Bom Gourmet
Dia do Garçom: por que a IA não vai substituir o atendimento humano segundo especialistas

Seja no tablet ou no bloquinho, a tarefa de atender bem permanece a mesma. Crédito: Reprodução.
A imagem de um restaurante vazio, tarde da noite, com um cliente solitário e um garçom que espera o horário de fechar as portas é comum na cultura popular. Esse sentimento de melancolia, de alguém desconhecido que enxerga um amigo naquele trabalhador, carrega obras como "Nighthawks", do pintor americano Edward Hopper, e a música "Garçom", clássico do brega de Reginaldo Rossi.
Em tempos de aplicativos de delivery, totens de autoatendimento e cardápios digitais, o ato de ser atendido por um garçom ganhou novos contornos. A função, que sempre esteve no coração da experiência gastronômica, agora divide espaço com soluções criadas para agilizar pedidos, reduzir custos e atender um público cada vez mais habituado à conveniência.
E, claro, não se pode negar que a inteligência artificial surge como mais uma peça desse tabuleiro. Ela pode otimizar processos, prever preferências, sugerir combinações e até assumir parte das interações com o cliente. Mas será que a tecnologia, sozinha, é capaz de substituir o carisma, a memória afetiva e o olhar atento que transformam um simples serviço em hospitalidade?
Neste Dia do Garçom (11), o Bom Gourmet levou essas questões aos especialistas para entender o que o futuro guarda para estes profissionais e para o food service.
Construir afetividade
"A experiência de comer fora não é só sobre a alimentação, é também sobre o acolhimento e as sensações", explica o treinador corporativo e professor da escola de negócios Conquer+, Cláudio Moreira. "O papel de um garçom é muito maior do que entregar pratos. Ele ajuda a criar uma conexão emocional com o cliente, e acho que isso nenhuma tecnologia vai substituir", explica.
Para Moreira, o garçom é responsável por controlar o clima do restaurante e perceber as sutilezas que cada atendimento exige. Ao mesmo tempo em que precisa atender um casal que busca um momento de romantismo, ele precisa estar atento a uma família que, de repente, está tentando acalmar uma criança inquieta.
E quem conhece o salão atesta: a conexão humana é chave para realizar um bom atendimento. "Os clientes gostam de serem chamados pelo nome, gostam de serem vistos e gostam de serem lembrados", conta Carlos Malaquias, instrutor de hospitalidade no Senac Paraná e garçom há 35 anos.
"Vemos que os clientes gostam do atendimento personalizado. As pessoas vêm porque conhecem os garçons, e alguns têm até suas mesas favoritas. A máquina não consegue oferecer isso da mesma forma que o profissional porque é uma questão humana", compartilha.
Fazer com que o visitante se sinta à vontade em um ambiente muitas vezes desconhecido não é uma tarefa fácil. Para isso, o aspecto afetivo e emocional precisa estar aliado com o domínio técnico da profissão.
Segundo Malaquias, além de saber servir, o garçom precisa ter conhecimento extenso do cardápio da casa. Para fazer as sugestões e explicações certas, é necessário saber sobre cortes de carne, molhos, tempos de preparo, dicas de harmonização e coquetelaria.
A tecnologia como aliada
Se a IA dificilmente substituirá os garçons, há muitas formas de ela se tornar uma parceira valiosa. Tablets e sistemas inteligentes já ajudam a registrar pedidos com mais precisão, consultar preferências de clientes frequentes e sugerir harmonizações, agilizando o serviço sem abrir mão do contato humano.
Para Malaquias, essa combinação de tecnologia e hospitalidade é o caminho. “A IA será uma facilitadora. Vamos trabalhar em conjunto. O profissional do futuro precisa de conhecimento e etiqueta para se garantir no mercado de trabalho”, afirma.
Mas a adoção de novas ferramentas exige cuidado, alerta o consultor Cláudio Moreira. Ele defende que gestores conheçam bem as tecnologias antes de implementá-las, evitando entrar no “hype” apenas porque a solução é novidade.
“O mau uso da IA pode trazer muitos problemas. A aplicação tem que ser amigável. Claro, ela virá de cima para baixo, mas não precisa ser aquela imposição do ‘ou se adapta ou está fora’”, diz.
No fim, o que garante a relevância do garçom não é apenas a entrega física do prato, mas a entrega simbólica de atenção, cuidado e presença. A tecnologia pode acelerar processos, corrigir falhas e até prever desejos, mas não consegue reproduzir o calor de um sorriso, a sutileza de um gesto ou a empatia de uma escuta verdadeira. É entre a eficiência da máquina e o afeto humano que a profissão encontra sua força para atravessar o futuro.
Afinal, se a figura do garçom inspirou obras de arte e canções, não é por acaso. As pessoas gostam de se sentir acolhidas, mesmo que por um desconhecido. A chegada da IA reforça que o papel do garçom é muito maior do que apenas servir: é o de mostrar que pessoas gostam de ser vistas e ouvidas por outras pessoas – uma coisa que, até agora, nenhuma máquina conseguiu replicar.