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Projetos levam alimentos da Floresta Amazônica às grandes cidades

Guilherme Grandi, especial para Gazeta do Povo
26/01/2018 19:44
A riqueza da fauna e da flora da Floresta Amazônica sempre foi vista como algo restrito à região Norte do Brasil, mas algumas iniciativas vêm sendo desenvolvidas para que os alimentos plantados no meio da mata cheguem às mesas de todo o Brasil. É o que explicou o mestre e doutor em engenharia de produção Jeferson Straatmann, em uma palestra na manhã desta sexta-feira (26) no simpósio FRU.TO, promovido em São Paulo pelo chef Alex Atala, do premiado restaurante D.O.M.
O objetivo do pesquisador é mostrar que as comunidades indígenas e quilombolas devem ser capacitadas para que seus conhecimentos sobre a natureza sejam expandidos para todo o país, principalmente os grandes centros no sul e sudeste.
A pesquisa de Jeferson Straatmann busca levar alimentos plantados na Floresta Amazônica para os grandes centros do país. Foto: Pixabay
A pesquisa de Jeferson Straatmann busca levar alimentos plantados na Floresta Amazônica para os grandes centros do país. Foto: Pixabay
Jeferson contou que essas comunidades têm um vasto conhecimento de fauna e flora que precisam ser incentivados tanto por políticas públicas como entidades privadas, e inseridas no cotidiano nacional. “Cada vez que a gente caminha na mata com os índios, a gente se encharca de conhecimento, uma despensa viva de conhecimento que se integra ao sistema agrícola desses povos”, explicou ele em referência aos trabalhos desenvolvidos nos rios Negro e Xingu, no norte, e no Vale do Ribeira, em São Paulo. De acordo com ele, estas regiões possuem mais de 400 variedades de sementes nativas de reflorestamento, produção de artesanatos e gêneros alimentícios como pimenta, cogumelo, babaçu, mel de abelhas nativas, entre outros.
A experiência dele com os povos amazônicos teve origem em 2005 quando estudava engenharia de produção na Universidade de São Paulo (USP), e foi à Rondônia promover pesquisas da cadeia de produtos da biodiversidade. Na época, o objetivo era conhecer mais sobre a região e levar alguns alimentos nativos a São Paulo. Foi durante essas pesquisas que ele se deparou com a importância de se preservar o ecossistema das florestas, que possuem um grande potencial de fornecer alimentos à população, mas também por conta das mudanças climáticas. “Se não chover na Amazônia, se desmatar a floresta, não vai ter chuva em São Paulo, por exemplo. Aí os reservatórios secam, e a cidade fica sem água”, explica ele lembrando da crise hídrica do estado que ocorreu entre 2014 e 2016, e que pode se repetir caso a floresta não seja preservada.
Uma das formas para agregar valor aos produtos da floresta é incentivar as pesquisas interculturais e colaborativas, onde pesquisadores locais trazem à tona o conhecimento tradicional dos índios, e os traduzem para a sociedade conseguir identificar. Sobre isso, Jeferson apresentou um estudo sobre cogumelos, onde mostra o conhecimento dos indígenas sobre quais variedades são comestíveis pelos humanos. “Só de olhar eles sabem identificar qual se pode comer ou não, qual é venenoso ou não”, explica. O estudo envolveu pesquisadores e ganhou o Prêmio Jabuti, em 2017, na categoria gastronomia. Foi uma pesquisa com a participação de índios Sanöma, um subgrupo da tribo Yanomami que habita um território de mesmo nome em Roraima.
Outra forma apresentada para valorizar esses produtos é a de associar o conhecimento dessas comunidades com os de técnicos do mercado, para a elaborar novos produtos que sejam condizentes com o paladar dos habitantes das grandes cidades. Jeferson citou exemplos de trabalhos desenvolvidos por chefs como o próprio Alex Atala, que organizou o simpósio, e Bela Gil, adepta da culinária natural. Mas, ele levou também o exemplo do cantor Milton Nascimento, que simpatiza com a causa indígena desde 1970, e que foi batizado pela tribo Guarani Kaiowá em 2010. “Eles conseguem engajar e trazer conhecimento para as pessoas, levando esses alimentos aos mercados, com toda a explicação sobre eles”, completa o doutor em engenharia de produção.
Cogumelo comestível Atapaamo (Polyporus philippinensis Berk) coletado pelos Sanöma (subgrupo dos Yanomami) da região de Awaris. Foto: Claudio Tavares/Divulgação
Cogumelo comestível Atapaamo (Polyporus philippinensis Berk) coletado pelos Sanöma (subgrupo dos Yanomami) da região de Awaris. Foto: Claudio Tavares/Divulgação
Um tema bastante presente nessas discussões é o pedido por políticas públicas que deem valor aos alimentos nativos das florestas. Um dos casos mostrados por Jeferson Straatmann foi a incorporação de produtos da culinária familiar nas merendas de escolas da região do Xingu, em uma proporção que pode chegar a 30% da quantidade utilizada. Ele explica que as merendeiras dos locais foram engajadas para o uso destes alimentos, e que criaram diversas receitas com eles.

Da floresta às cidades

A grande questão, ainda, é de como as estruturas para processar estes alimentos podem ser construídas a baixos custos. Jeferson explica que é preciso elaborar políticas públicas que aprimorem o funcionamento destes locais, além de como a sociedade pode contribuir remunerando esses serviços. Ele apresentou o exemplo do babaçu, um tipo de palmeira muito consumido pelos indígenas na forma de farinha. Jeferson conta que este produto pode muito bem chegar à região Sudeste com um valor agregado maior, em que pode substituir parte da farinha de trigo na alimentação diária. No entanto, isso só pode acontecer se o babaçu tiver um processamento que possa se reverter em valor para a comunidade, o que é impossível sem políticas públicas que financiem a construção de pequenas unidades de processamento próximas aos locais em que a palmeira é extraída.
Jeferson contou que o sonho é ter uma organização comunitária forte entre indígenas e sociedade civil organizada, com todo o uso do conhecimento tradicional, passando por unidades de beneficiamento com o capital necessário, e uma associação forte nas cidades que possa trabalhar principalmente a parte burocrática e a relação com o mercado e as indústrias, de uma forma diferenciada. “Aí entram as indústrias que produzem pães, os mercados que comercializam os produtos da floresta, os institutos que incentivam a pesquisa e a técnica, entre outros”, conclui. São iniciativas para trazer o alimento da floresta até as mesas dos grandes centros.
Um dos grandes problemas encontrados nessa relação entre alimentos típicos das florestas e o consumo nas grandes cidades é o custo, e nisso entram questões como processamento, promoção, logística, entre outros itens. O pesquisador da Embrapa Florestas, Erich Schaitza, explica que o desafio para tornar estes ingredientes mais conhecidos e consumidos é conseguir baratear estas etapas. “Tudo o que está longe tem um custo para trazer, e tudo o que não tem escala também tem um custo maior para produzir”, conta.
Floresta de pinheirais no Paraná. Foto: Brunno Covello/Gazeta do Povo
Floresta de pinheirais no Paraná. Foto: Brunno Covello/Gazeta do Povo

Alimentos do Sul

Além dos produtos típicos da Floresta Amazônica e do Pantanal, a região Sul do país também caminha na valorização de seus alimentos nativos da Mata Atlântica. O pinhão, que é a semente típica das nossas florestas, é hoje o ingrediente nativo mais consumido pela população. “Então nós temos aqui uma oportunidade de trabalhar essas cadeias de alimentos que não são tradicionais para o povo do Nordeste do país, por exemplo, mas que podem ser valorizadas a partir de iniciativas daqui da região”, aponta o pesquisador Erich Schaitza.
Ele explica que é preciso arrumar uma forma de manter as florestas vivas e que as tornem viáveis monetariamente. “É preciso se tentar tirar produtos da floresta e valorizá-los via processos de produção, voltar para a floresta com uma técnica que possa mantê-la sem degradar seu espaço”, conta. Erich diz, ainda, que o manejo da floresta é mais importante do que sua substituição, em que a pessoa que é ligada à mata é a primeira a buscar o seu sustento, e na medida em que ela consegue ganhar dinheiro sem derrubar uma árvore, ela passa a preservar seu habitat.
Além do pinhão, a Mata Atlântica do Sul também tem alimentos como a gabiroba, que vem sendo usada para a produção de geleias e até mesmo de sorvete, da erva mate, que é mais conhecida no chimarrão, mas que pode ter usos como substituto da taurina em energéticos e de saponina em produtos de limpeza, entre outros. “É o tipo de valor que só pode ser agregado se tiver uma política pública de investimento em pesquisa e promoção”, explica o pesquisador da Embrapa.
A valorização dos alimentos típicos das florestas também precisa chegar aos consumidores através de ações de divulgação e consumo. Para a jornalista Jussara Voss, editora do Vosso Blog de Comida, do Bom Gourmet, é preciso primeiro criar esse movimento de conhecer, de valorizar e usar estes ingredientes. “As pessoas vão muito numa onda, em que isso é bacana agora, e começa a dar uma atenção a determinado alimento, um consumo, uma consciência dele”, explica. Jussara é a idealizadora do projeto Gastronomia Paraná, que busca dar visibilidade aos alimentos típicos do estado, desde os ingredientes nativos até os preparos tradicionais.
Ela explica que muitos dos alimentos nativos não são conhecidos simplesmente porque a informação de que eles existem não chega às pessoas. “A partir do momento em que se conhece o trabalho, o que se tem, a gente passa a enxergar as propriedades, a valorizar o alimento”, comenta a jornalista. Ela considera que são pequenas ações para a tomada de consciência da população em geral, sobre o que a mata pode prover de soluções para a alimentação.

O poder de uma escolha

A valorização de um determinado alimento está ligada às escolhas que as pessoas fazem no seu dia a dia. Se alguém tem o hábito de consumir apenas comida industrializada, pouca será a chance de ele conhecer o que se faz na agricultura familiar ou nativa, por exemplo. O empreendedor socioambiental Lúcio Brusch explicou, também em palestra no seminário FRU.TO na manhã desta sexta-feira (26), que a alimentação é um desafio que ainda está no caminho de se encontrar uma resposta.
“Quem vai resolver o problema da alimentação?”, perguntou ele ao interpretar um gráfico que coloca a qualidade do alimento em uma extremidade oposta à sua disponibilidade, em que as opções orgânicas, por exemplo, não são acessíveis à população total do planeta. Lúcio Brusch explica que o que temos é uma agricultura industrial razoável para os bilhões de habitantes do mundo, mas é uma mera alimentação sem o prazer da comida.
Segundo o empreendedor socioambiental, a cultura alimentar está se perdendo, o que não poderia ocorrer. “A cultura se alimenta da cultura: é, por exemplo, o arroz do Rio Grande do Sul, que é usado para o preparo do arroz carreteiro, prato típico da culinária do estado que leva o grão beneficiado e o charque”, explica. É o ecossistema ampliado, como Lúcio define, em que se deve perguntar de onde vem o alimento, de que forma e por quanto tempo ele ainda estará disponível. Também questiona se temos escolha sobre determinado ingrediente, e se podemos decidir isso.
Ele explica que é preciso fomentar um mundo melhor para todos, mas coloca uma dúvida no ar: “como?”. E dentro desta dúvida, mais uma, de como fazer para que todos sejam felizes. A resposta pode estar na tecnologia, mas que ainda está em desenvolvimento.

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