Bom Gourmet
Do primeiro brownie feito em casa a um fenômeno da confeitaria gaúcha: a trajetória de um empreendedor inquieto
Em uma tradicional escola de Porto Alegre, um espaço vazio na festa junina mudou o rumo da vida de um jovem gerente de marketing. O evento precisava de mais uma barraca, e Tiago Schmitz, que fazia brownies por hobby, decidiu ocupar o espaço com seus doces. Em poucas horas, sua tenda foi a primeira a esgotar os produtos da festa. Ali, sem saber, ele havia assado o primeiro lote de um futuro fenômeno da confeitaria gaúcha: a Charlie Brownie, hoje também Charlie Confeitaria.
Dez anos depois, aquele pequeno experimento se tornou uma marca consolidada. Com quatro lojas em Porto Alegre, uma em Florianópolis, uma fábrica de doces artesanais e clientes corporativos de peso, sua marca atinge faturamentos altos e não para de crescer. Além dos brownies, o negócio expandiu para bolos, cookies, tortas, trufas, pães, salgados e fabrica toneladas de diferentes massas para abastecer suas lojas e os quase cinquenta parceiros de revenda. Tudo com inspiração nas memórias afetivas construídas na infância ao lado da Vó Mila, na pequena São Sebastião do Caí, Terra da Bergamota (tangerina, mexerica...), iguaria obrigatória em algumas de suas receitas.
Em 2024, ousou assumindo a restauração de duas casas antigas para montar sua loja conceito expandindo o serviço de cafeteria e sobremesas agora para cafés da manhã e, em breve, almoço na sua nova unidade do Moinhos de Vento, um dos bairros mais sofisticados da capital gaúcha.
Em 2024, ousou assumindo a restauração de duas casas antigas para montar sua loja conceito expandindo o serviço de cafeteria e sobremesas agora para cafés da manhã e, em breve, almoço na sua nova unidade do Moinhos de Vento, um dos bairros mais sofisticados da capital gaúcha.
Um ponto importante é que a Charlie impacta para muito além dos números. Comunicador social de formação e com especialização em marketing pela UFRGS, o empresário Tiago Schmitz usa sua trajetória para abrir portas para outras pessoas. Seu negócio é construído com um propósito claro: inspirar pessoas, promover diversidade, fortalecer afetos e resgatar humanidades. A marca promove ações de destaque no Rio Grande do Sul como oferta de doces gratuitos para pessoas acima de 65 anos, apoio à Delegacia da Mulher e da Diversidade doando doces para acolher vítimas de violência, suporte para ONGs da comunidade da Vila da Conceição e Morro da Polícia, além de iniciativas sistemáticas de valorização do cenário cultural da cidade.
Seu perfil inquieto levou sua Charlie a ser premiada diversas vezes em Porto Alegre e ainda recebeu a distinção de personalidade gastronômica da cidade. Maratonista, já correu provas emblemáticas como a Maratona de Berlim, Lisboa e subiu montanhas nevadas no Ushuaia. Também levou sua experiência para os palcos: foi speaker e apresentador do TEDx e hoje realiza palestras sobre negócios, inovação e diversidade.
Agora, com um novo desafio em vista, quer ampliar sua presença digital e se consolidar como referência no empreendedorismo local a partir de encontros offline para debater as dores e desafios dos negócios. É neste contexto que nasce o Encontro Empreendedor da Charlie, uma iniciativa que vem preencher uma lacuna na cidade: um espaço acessível para troca de experiências entre empresários. Realizado mensalmente, o evento é aberto a empreendedores que queiram debater temas como planejamento financeiro, estoque e gestão de pessoas. Por R$ 150,00, os participantes têm acesso a uma rede potente de conexões e a um café da manhã repleto das delícias da Charlie. Mais do que um encontro, é uma oportunidade de fortalecer o ecossistema empreendedor e impulsionar novos talentos.
Para os donos de restaurantes, empreendedores e sonhadores que buscam inspiração, o fenômeno da confeitaria gaúcha compartilha algumas reflexões sobre crescimento, desafios e propósito no mundo dos negócios:
1. Qual foi o maior desafio ao sair da cozinha caseira e escalar o negócio?
O maior desafio é gestão de pessoas, gestão de tributos, compreender a complexidade de empreender no Brasil. Costumo dizer que todo empreendedor que tem coragem de fazer negócios no país é um vitorioso só pelo fato de tentar, pois todo o sistema parece ter sido criado para não favorecer a fluidez de uma empresa. Eu achava que - se conseguisse sair da depressão - iria no máximo abrir uma loja lúdica de doces para oferecer as pessoas. Não sabia de tudo que estaria por trás disso e da complexidade envolvida. Hoje batalho para que outros pequenos empreendedores tenham noção da realidade e não cometam erros que eu já cometi na jornada.
2. Se pudesse voltar no tempo e dar um conselho para o empreendedor que começou vendendo brownies, qual seria?
Estude muito sobre as burocracias, mesmo que inicialmente elas não pareçam atrapalhar sua ideia. Busque ajuda de quem tem experiência e já viveu a jornada. Cuidado com a empolgação se sua ideia der certo, pois negócios vivem de alguns voos altos e muitos voos baixos. Empreender parece lindo, mas na prática não é nada romântico. Sinto que falta colaboração, conexão entre empreendedores que se enxerguem como complementares e não concorrentes.
3. O que diferencia a sua marca das demais no mercado de gastronomia e confeitaria?
Acredito que o storytelling da vida real que a gente conta no dia a dia para os clientes, fora o fato de que somos uma marca muito humana e que acaba inspirando as pessoas pelos nossos gestos: dos mais singelos aos mais encorpados. A Charlie sempre pensa como pode ser útil à rua em que estamos, ao bairro que habitamos e à cidade.
4. Você começou com brownies e hoje tem café da manhã, almoço e uma rede consolidada. Como decidir a hora certa de diversificar?
São escolhas, apostas, renúncias do caminho... como não existe receita mágica nem fórmula de sucesso (embora muita gente venda isso na internet hoje) a gente está sempre se experimentando. Eu sabia - quando criei a Charlie - que ser monoproduto era um risco, pois monoprodutos entram e saem de moda muito rápido. Foi assim com a febre das brigaderias, lojas de cupcake, paletas mexicanas, pipocas gourmet e etc. Eu não queria que a Charlie fosse um sucesso passageiro e para isso me inspirei em clássicos de Porto Alegre: quem está anos e anos neste mercado e sobrevive a ele? Os clássicos que oferecem de tudo um pouco com qualidade e cuidado. Por isso expandimos nossa atuação para além dos brownies e dos derivados de chocolate.
5. O que você aprendeu sobre crescer sem perder a essência?
Que o mercado é injusto, que o estado é ineficiente e que precisa ter muita coragem para seguir de portas abertas com nossos negócios. E honestamente falando acho que o empreender é muito romantizado e pouco se fala sobre o que ocorre de fato então não sei se eu teria escolhido crescer tanto se tivesse que recomeçar. A parte boa é saber que não perdemos a essência que nos trouxe até aqui.
6. Como você cria um ambiente de trabalho que acolhe e impulsiona grupos minorizados?
Não sei se a gente consegue de fato, mas tenta. Existe uma estrutura interna na Charlie que procura garantir que todos sejam ouvidos e que a gente seja o mais humano possível nas nossas ações. Nosso setor de RH se chama gestão de cuidado - justamente com a ideia de que precisamos nos cuidar dentro da rotina de trabalho, temos uma psicóloga que acompanha o time mensalmente para exercitar a escuta, além disso também procuramos treinar nossas lideranças de área para que sejam empáticas como a marca se propõe a ser. Se conseguimos sempre? Obviamente não, mas costumo dizer que boas intenções sempre conduzem nossa energia e o outro sente. A Charlie é bem intencionada em tudo que faz.
7. Você acredita que a diversidade dentro do seu negócio impacta diretamente na qualidade do produto e na experiência do cliente?
Com certeza. O mundo é diverso e o ser humano é um indivíduo dentro de um coletivo. Se a gente tenta uniformizar as pessoas tanto a empresa quanto as pessoas sofrem. Quando a gente abre espaço para que cada um seja o seu melhor, e proporciona um ambiente para isso, os processos internos fluem melhor. Assim como pessoas feridas ferem pessoas, pessoas curadas curam pessoas... a gente acredita nas pessoas e espera que elas acreditem na gente. A qualidade vem desse movimento.
8. Quais tendências você enxerga para o futuro da gastronomia no Brasil?
O mercado é muito canibalizado, o trabalho nas cozinhas é muito estressante, os salários são baixos e sem incentivos dos governos não conseguiremos sair dessa situação. Se paramos para pensar são poucos negócios do segmento que se mantém ao longo dos anos justamente porque é insano se manter no mercado. O empreendedor cansa, a equipe cansa e o negócio fecha. Eu espero - do fundo do meu coração romântico - que um dia a gente consiga mudar esse cenário oferecendo mais formação técnica para o mercado, tendo mais subsídios do governo e uma inteligência das faculdades/universidades para criar conexão entre os restaurantes, os projetos sociais, os fornecedores de insumo locais... e que com isso a cadeia produtiva seja boa para todo mundo. Sobre tendências em si, acho que o consumidor está atento (cada vez mais) a negócios que contêm histórias de verdade, que promovam conexões mais humanas, alimentos menos industrializados... que sejam negócios que fortaleçam e ajudem a comunidade local também.
9. Que conselho você daria para quem quer transformar uma paixão em um negócio de sucesso?
Que viva sua paixão de fato, que faça acontecer, que supere seus medos e tenha coragem, mas também que saiba que o caminho do empreendedor é extremamente árduo. Se você quer empreender por dinheiro sugiro que não o faça, melhor investir em ações. Se você quer investir por um propósito claro e está disposto a não desistir diante de tantos problemas, vá em frente.
Serviço
- Doceria do Charlie Porto Alegre: Rua Ten Cel Fabrício Pillar, 822, MontSerrat, Porto Alegre/RS
- Casa Charlie Moinhos: R. Barão de Santo Ângelo, 212, Moinhos de Vento, Porto Alegre/RS
- Charlie Paseo: Paseo Zona Sul - Wen Escobar, 1823, tristeza, Porto Alegre/RS
- Charlei Bom Fim: Junto ao Mercado Brasco - R Vasco da Gama, 165
- Charlie Floripa @charlieflorianopolis: Av. Campeche 4053, Rio Tavares - Florianópolis/SC
- Encomendas: (51) 2291-3901 | comercial@fabricadocharlei.com