Bom Gourmet
Conheça a açougueira Maria Fernanda
“Isso realmente não é o que parece ser. O trabalho é quase sempre uma tarefa delicada e sem sangue. (…) tive jornadas inteiras cuja grande evidência do meu trabalho era uma pequena marca de sangue coalhado nos meus sapatos ou um brilho de gordura translúcida nas mãos e no rosto ao final do dia”. A frase é do livro Destrinchando, de Julie Powell (autora do best seller Julie & Julia). Neste livro, ela descreve o seu trabalho de açougueira.
Profissão que também é seguida por Maria Fernanda Nowakowski, formada em gastronomia pela PUC-PR. Ela começou no ofício há seis anos, na Anis Gastronomia Personalizada, empresa de catering do chef Flávio Frenkel, onde chegou a desossar animais maiores que ela mesma. Até 2019, Maria Fernanda foi a responsável pela charcutaria da empresa.
Em dezembro de 2019, assumiu como chef assadora no Steak Prime, um posto em que poucas mulheres estão. “Agora sou açougueira e parrillera, uma das únicas do Paraná a atuar nessas áreas”, diz. Se antes era o preparo de carnes para cura e preparo de embutidos, agora Maria Fernanda cuida da finalização: temperar e assar cortes nobres na parrilla, a churrasqueira argentina. Pela grelha passam também parte dos acompanhamentos, como legumes. O Steak Prime fica dentro da vila gastronômica Souq, na Vila Izabel.

O chef e incentivador, Flávio Frenkel, comenta que Maria Fernanda sempre foi uma boa aluna, muito objetiva e que gosta do que faz. “Ela primeiramente pediu para trabalhar comigo. E sempre que eu desossava alguma coisa, ela ficava em cima. Aí falei: então faça”, brincou ele.
Tanto na época em que atuava como açougueira no Anis quanto agora, no comando da parrilla, Maria Fernanda relata ter sentido preconceito. "Já ouvi de um homem que uma mulher jamais assaria carne tão bem quanto um homem. Mas teve um sábado com muito movimento, com 120 pedidos e nenhuma reclamação sobre tempero ou ponto da carne", relembra Maria Fernanda.

Sua atuação na churrasqueira se dá bem de frente para as mesas da praça de alimentação. "Tem cliente que critica quando vê uma mulher na churrasqueira, mas tem muita gente, especialmente mulheres, que adoram e elogiam", relata. "O conceito está mudando", comenta, esperançosa.
Açougue, o início de tudo
Engana-se quem acha que o ambiente de desossa e corte da carne tem muito sangue. O lugar é imaculado e ela sempre está com um pano a postos para limpar tudo sempre que preciso. Ela também é muito ágil. Em cerca de 10 minutos desossou parte de um porco, retirando o mignon, as costelas e uma paleta, de onde fez uma spalla cotta, uma paleta de porco curada, cozida e depois defumada.
Antes de chegar a essa agilidade, foram muitas tentativas e muitos pedaços desperdiçados. “É uma profissão que exige força, brutalidade mesmo, no começo do processo e depois muita delicadeza”, explica. Ela desossa de tudo, da pequenina codorna, a boi, passando pela vitela, que tem pouca carne e deve ser desossada com um cuidado total. Outra coisa que muitas pessoas não vão acreditar é que ela foi vegetariana por cerca de dois anos. Porém, a paixão pelas carnes falou mais alto. “Meus avós são do interior e temos essa cultura de comer muito porco e embutidos”, diz.

Para executar o seu trabalho, ela trabalha praticamente com duas facas, uma bem longa e outra menor e flexível, além, obviamente do cutelo e de uma tesoura, que ajuda com as aves. “Tenho uma coleção com cerca de 15 facas e não gosto de emprestar”, diz.

Além do universo da desossa das carnes, ela também domina a charcutaria. O embutido mais diferente que já fez foi um presunto com lombo de coelho desossado que temperou com semente de mostarda, pimenta calabresa, sal, pimenta e envolveu com presunto Parma. Ela faz um verdadeiro balett ao envolver os embutidos com o barbante. O esforço é perceptível, mas executado com graça. No dia da reportagem, ela mostrou a mustela (copa de lombo), presunto defumado, bracciola, copa seca, pastrami e linguiça.