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Corte bordalês volta ao centro da viticultura gaúcha com novas condições de clima e solo

Foto: Anderson Hartmann/Bom Gourmet
Mais quente e mais seca nos últimos anos, a Serra Gaúcha tem permitido que variedades de ciclo mais longo, como a Cabernet Sauvignon, amadureçam melhor. A mudança tem impulsionado a retomada de cortes bordaleses por vinícolas do estado, em movimento que alia tradição e adaptação ao novo cenário climático.
— Na Serra Gaúcha, nos últimos cinco anos, foram anos mais quentes e mais secos. Isso acabou favorecendo uvas de ciclos mais longos, como a própria Cabernet Sauvignon — afirma o sommelier Marcelo Vargas, professor da ABS-RS.

O corte bordalês tinto — um blend tradicionalmente associado a Bordeaux e replicado em diversas regiões do mundo — é composto por seis variedades: Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc, Petit Verdot, Malbec e Carménère. As duas primeiras são as mais emblemáticas.
— Cabernet Sauvignon e Merlot são as uvas que tornaram esse corte conhecido. Elas representam uma referência para o mundo inteiro — explica Vargas.
Segundo ele, a Merlot, por amadurecer mais cedo, historicamente foi a variedade que “garante a safra” em regiões úmidas como a Serra. Já a Cabernet Sauvignon exige tempo maior de maturação e, até pouco tempo atrás, enfrentava limitações no terroir da região.
— A Campanha Gaúcha já tinha um destaque importante para vinhos inspirados no corte bordalês, por ser um pouco menos úmida, um pouquinho mais quente, com menos altitude — diz o sommelier.
Com o novo cenário, projetos baseados no corte bordalês vêm sendo retomados ou reposicionados, tanto por seu apelo comercial quanto pela adequação das uvas ao campo. Vargas explica que a ideia de “corte bordalês gaúcho” é uma simplificação comum do mercado para blends que seguem o padrão das uvas de Bordeaux plantadas localmente.
— O que torna um corte bordalês gaúcho é usar as uvas de Bordeaux clássicas do corte bordalês, só que plantadas no Rio Grande do Sul — define.
Corte gaúcho une terroirs da Campanha e da Serra
Um novo rótulo lançado neste mês pela vinícola Don Giovanni combina uvas de duas regiões produtoras do Rio Grande do Sul em um mesmo corte bordalês. O vinho tinto foi elaborado com Cabernet Sauvignon e Merlot da Campanha Gaúcha e Cabernet Franc de Pinto Bandeira, na Serra.
— Essa bela e inédita parceria com produtores de uvas da campanha gaúcha revela todo o potencial desses dois terroirs em um só vinho — afirma Daniel Panizzi, diretor da vínicola.
Segundo a enóloga Silvana Fellini, o vinho apresenta cor vermelho rubi, aromas de frutas negras e especiarias, além de boa estrutura e potencial de guarda. O lançamento foi acompanhado de um jantar especial promovido em Pinto Bandeira, com menu assinado pelo chef Rafael Jacobi.

Do auge à diversificação
A história do corte bordalês no estado remonta aos anos 1990 e 2000, período marcado pelo que Vargas define como “bordalização” da viticultura gaúcha. A preferência por vinhos com base em Cabernet Sauvignon e passagem por madeira foi influenciada por críticos internacionais, como Robert Parker.
— Existia uma bordalização muito forte na viticultura gaúcha. Só que nos últimos anos deu uma alterada, deu uma mudada, porque os consumidores estão mais abertos a novidades — afirma.
Apesar disso, o corte segue presente em muitos projetos, inclusive entre novos produtores.
— Muitas vinícolas acabam tendo vinhos de corte bordalês. É bem comum uma nova vinícola ter vinhos do corte bordalês — observa.
A tendência, segundo ele, é a diversificação.
— Hoje em dia as pessoas já querem coisas diferentes. Querem provar uma uva que tem um percurso diferente, um vinho diferente — conclui.