Eventos Bom Gourmet
O chef italiano que cozinhou para a realeza britânica
Anedotas na vida de Giuliano Tassinari, 58 anos, originário de Bolonha, na Itália, não faltam. Após dez anos trabalhando no exterior, em 2014, o chef voltou à cidade natal para comandar a cozinha de I Carracci, restaurante que fica no luxuoso Hotel Majestic. “Estou escrevendo um livro sobre meus 40 anos de carreira”, revela. Embora haja coisas que ele não pode contar porque “assinei termos de confidencialidade”, ao longo da carreira, ele cozinhou para muitas celebridades. Em 2000, foi chef particular do estilista Ralph Lauren no Savarona – iate de mais de 130 metros de comprimento – num cruzeiro no Mediterrâneo que foi da Côte d’Azur à Costa Amalfitana. Na quinta (2), o chef prepara linguine al pesto e penne all’arrabbiata na cozinha-estúdio do Bom Gourmet, que fica no mezanino da praça de gastronomia do Pátio Batel.
“Todos os dias eu preparava algo diferente. Ia de bote à feirinha mais próxima e voltava a bordo com o que havia de melhor”, conta. Cozinhou para o terceiro filho da rainha do Reino Unido, o príncipe André, para a duquesa de York Sarah Ferguson, para a modelo Naomi Campbell, para o empresário de Fórmula 1 Flávio Briatore, e para os atores de Hollywood Kevin Costner e Jack Nicholson. Em junho, o chef esteve em Curitiba para participar do HortiFruti&Foods, evento dedicado à cadeia produtiva, e conversou com o Bom Gourmet sobre sua carreira, o presente e o futuro da gastronomia.
Como foi a experiência de cozinhar para a família real do Reino Unido?
Conheci Ralph Lauren em Montreal, no Canadá, e ele me convidou para ser o cozinheiro pessoal dele no iate Savarona num cruzeiro de dois meses no Mediterrâneo. A bordo cozinhei para o príncipe André e Sarah Ferguson, mas algumas coisas eu não posso contar porque assinei termos de confidencialidade. Em um desses jantares cozinhei também para Naomi Campbell, Flávio Briatore e Tommy Hilfiger.
O que cozinhava para esses hóspedes ilustres?
Todos os dias eu preparava algo diferente. Ia de bote à feirinha mais próxima e voltava a bordo com o que havia de melhor. Usava só ingredientes fresquíssimos. Os vinhos chegavam de avião diariamente de Londres, da adega particular de Ralph Lauren. As carnes a mesma coisa: chegavam de avião do ranch dele no Texas. Uma vez achei caviar recém-chegado da Rússia, mas Ralph Lauren me disse que ele comeria só se tivesse ovos de codorna. Mas eu não sabia onde encontrá-las no meio do mar. Ele me emprestou o helicóptero para ir buscá-las na Sardenha.
Tem algum episódio que recorda com prazer?
Uma vez fui contratado para cozinhar na mansão de um americano em Aspen [Estados Unidos] durante dez dias. É um dos lugares preferidos pelas stars de Hollywood para passar as férias. O salmão, para você ter uma ideia, custava 80 dólares o quilo, uma garrafa de azeite, 50 dólares. Lá conheci Jack Nicholson e ia à feira com Kevin Costner. Uma vez, enquanto fazíamos compras, ele queria saber tudo sobre os azeites italianos, quais eram os melhores, os mais perfumados etc. É uma pessoa muito legal, apreciador da boa cozinha.
Depois da experiência no exterior voltou para Itália e agora comanda a cozinha de I Carracci.
Após dez anos trabalhando nos Estados Unidos, Índia, China e Japão, voltei a Bolonha, onde nasci e cresci para ficar ao lado dos meus pais. Refiz o cardápio de I Carracci com receitas da cozinha tradicional da Emilia-Romagna, muito apreciados pelos turistas estrangeiros, como lasanha, tortellini, tortelloni, tagliatelle, passatelli (sopa com macarrão). E pratos mais contemporâneos, mas sempre respeitando a sazonalidade e utilizando ingredientes de primeira como o parmesão com 36 meses de maturação, ragu de manzo, béchamel com leite integral e produtos com indicação geográfica.
Falando em produtos de indicação geográfica, cada vez mais produtos brasileiros estão ganhando esse reconhecimento. O que o Brasil pode aprender com a Itália?
Na Itália, um produto para ganhar a indicação geográfica tem que ter uma história de pelo menos 25 anos de produção numa determinada região. Isso aumenta a qualidade e consolida a tradição. Na Itália temos 270 produtos registrados como Denominação de Origem Protegida (DOP) ou Indicação Geográfica Típica (IGT), 70 deles são produzidos na Emilia-Romagna. O Brasil tem que seguir este caminho, buscar esses produtos e mapeá-los.
Nesta estada, teve a oportunidade de provar a culinária brasileira?
Me levaram para Morretes para experimentar o barreado. Sentamos num restaurante, mas achei o lugar muito turístico: o serviço é rápido, o menu é igual para todos e tem que comer às pressas para liberar a mesa. Achei que faltou a valorização dos produtos típicos. Sem falar que o prato estava muito pesado. Espero ter oportunidades melhores.
Nos últimos anos, a cozinha brasileira chamou a atenção do mundo, sobretudo graças ao chef Alex Atala. Há alguma coisa que o Brasil pode ensinar ao mundo?
Na Itália a cozinha brasileira está tendo um grande sucesso, é muito apetitosa. Tem ótimas churrascarias que servem os mesmos cortes que no Brasil. Vejo que agora no Brasil está ocorrendo o que era para ocorrer muito tempo atrás: a valorização dos produtos locais. Num mundo globalizado, a cozinha não pode ser global. Tem que pegar o que há de melhor no território, buscar produtos que carregam consigo uma tradição e interpretar esses ingredientes da melhor maneira. Senão acabamos fazendo a mesma cozinha no mundo inteiro.
Este ano o guia Michelin lançou a versão brasileira. Em outra classificação, a dos 50 melhores restaurantes do mundo da Restaurant, há muitos representantes sul-americanos e asiáticos. Algo está mudando? Qual tendência você enxerga?
Três são as cozinhas que estão despontando: a asiática, em particular japonesa e chinesa, que eu acho fantásticas. Elas exaltam os ingredientes, usam pouco tempero e são muito saudáveis. E também a vegetariana e vegana, e a italiana, que é apreciada em qualquer lugar do mundo.
A cozinha italiana é famosa pela simplicidade. Contudo, chefs como Massimo Bottura [seu restaurante, Osteria Francescana, foi eleito o 2.º melhor do mundo segundo a revista Restaurant] fazem uma cozinha de vanguarda, nada simples. A simplicidade é coisa do passado?
Bottura na verdade exalta as melhores matérias-primas graças à tecnologia. Vamos pegar seu carro-chefe: as 4 maturações do parmesão. É um prato que apresenta o queijo em quatro texturas, mas é tudo natural. Claro, exige grande profissionalismo, mas são ingredientes simples e de qualidade.