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“Quero matar o cara que inventou o TripAdvisor”, diz empresário da gastronomia
“Quero matar o cara que inventou o TripAdvisor. Com requintes de crueldade”. A frase polêmica foi pronunciada pelo restaurateur Raphael Zanette, dono do Grupo Vino!, que conta com restaurantes como C La Vie e Terra Madre, e Mercadoteca, em Curitiba, durante o 1.º Forum Tutano, realizado nesta quarta (19), no restaurante Madalosso.
Segundo Zanette, a ferramenta virou um instrumento para difamar os restaurantes. Muitos clientes abusariam das redes sociais e dos sites de avaliação para criticar os restaurantes, críticas que nem sempre são fundamentadas e motivadas. A discussão sobre TripAdvisor e ferramentas parecidas acontece também em outros países: na Itália, por exemplo, alguns restaurateurs tentam há anos que o próprio negócio seja retirado do TripAdvisor. Segundo muitos empresários, o site estaria cheio de avaliações fake ou feitas com má fé, por exemplo por restaurateurs concorrentes.
O evento abordou vários temas. A parte da manhã foi dedicada à gestão dos negócios, enquanto as palestras da tarde focaram na cozinha, ingredientes e tendências da gastronomia.
O sucesso é a meta, mas o que sucesso quer dizer para um empreendedor do setor de gastronomia? Nos três painéis que marcaram a manhã, as experiências de nove empresários e chefs de diversos restaurantes locais e marcas nacionais mostraram que salão cheio, apreciação por parte do cliente e, claro, lucratividade fazem parte do pacote. Mas, para cada um, o tamanho do sucesso é bastante variável. O Fórum Tutano foi idealizado pelo empresário e chef Beto Madalosso, da Forneria Copacabana e editor do site e revista Tutano Gastronomia, com o objetivo de aproximar os pares do setor e avançar no desenvolvimento dos negócios que envolvem a área.
Os tombos que levei

O primeiro debate do dia envolveu Raphael Zanette – Vino, C La Vie, Terra Madre, Olivença Cozinha Ibérica, Mercadoteca, Francisco Urban – Grupo Restaurantes do Victor, Marcelo Pereira – Babilônia Gastronomia e Restaurante Mediterrâneo, moderados pela jornalista Luise Takashina, da Topview.
“Negócio tem que ter a cara do dono” foi o recado de Francisco Urban. Dos tombos, a abertura do Bar do Victor, na Praça Espanha, foi o maior deles. Por ter delegado muitas tarefas, principalmente a execução do dia a dia, aprendeu tarde que, apesar do business plan e de ter feito muitas consultas e pesquisas antes de abrir, deixar que outros fizessem tarefas que exigem a atenção do dono trouxe prejuízos ao negócio. “Aprendi com os erros e sei que outros virão. É preciso avaliar o tamanho do risco, é preciso arriscar com conhecimento.”

Marcelo Pereira acredita nos erros para que haja aprendizado, mas enfatizou que nada se faz sozinho. Ele diz com experiência, já que o Babilônia foi o primeiro restaurante a funcionar 24 horas em Curitiba e para que funcionasse precisou confiar na equipe. “Nosso grande tombo foram as franquias. É preciso tomar decisões difíceis, como a que fizemos ao encerrar este tipo de operação. Encerramos as franquias para não quebrar.”

Zanette destacou também a importância do desapego, de olhar para o negócio assumindo a realidade, entendendo o que é viável e tomando decisões na hora certa. Quando uma pergunta da plateia questionou como se automotivar neste cenário, ele descontraiu, sem deixar de ser bastante realista. “Você abre a sua pasta de boletos e vê tudo o que precisa ser pago. Levanta, toma um banho e segue!”.
Mas assumiu que o curitibano está mudando de perfil e está muito mais aberto a provar e experenciar. Por outro lado, fala da exigência que vem junto neste novo consumidor. “Ele exige o melhor, mas não quer pagar o preço”, disse.
Nas lições aprendidas, os empresários enfatizaram a disciplina e o comprometimento, tudo passado para a equipe, que precisa estar coesa. “Mas, sem ser romântico. Acho o Chico (Francisco Urban) muito romântico, acreditando que todos farão. Acho que poucos se comprometem. Não quero ser negativo, mas é um banho de realidade. É preciso estar preparado e ter a noção do desafio”, acrescentou Rafael.
Descascando batata no porão
Quem comandou o segundo momento de trocas de experiências foi o premiado chef Celso Freire. Junto com ele, Ivan Lopes (Restaurante Mukeka), Tikinho (Sushi Arte) e Ruy Humberto (Restaurante do Ruy).
O mediador iniciou as conversações adequando o tema: iniciamos entrando pelas portas dos fundos e muitas vezes queremos sair correndo por ela. Descontraído, o ambiente do Fórum tomou rumo nas experiências distintas dos convidados. Servindo 600 pessoas em um sábado, Ruy enfatizou sua crença na qualidade. “O grande retorno de um negócio vem pela qualidade que se oferece ao cliente. Mesmo que muitas vezes o cliente não conheça exatamente o que está sendo servido”, conta ao lembrar de uma história em que o cliente o chamou para falar que o queijo servido estava estragado, já estava verde. O queijo em questão era o gorgonzola.
Entre descascar batatas e lavar louça, Tikinho explicou como sua experiência desde muito cedo o qualificou. “Quando lavava louças ficava olhando os restos de comida que chegavam junto com os pratos. O chef me disse que eu precisava experimentar estes restos para aprender sobre os gostos e os temperos. Eu não queria fazer aquilo, mas ele insistiu dizendo que para aprender tem que gostar. Aprendi.” Hoje ele fala das pessoas que chegam ao restaurante dizendo serem shusi man, depois de terem feito curso de seis meses. Mas não sabem a diferença entre os peixes e nem sabem usar uma faca. “É preciso humildade.”
Palavra de lei e unânime entre os participantes do painel, a humildade abre portas, afirmou Ivan Lopes. Ele conta que sofreu muito no começo da carreira, em São Paulo. Hoje diz que procura incentivar e dar apoio a quem está começando. “É trabalho diário.” Nas muitas histórias que vivenciou no Terra Madre, restaurante que atuou quando veio para Curitiba, lembra de uma significativa. “A casa estava cheia e o cozinheiro pediu para ir ao banheiro. Nunca mais o vimos.” Esta é a realidade do sair correndo pela porta dos fundos.
Multiplicando portinhas
As experiências trocadas com a plateia foram no caminho da multiplicação dos pães, alimentos e muitos negócios. Afinal, quem participou do terceiro momento do Fórum Tutano pela manhã foram os empresários Junior Durski (Grupo Madero), Paulo Baggio (Pizzarias Baggio) e Rafael Soares (Pizza Oven). Quem mediou a conversa foi Andréa Sorgenfrei, gerente do Núcleo Estilo de Vida da Gazeta do Povo, representando o Bom Gourmet.
O recado dos empresários foi unânime: há oportunidades na crise. Além de aprendizado e possibilidades de tornar o negócio mais rentável. Para Paulo Baggio a lucratividade na crise veio com o entendimento de que era preciso olhar os processos internos e assim, rever as 320 fichas técnicas que compõem o cardápio das pizzarias. “Encontramos erros e corrigimos. Aumentamos nossa lucratividade em 30% na crise e saímos mais fortes dela”, avalia.
O exemplo também vem de Junior Durski que foi provocado pela moderadora a contar a história de uma tesoura presa em seu computador pessoal. “Percebi que num pedido simples de usar uma tesoura em um dos restaurantes e que deu problema, não havia controle de qualidade total. A tesoura virou símbolo para revermos nossos processos e entendermos que precisamos ter domínio total sobre a qualidade”, confirma.
Para Rafael Soares chorar não resolve. Ele afirma que é preciso fortalecer o aprendizado de gestão e sair da bolha. “Fui visitar uma unidade e o gerente avaliou como o shopping estava vazio. Mas haviam pessoas e elas não estavam comendo no nosso negócio. Como podemos ser diferentes? O que podemos fazer para atrair aquelas pessoas? É preciso abrir a mente e performar.”
Expondo sua primeira experiência de gestão com a Yoguland, marca que chegou a ter 50 lojas franqueadas, o empresário se deparou com a questão cultural. Afirmou que é difícil quebrar uma cultura. “Cultura não se impõe.” Ao ser perguntando pela plateia como explicar, então, o crescente consumo de comida japonesa no Brasil, ele comentou: “comida japonesa já existia, As pessoas sabiam que ela existia.
As mudanças de paladar acontecem, as pessoas mudam. Mas entrar com um produto totalmente novo é um risco. Foi meu aprendizado e por isso fui para uma oportunidade de negócio com um produto bastante conhecido.” Gestão, percepção sobre o momento, qualidade, processos, aprendizado foram alguns dos itens importantes levantados pelos empreendedores para continuar a abrir portinhas de seus negócios.
Tive uma ideia
No painel da tarde, três jovens empresários apresentaram suas experiências sobre ter uma boa ideia para o setor de gastronomia. Daniel Mocellin, da rede de hamburguerias Whatafuck, Eduardo Petrelli, do James Delivery e Fresh Live Market, e Henrique Justus, do My Way Food Truck participaram da conversa moderada por Dana Patel, do Tutano Gastronomia.
Jovens, sonhadores, mas todos com os pés no chão, os três convidados trouxeram na fala aos participantes a importância de estar conectado com o momento e muito atento ao que o consumidor busca. Daniel Mocellin falou que o Whatafuck surgiu da sua percepção ao olhar o movimento do consumidor na rua, na Vicente Machado e imediações. Ele fazia parte desse público e não havia a oferta de um hambúrguer bom e que fosse, também, barato. “Hoje vendemos 800 sanduíches em uma das lojas, numa noite boa de sexta. Prestar atenção na oportunidade é muito importante. Além disso, planejamento. Foram nove meses até colocar o negócio para funcionar”, confirma. Dos problemas, Mocellin fala sobre a questão do tempo, que em Curitiba precisa ser levado em conta: “a venda cai para 300 hamburguers numa noite de sexta com tempo frio e chuvoso”.
Na outra ponta para atender a necessidade do cliente está a proposta do empreendedor Eduardo Petrelli, com a entrega delivery. Ele conta que a percepção da oportunidade veio após morar fora do Brasil e ver o delivery funcionar muito bem. Ao voltar, verificou que apesar de já existir a proposta por aqui, não atendia a possibilidade do consumidor pedir delivery de qualquer restaurante. “Temos 500 estabelecimentos cadastrados, mas já fizemos entregas de mais de 3 mil. Muitos nem devem saber que seu produto já foi entregue ao seu cliente pelo James.” Com essa experiência, Petrelli iniciou outra, o Fresh Live Market. Quando perguntado sobre o mercado estar saturado para vilas gastronômicas, ele explicou que a proposta do negócio é unir gastronomia e serviços, facilitando a vida da pessoa que pode, em um mesmo lugar, resolver várias necessidades e não só comer.
Para Henrique Justus, publicitário de formação mas cozinheiro de coração, a criatividade ajudou na concepção do negócio, mas conhecimento foi fundamental para propor o My Way. “A comunicação abre a cabeça para poder perceber muito do mercado, mas eu precisei de conhecimento específico que fui buscar com pessoas que eram do setor e me ajudaram.” Além disso, ele fala da importância de sempre ser lembrado, para estar presente na cabeça do cliente e ser uma escolha certa.