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O desafio da alimentação: “8 mil anos em apenas quatro décadas”
A cada vez mais crescente população mundial, que pode chegar a 8,6 bilhões de habitantes em 2030 segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), vai pressionar cada vez mais os governos e as empresas a produzirem alimentos suficientes para tanta gente. E o desafio de fazer isso de uma forma mais sustentável foi discutido neste sábado (27) pelo PhD em antropologia e agricultura internacional Jason Clay, em uma palestra no seminário FRU.TO, organizado em São Paulo pelo chef Alex Atala. O simpósio é o primeiro do Brasil a reunir especialistas para discutir o futuro da alimentação no mundo, e é realizado desde sexta-feira (26).

Clay, que também é diretor executivo do programa Markets Institute do World Wide Fund for Nature (WWF), analisa temas e tendências para a alimentação no século 21, e não vislumbra bons cenários para os próximos anos no planeta.
Ele diz que a produção de comida na Terra terá que, em quatro décadas, ser maior do que tudo o que foi produzido ao longo de oito mil anos. “O maior desafio do planeta é produzir sem afetar ainda mais a biodiversidade, que já está sendo afetada, com a vida animal diminuindo ano a ano, a poluição da água (e até mesmo a falta dela), as plantações, tudo”, explica.
Segundo o especialista, há um estudo que elaborou um cálculo para demonstrar como é o consumo de alimentos hoje e como será em 2050: atualmente, cada unidade de consumo possui sete pessoas dependendo dela. Na metade do século, este número será maior que o dobro, em 18 unidades. Para fazer uma comparação na prática, é como se cada carrinho de compras no supermercado abastecesse sete pessoas nos dias de hoje. Em 2050, serão 18 pessoas dependendo de um único carrinho. Jason Clay explica que “cada bilhão de pessoas comendo representa um impacto muito grande para a produção”.
E um dos impactos mostrados por ele é o de famílias que não tem sequer acesso à comida: pelo menos 800 milhões de pessoas no mundo. “E mais, metade das famílias do campo não pode sequer comer o que produz”, alerta o especialista. Para ele, é preciso produzir mais comida com menos custos de um jeito sustentável, seja por plantações convencionais, orgânicas, de um modo eficiente sem desperdício (ou um desperdício consciente, o menor possível). “É básico, não algo complicado cientificamente”, ironiza.
Outra comparação que Jason Clay faz é o quanto custa para a natureza a produção de alimentos atualmente: 1 litro de água para cada caloria de comida. Ele explica que “é preciso mudar isso, diminuir para meio litro, cortar pela metade o custo natural”. E isso, segundo ele, vale tanto para a produção agrícola como a pecuária.
Como o Brasil pode ajudar?
A palestra de Jason Clay teve a participação do engenheiro agrônomo brasileiro Roberto Rodrigues, que foi Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento entre os anos de 2003 e 2006, e que acredita que o Brasil pode tomar a dianteira na discussão e ter uma posição ímpar na produção mundial de alimentos.
Isso se daria, segundo Roberto Rodrigues, porque o Brasil vem mudando a produção convencional para um jeito consciente e sustentável, com tecnologia, recursos humanos e terra disponíveis. Ele explica que o país possui pelo menos sete programas de fomento e desenvolvimento da produção de alimentos, entre eles o Plano ABC de integração da lavoura com pecuária e florestas (veja abaixo):

Segundo o ex-ministro, o programa, desenvolvido pela Embrapa, promoveu o crescimento de 14 milhões de hectares plantados em que se revezam o pasto para o gado no inverno, e a plantação de grãos no verão.
Para embasar a defesa dos programas em desenvolvimento, Roberto Rodrigues usa dados que mostram que o território nacional ainda possui uma grande cobertura de vegetação nativa: 66%. Ele explica que “temos 9% de todo o território nacional plantados com todas as culturas, 13% de pastagens plantadas e 8% de pastagens nativas. É uma área muito pequena cultivada”. Ele conta ainda que, na comparação de áreas preservadas entre o Brasil e os Estados Unidos da América, lá são apenas 19% de vegetação nativa.
Entre outros números apresentados pelo ex-ministro para provar que o Brasil está no caminho da produção agrícola sustentável, estão o da matriz energética renovável (43% contra 13,4% da média mundial), o do agronegócio (23,5% do PIB nacional), e dos principais mercados consumidores dos alimentos brasileiros (China e a Ásia em geral).
Mas, ele reconhece que é um grande desafio aumentar a produção mundial para garantir a alimentação de todos, e de faze-lo de um modo barato e saudável. Para Roberto Rodrigues, “o Brasil pode aumentar sua produção em 40% segundo estudos da ONU, com um papel relevante, sustentável e entre os campeões mundiais da segurança alimentar e da paz”.