Bom Gourmet
Referência em coquetelaria e café especial, Curitiba é casa de bicampeão nacional da Coffee in Good Spirits; leia entrevista!
Daniel Munari, bicampeão da Coffee in Good Spirits. Reprodução/Facebook
Se você costuma frequentar bares e cafés de Curitiba, certamente já notou: bebe-se bem na capital paranaense, do café ao coquetel no bar. E não é para menos, a cidade abriga alguns dos mixologistas e baristas mais premiados do país. Aqui no Bom Gourmet, você sempre fica sabendo quando mais um paranaense se destaca nas competições nacionais e internacionais. Um dos mais recentes títulos conquistados por um profissional da cidade foi o de bicampeão da Coffe in Good Spirit. O feito é de Daniel Munari.
Pela segunda vez consecutiva ele saiu campeão da competição que, neste ano, ocorreu no começo de março em Porto Alegre. Além de Daniel, compuseram o pódio a brasiliense Mari Mesquita (2.º) e o também curitibano Leo Oliva (3.ª lugar). Agora, o barista se prepera para representar o Brasil no mundial que ocorre em junho na Dinamarca. Campeão nacional em 2023, ele ficou em oitavo lugar no mundial do ano passado, realizado em Taiwan.
Daniel recebeu o Bom Gourmet recentemente para um bate-papo no Royalty Café - bar/cafeteria localizado no refúgio urbano SFCO 179, no centro de Curitiba, do qual ele é sócio-proprietário. Na entrevista que você lê a seguir, Munare fala sobre o campeonato que conquistou, a posição do café especial brasileiro no mercado internacional e, de quebra, ainda deixa algumas dicas para quem deseja preparar um coquetel cafeínado em casa.
Aproveite!
Daniel, quero começar esse nosso papo falando um pouco mais sobre o campeonato que você venceu pela segunda vez. Pode explicar como funciona a competição Coffee in good spirits, o que o barista precisa fazer nesse campeonato?
Eu falo que é preciso criar dois coquetéis e meio para essa competição. Porque dois deles são 100% autorais, as única regras que temos de seguir é que um tem de ser quente e o outro tem de ser gelado. E, em pelo menos um deles, você tem que usar expresso. Dentro disso, claro, tem um monte de nuances aí do campeonato que fazem a gente pontuar mais ou menos. E o meio é porque a gente tem que, obrigatoriamente, preparar um Irish Coffee, que é um drink clássico e conhecido no mundo inteiro. Mas nós somos incentivados a criar o nosso próprio Irish Coffee, encontrando os ingredientes para melhor expressar a nossa assinatura na bebida.
E qual caminho você escolheu para a criação desses dois drinks autorais?
Na apresentação para esse campeonato, a gente resolveu falar sobre sustentabilidade. E eu falo a gente porque, apesar de eu ter ganho, eu tenho um técnico, que é o Ariel Todeschini (mixologista curitibano premiado). O primeiro coquetel que a gente desenvolveu foi o Upcycle, que é um termo usado para se referir a reaproveitamento. Para esse coquetel, eu busquei usar o máximo de ingredientes que passassem por algum tipo de reaproveitamento.
O conhaque base, por exemplo, era finalizado em um barril reaproveitado de jerez. Outros ingredientes também tinham essa pegada de reaproveitamento e uso integral do alimento. No fim, tudo resultou num coquetel que ficou bem interessante no paladar. A gente partiu de uma café com nota de fruta roxa e chegou a uma bebida que lembra sabor de coco.
Já para o coquetel gelado, a ideia foi falar sobre alimentos do futuro, que são alimentos melhor adaptados aos climas quentes e que fazem bem para o planeta de alguma forma. Nesse coquetel, a base alcoólica foi a tequila, que é uma bebida que vem da agave, e para adoçar também utilizamos uma base de agave. A agave é uma planta que precisa de pouca água e se adapta a climas quentes. Além disso, é usada para reflorestamento de áreas desérticas.
O café escolhido para compor esses coquetéis também seguiu essa mesma pegada de sustentabilidade?
Eu usei os dois cafés da mesma fazenda, a Santa Mônica do Jean Faleiros, que fica em Ibiraci (MG), na Alta Mogiana. Por que eu falei direto com o Jean para esse campeonato? Porque ele tem cafés com uma potência de sabor muito alta e, para a competição, a gente precisa de um café que seja protagonista dentro do coquetel e participe da composição de sabores de forma ativa. Além disso, a produção dele está muito alinhada com esse conceito de sustentabilidade.
O Jean é um dos poucos produtores que eu conheço que preserva a mata nativa da sua propriedade além do que é exigido por lei. Além disso, o sistema de fermentação que ele utiliza consome 80% menos água que o tradicional. O Jean também é um cara que costuma conversar com os outos produtores e expor a necessidade de uma agricutura mais regenerativa e sustentável. Ele pensa e trabalha muito nesse sentido, sendo um dos protagonistas nisso na região dele.
Campeonatos como esse que você venceu são iniciativas também para promover o café especial brasileiro. Como você percebe as ações governamentais hoje nesse sentido e também o café especial do Brasil no exterior?
O braço de café especial da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) se chama BSCA (Associação Brasileira de Cafés Especiais ). É uma organização sem fins lucrativos que tem como função promover o café especial do Brasil no mundo. Acho muito desafiador o trabalho que a BSCA faz, mas poderia ser muito maior. E aqui não é uma crítica, mas um incentivo até para a Apex olhar com olhos mais generosos o café especial brasileiro.
De qualquer forma, eu vejo que os cafés de qualidade do Brasil têm tomado bastante espaço e alguns produtores já exportam para torrefações muito famosas, com seus cafés ganhando destaque internacional. Até cerca de seis anos atrás, o café brasileiro era visto lá fora quase que exclusivamente como um café para composição de blend. Isso porque era um café doce e encorpado. Então, para você dar graça a esse café, adicionava um da Etiopia, do Panamá, da Colômbia... Agora, as torrefações e os baristas internacionais estão começando a provar e reconhecer cafés brasileiros que têm grande complexidade de sabor.
Daniel, quero terminar essa entrevista com dicas. Qual a sua sugestão para quem quer fazer um coquetel com café em casa?
Fazer um coquetel com café é muito mais simples do que parece. Como tudo na gastronomia, aqui estamos falando sobre equilíbrio de sabores: acidez e doçura. Mistura os ingredientes e sente o que sobra, o que falta e busca sempre equilibrar.
Eu gosto muito do Irish Coffee e minha dica para fazer um bom Irish Coffee é mistura uma parte de xarope de açúcar, com uma parte de whisky irlandês [ele é mais cítrico e não tem aquelas notas de turfa do Escocês] e três ou quatro partes de um café bem concentrado que você prepara em casa. Quanto melhor o café, melhor o resultado, claro. Para finalizar, chantily. No campeonato, a gente faz com o creme de leite fresco batido na coqueteleira. Mas, para fazer em casa, vai no mais fácil, compra um chantily pronto e aproveita.
Para um coquetel gelado, o que o pessoal costuma fazer é misturar cachaça, café, açúcar e limão. Fica quase uma caipirinha de café. Com caldo de cana fica bom também. O importante é sempre buscar equilíbrio entre dulçor, acidez e a nota de amargor que o café traz.