Bom Gourmet
Discreto, Dalton Trevisan frequentou o mesmo restaurante por mais de quatro décadas
Tem coisas que só Curitiba faz. Um vampiro vegetariano é uma delas. No caso, estamos falando aqui do escritor Dalton Trevisan, o Vampiro de Curitiba, que morreu na última segunda-feira (9), aos 99 anos. Conhecido por seus contos viscerais, Dalton se recusava a dar entrevistas, fazia o que podia para não ser reconhecido nas ruas da capital paranaense e era fiel a alguns estabelecimentos. Um dos seus favoritos era o restaurante vegetariano Verão Natural, que funcionou na Rua João Negrão, no centro da cidade.
Desde a inauguração da casa, em 1979, até o enceramento, em 2022, Dalton almoçou todos os dias no restaurante. A casa era um buffet com saladas e pratos quentes, que abria de domingo a sexta-feira. Toda véspera de fim de semana, o escritor preparava uma marmita para que pudesse almoçar no sábado.
"O restaurante abria as 11h30 e assim que a porta pantográfica subia, o vampiro entrava, cumprimentava minha mãe que estava no caixa e, invariavelmente, sentava na mesma mesa discreta num canto, quase embaixo da escada", comenta Maringas Maciel, sobrinho do fundador do restaurante, em uma publicação em seu perfil do Facebook que também compartilha com o Bom Gourmet.
Certa vez, relata Maciel à reportagem, Dalton chegou ao restaurante e se deparou com um casal sentado em sua mesa. Não disse nada. Apenas ficou parado no meio do salão. Suzana Maciel, mãe de Maringas, percebeu a situação e pediu de forma gentil que os ocupantes trocassem de mesa. Com os lugares vazios, o escritor se sentou e seguiu com sua rotina.
A relação de mais de três décadas era baseada no tempero da cozinha do Verão Natural, mas também na discrição de Suzana e toda a equipe do restaurante. Afinal, Dalton ganhou a alcunha de Vampiro de Curitiba - título de sua obra mais conhecida, de 1965 - por causa de seu comportamento recluso. Ele usava diversas artimanhas para escapar de entrevistas e desviar dos fãs - desde se disfarçar com boné e óculos escuros até negar sua identidade. Então, manter segredo sobre o cliente famoso era uma das condições do escritor para seguir fiel ao restaurante.
Maciel conta que, nos anos 1990, um repórter resolveu seguir o vampiro e documentar seu dia a dia. Receoso, Dalton foi até o caixa e advertiu Suzana que estava sendo seguido por um jornalista. Orientou-a a dizer que não o conhecia, caso alguém fizesse perguntas a seu respeito. Se não, nunca mais iria ao restaurante. O repórter não chegou a abordar Suzana e o escritor continuou almoçando lá todos os dias. Durante todo o período, a mãe nunca revelou a identidade de Dalton a ninguém, relembra Maciel.
Os minipastéis
Morador do Alto da Glória até 2021, em uma casa no cruzamento da Rua Ubaldino do Amaral com a Rua Amintas de Barros, o escritor também era fã de pastéis - quem não é? E os minipastéis da lanchonete Pastel Quente, mais tarde rebatizada como Roxinho, certamente estavam entre os seus favoritos.
Dalton costumava telefonar para o local e fazer sempre o mesmo pedido: "uma porção de 20 minipastéis, metade de queijo e metade de palmito", conta o empresário Márcio Brasil, antigo proprietário do Roxinho.
A lanchonete funcionou de 1994 a 2009, na Rua Ubaldino do Amaral, a uma quadra de distância da casa do vampiro. Sempre perguntava quanto tempo demoraria para o pedido ficar pronto e, depois, ia a pé até o local.
"Ele usava um codinome, nunca dizia que era o pedido do Dalton Trevisan. Como o restaurante era muito frequentado por universitários da reitoria (da UFPR), sempre ia buscar discretamente. Bonézão, óculos escuros e jaqueta."
Vegetariano e fã de pastéis: eis o Vampiro de Curitiba.
Com colaboração de Gabriel Faria