentos Lomitos com ceviche de manga, crocantes crispetas (torresmos) empanados com maionese de laranja e batatas creolas e o puercoespín, que é um corte suíno acompanhado com batatas e molho de panela (rapadura) picante.
Ficamos muito emocionados e sensibilizados quando conhecemos Cristian e o Café Rituales, que utiliza os grãos de pequenos produtores da região metropolitana da cidade para produzir cafés de origem cheios de personalidade, que estão ganhando não só a cidade como o mundo. É a melhor forma de valorizar e proteger a cultura do café que estava desestimulada pela forte crise que sofreu, tanto é que os pequenos produtores são senhores de idade que trabalham geralmente sozinhos, pois seus filhos deixaram as montanhas em busca de melhores condições de vida e trabalho, e cada produtor tem seu próprio café com a personalidade de seu “terroir” com altitudes, solos, plantas e climas distintos, mesmo estando tão próximos uns dos outros.
Em nosso retorno, ao passarmos rapidamente por Bogotá, não podíamos deixar de conhecer o emblemático Andrés Carne de Res (carne de vaca), fundado em 1982, o restaurante de quatro andares, que possue uma decoração e clima lúdico e circense, onde os andares representam o inferno, terra, purgatório e céu, com elementos surreais e cheios de alegria. O cardápio é uma atração à parte, possui 56 páginas, e provamos entre outras coisas o Al Trapo, que é um Tederloin, corte extremamente macio, similar ao nosso mignon, assado envolto em um trapo de pano acompanhado da tradicional arepa (panqueca de milho branco).
Medellín tem como característica a sua reconstrução coletiva, uma fórmula inspiradora, feita por uma legítima parceria pública-privada que busca desenvolver de forma viável e sustentável as características comerciais e inovadoras da cidade, de forma incentivada, sem entraves e dificuldades burocráticas enfatizando quatro ingredientes fundamentais: a formação de talentos, o acesso ao capital, a geração de infraestrutura necessária e o desenvolvimento de negócios inovadores.
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