Bom Gourmet
A diferença que faz a cozinha: do avental à liderança, o papel de chefs e cozinheiros

Todo chef precisa ser, antes de tudo, cozinheiro e dominar cada detalhe da cozinha. Crédito: Kzenon.
Paola Carosella frequentemente se define como cozinheira, apesar de ser amplamente reconhecida como chef e empresária de sucesso. Essa escolha de se identificar como cozinheira, mais do que um título, reflete sua profunda conexão com a prática culinária e com o ofício de cozinhar. Mesmo exercendo a liderança de uma cozinha renomada, ela mantém a essência do seu trabalho ligada à execução dos pratos e ao prazer da cozinha, não se limitando aos rótulos ou à posição hierárquica.
Essa filosofia ganha corpo no Alma de Cozinheira, programa exibido no canal GNT, no qual Paola recebe convidados para conversas íntimas, enquanto prepara receitas que muitas vezes remetem à sua própria história. Ali, a cozinha deixa de ser apenas um local de preparo técnico: transforma-se em espaço de afeto, escuta e troca — ingredientes que não aparecem nas fichas técnicas, mas fazem toda a diferença.
Essa visão entre o toque sensível e a firmeza profissional ajuda a iluminar uma distinção importante dentro das cozinhas profissionais: nem todo cozinheiro é chef, mas todo chef, obrigatoriamente, precisa ser cozinheiro. E com o Dia da Cozinheira, celebrado no ultimo sábado (10), e o Dia do Chef de Cozinha, comemorado nesta terça-feira (13), essa parece ser uma boa hora para entender o que separa — e o que une — essas duas funções.
A chef curitibana Eva dos Santos, que possui uma longa trajetória em Curitiba e, hoje, lidera a cozinha do restaurante Tierra del Fuego, explica com clareza essa diferença.
“Chefe de cozinha é um cargo de liderança, enquanto cozinheiro é uma função técnica. O cozinheiro executa as tarefas: prepara, monta, segue receitas e fichas técnicas. Já o chef planeja cardápio, supervisiona processos, lidera a equipe e toma decisões criativas e operacionais. Ele pode até não cozinhar no dia a dia, mas precisa conhecer profundamente a cozinha, saber comer, reconhecer sabores e orientar os demais”, diz ela que também é mentora do The Next Chef, reality do Bom Gourmet que vai revelar a próxima estrela da gastronomia paranaense.

Na prática, o cozinheiro é o alicerce da operação: atua na linha de frente da cozinha, onde o tempo e o fogo são implacáveis, lidando com cortes, texturas e pontos de cocção. É o executor, o profissional da linha de frente. Já o chef é o fio condutor, aquele que organiza a lógica dos pratos, monta a equipe, garante a qualidade, pensa no custo, nos insumos e na identidade do restaurante.
Mas essa cabeça só pensa bem se já tiver sentido o peso de carregar panelas, lavar chão e ouvir o barulho dos pedidos em sequência, como reforça Eva.
“Nem todo cozinheiro é ou será chef. Para assumir esse cargo, é preciso passar por vários processos dentro da cozinha — desde saber limpar o chão até dominar fichas técnicas e liderar pessoas. O verdadeiro chef é quem sabe fazer tudo e sabe ensinar. A liderança não se impõe, se conquista. Por isso, eu sempre digo que, além de técnica, é preciso estudar psicologia para lidar com diferentes perfis e comportamentos.”
A chef também destaca que a formação tradicional não é um pré-requisito. Muitos grandes cozinheiros começam em casa, aprendendo com a avó, com os pais ou pela pura curiosidade. Foi assim com ela.
“Muitos cozinheiros não têm formação acadêmica — e tudo bem. São autodidatas, como eu, que aprenderam com a mãe, o pai, a avó, e depois buscaram se aperfeiçoar. O aprendizado maior vem do dia a dia, da prática constante. Eu vivo gastronomia 24 horas: vejo filmes, séries, leio, pesquiso. A formação técnica ajuda, mas o que sustenta a carreira é estar em movimento, sempre buscando evoluir.”
Já quando se fala em chefiar, o campo de atuação se amplia: o chef não é apenas quem comanda a cozinha, mas quem define sua identidade. A alma do lugar.
“O chef de cozinha é a cara do restaurante. É ele quem define a identidade gastronômica do lugar, supervisiona qualidade, higiene, tempo de preparo, gerencia estoques, custos e fornecedores. As pessoas procuram um restaurante, muitas vezes, por causa do chef. Por isso, mais do que técnica, esse cargo exige responsabilidade, visão e bastante experiência — que se constrói um dia de cada vez.”
Para o cozinheiro que deseja ser chef, o caminho é exigente — e leva tempo. É preciso dominar os fundamentos, aprender a trabalhar em equipe, observar com humildade e, sobretudo, manter o entusiasmo vivo. Cozinhar e liderar são atos diferentes, mas que se alimentam mutuamente.
Por fim, vale lembrar: o chef tem papel fundamental para o reconhecimento da gastronomia como expressão cultural e social. É ele quem transforma uma refeição em narrativa, uma cozinha em palco e uma equipe em orquestra. E tudo isso começa com o simples, mas poderoso gesto, de alguém que um dia decidiu cozinhar — e nunca mais parou.