Thumbnail

Eventos Bom Gourmet

Brasil vive processo de resgate da produção local, dizem chefs no Fórum Tutano

Priscila Bueno, especial para a Gazeta do Povo
19/09/2018 23:35
Se a manhã do Forum Tutano, realizado nesta quarta (19) em Curitiba, foi dedicada aos negócios – chefs e empresários contaram erros e acertos de gestão – a programação da tarde deu espaço à cozinha, ingredientes e produtos.
O primeiro assunto abordado não poderia ser mais atual: produção local, tendência global. A moderadora foi a chef Rosane Radecki, do restaurante Girassol, em Palmeira e grande incentivadora da produção local. Ela lembra que tudo começou com o seu pão no bafo. “A partir daí comecei a estabelecer contato com produtos daqui: de pão, do porco moura…”, explica.
Participaram desta primeira palestra da tarde: Diego Martins, do Caseirinho Queijo Artesanal; Rene Seifert, do Pão da Casa e professor da UFPR; Marson Warpechowski, da UFPR (projeto Porco Moura) e Antônio Amaral, do Iguarias do Mar.
Diego, do Caseirinho, de São Paulo, contou a sua história desde que começou a produzir queijos a partir dos 12 anos. Ele comenta que o que o Brasil está vivendo hoje é um processo de resgate. “Isso era impossível há um tempo atrás. Quando comecei, as pessoas não entendiam como meu produto era tão caro comparado ao industrial. Aí eu percebi o papel de educar”, conta.
Diego produz queijos há cinco anos, começou privilegiando o queijo recheado – com goiabada, por exemplo- e hoje produz a próvola caipira (semelhante ao provolone).
Foto: Fernando Zequinão
Foto: Fernando Zequinão
René começou a fazer pão quando fazia um doutorado na Inglaterra há dez anos. “Era uma forma de resgatar a soberania alimentar e virou uma paixão”, diz. Morador da área rural próxima a Curitiba, ele revela que usa a farinha local. “O nosso pão tem que ter o sabor da nossa terra”, afirma. “Acredito que vamos ter a melhor farinha do mundo. E não só pelo terroir e pelo grão, mas pelo modo de produção. Temos que resgatar esse processo”, diz.
Marson, também da UFPR, que está à frente do projeto Porco Moura, diz que o resgate desta raça de porcos só era viável se existisse sentido para isso, se alguém trabalhasse com essa raça. “Algumas pessoas entraram em contato comigo, como a Rosane (do Girassol) e me mostraram a importância de quem iria trabalhar com esse produto”, disse.
Ele exemplifica a dificuldade de trabalhar com itens locais com o caso europeu no qual salumeiros se uniram aos produtores de porcos para reduzir os custos da logística. “O custo da logística é muito grande para uma pequena produção”, comenta.
Rosane foi uma precursora da valorização do porco Moura. Foto: Fernando Zequinão/ Gazeta do Povo
Rosane foi uma precursora da valorização do porco Moura. Foto: Fernando Zequinão/ Gazeta do Povo
Antônio Amaral começou sua fala informando que seu objetivo sempre foi produzir peixe fresco de verdade e colocar na mesa de todos. Ele disse que já chegou a exportar toneladas de peixe para Portugal e que a qualidade do peixe daqui sempre surpreendeu. Questionado sobre mandar peixe para fora em vez de vender no Brasil, ele falou na questão financeira. “Nós estamos produzindo atum no Brasil. Mas, muita gente prefere comprar o atum de fora. Temos sim discriminação com a produção local”, falou.

Transformadores

A palestra com o tema Transformadores reuniu num mesmo palco o Chef 5 Estrelas Lênin Palhano, do Nomade; Marcelo Amaral, do Lagundri; Gabriela Carvalho, do Quintana e a jornalista e blogueira do Bom Gourmet Jussara Voss, como moderadora.
Lênin comentou que o objetivo não é transformar, mas resgatar o que era feito no passado, nas décadas de 60, 70, e tornar isso viável e com uma percepção mais moderna. Ele conta que no Nomma sempre quis trazer um produto novo. “Há um ano e meio tiramos o salmão do cardápio. Muita gente reclamou, mas não podemos estar presos a isso”, comentou.
Ele lembrou que em 2010, em um evento de gastronomia com nomes importantes, havia dez pessoas na plateia. “Hoje temos 500!” “Cada dia é uma transformação diferente. O Nomade não nasceu maduro. Apanhamos muito. Depois, centramos as coisas, falamos de produto, de autenticidade. Mas não achei referência. Hoje temos um pouco mais de maturidade”, comentou.
Marcelo Amaral diz que esteve recentemente na Índia e notou que algo está muito errado com nossa alimentação. “Temos que questionar sempre. Nossa função é muito séria e é importante alertar”, falou. Ele reforça que só vai sobreviver o business com propósito. “Isso já está acontecendo”.
Gabriela, que acabou de ser mãe novamente, reforçou o conceito de seu restaurante, o Quintana, que é a ecogastronomia cultural – isto é sustentabilidade e cultura aliadas à gastronomia. Ela falou ainda que o crescimento deve ser mais coletivo. “Não adianta crescer sozinho. Temos que continuar investindo e trabalhar com o coração”, comentou.

Gastronomia social

O último painel do evento foi relacionado à gastronomia voltada para o aspecto social. Estiveram presentes Gabi Mahamud, da Goodtruck; Samantha Souza, da Gastromotiva e Luiz Mileck do Coletivo Alimentar. A moderadora foi a jornalista Mônica Santana.
Os quatro discorreram sobre a transformação social que a gastronomia permite. Gabi falou sobre a burocracia que enfrentou para desenvolver seu projeto de arrecadar alimentos em locais como o Ceasa e transformar em alimentação para moradores de rua. “Foi desafiador, mas uma das inspirações foi o Refettorio da Gastromotiva”, contou. “Comer é um ato revolucionário e tentamos mostrar isso para nossos voluntários”.
Mileck falou sobre a experiência que teve com o Coletivo Alimentar, espaço que fechou em 2018 após três anos de funcionamento no Centro de Curitiba. “Foi um aprendizado diário. O coletivo não nasceu para ser uma resposta, mas uma pergunta. Foi um processo de criatividade. Mais de mil pessoas foram diretamente impactadas”, contou. Mas ele concorda que a receita não acompanhou a inovação. “Nós deixamos o prédio para ocupar Curitiba”, disse. Ele, no entanto, disse que há novidades para 2019. “O Coletivo vai se estruturar como ONG e queremos criar um fundo de gastronomia”, adiantou.
Samantha foi questionada se haveria a possibilidade de abrir um Refettorio em Curitiba. “Não. Mas temos como criar um hub aqui. Temos a Gabi e o Luiz aqui que poderiam ajudar e temos esse movimento de vir aqui e encontrar pessoas”, disse. Ela comentou que em dois anos foram distribuídos mais de 200 mil pratos de comida e foram formadas mais de 200 pessoas.
O Fórum Tutano Gastronomia encerrou com a palestra do chef Alberto Landgraf, do Oteque do Rio de Janeiro, que contou toda a sua trajetória desde que saiu de Cornélio Procópio, no interior do Paraná, a estrela Michelin ganha no Epice, em São Paulo, e sua nova empreitada na capital fluminense.

Veja a entrevista com o chef Alberto Landgraf

Participe

Qual prato da culinária japonesa você quer aprender a preparar com o Bom Gourmet?

NewsLetter

Seleção semanal do melhor do Bom Gourmet na sua caixa de e-mail