Thumbnail

O time de dólmã: confraria do Armazém completou 20 anos.

Bom Gourmet

Conheça a confraria onde há 20 anos homens se encontram para cozinhar

Caroline Olinda
13/04/2023 15:05
Todos vestem dólmã, aquela roupa própria do chefs de cozinha. Sentados à espera do jantar que os companheiros da rodada preparam, amontoados na cozinha para provar os sabores que estão por vir e palpitar nessa e naquela receita, ou perfilados para a foto, como um time de futebol diferente. Todos de branco e falando sem parar até a hora que o jantar começa a ser servido. A todo o tempo, na boca (inclusive quando cheia), um único tema: a gastronomia É esse gosto por cozinhar e, principalmente, comer bem, que mantém viva a Confraria do Armazém há duas décadas.
O grupo de Curitiba se reúne mensalmente para cozinhar e comer. Em todos os 240 encontros, os próprios confrades assumiram o comando das panelas e foram os responsáveis pelo preparo do jantar, sempre servido empratado.
Na cozinha e no salão, apenas homens. Eu fui a quarta mulher, ao longo de 20 anos de história da Confraria do Armazém, a participar de um jantar. Antes de mim: a chef Manu Buffara, a jornalista de gastronomia Jussara Voss e a Head da Pinó, na época editora do Bom Gourmet, Andrea Sorgenfrei - convidada para registrar a dinâmica do grupo em 2010. Como pode perceber, leitor, faço parte de um grupo seleto - uma honra.
Fundador da Confraria do armazém, Marcos Coelho faz discurso no aniversário de 20 anos do grupo.
Fundador da Confraria do armazém, Marcos Coelho faz discurso no aniversário de 20 anos do grupo.
Dizem alguns membros que um dia isso vai mudar e essa história de "clube do bolinha" acaba. Justo. Mas, vendo o copo meio cheio, é curioso haver um clube de amigos que se reúne para algo além do carteado ou do futebol, típicos do universo masculino.
Talvez o fato de os fundadores da Confraria serem ligados ao mundo futebolístico tenha contribuído para isso. Certamente, perceberam nas mágicas químicas da gastronomia e na busca por combinações de sabores, a fulga necessária para a mente cansada de disputas de bola, cartões e cartolas no dia a dia.
Confrades em ação para o jantar de aniversário.
Confrades em ação para o jantar de aniversário.
Foi um dia de 2003, durante a sua caminhada matinal, que o então presidente do Athletico Paranaense, Marcos Coelho, pensou na possibilidade da confraria. Queria algo parecido com a Amigos de Babette, em São Paulo - a mais antiga do Brasil.
Falou com o amigo e comentarista esportivo Carneiro Neto. Fizeram a primeira reunião. No encontro, outro então jornalista esportivo, Luiz Auguto Xavier, hoje colunista do Bom Gourmet e atual presidente da Confraria o Armazém, além do publicitário Ernani Buchmann e o empresário Antônio Ortiz.
"Desde o começo, o foco era a culinária. A ideia era fazer com que todos levassem o seu conhecimento e compartilhassem com os demais", diz Coelho.
Para tanto, levou-se para a confraria a lógica dos campeonatos e organização dos clubes de futebol. Os jantares da Confraria sempre são preparados por um quarteto. No começo, esse time era definido por sorteio. Os nomes eram divididos pelo nível de conhecimento gastronômico de cada um. De forma a manter o jogo equilibrado, com um mais experiente dividindo as panelas com um iniciante.
O elemento coringa, Maurício Fontana, e a repórter Caroline Olinda: apenas quatro mulheres já participaram dos encontros da confraria.
O elemento coringa, Maurício Fontana, e a repórter Caroline Olinda: apenas quatro mulheres já participaram dos encontros da confraria.
Com o tempo, a regra mudou. A participação passou a ser voluntária. Mas, em todos os times, o elemento coringa, que dá o suporte técnico ao grupo, permanece. Esse papel é feito pelo chef Maurício Fontana. Desde 2011, ele ajuda os confrades nos pré-preparos e dá o apoio técnico necessário para fazer o serviço fluir. "Eu sou o quinto elemento de todos os grupos", brinca.
E, também como um bom clube de futebol, a Confraria do Armazém tem sede própria. Fica na Associação Brasileira de Sommeliers (ABS). Mas, por quase uma década, os jogos de panela foram na cozinha e no salão do antigo Armazém São Miguel, no Rebouças, e daí surgiu o nome Confraria do Armazém.
Por fim, há o uniforme próprio da confraria. O dólmã, que tanto me chamou atenção. Para conseguir a camisa do time, o candidato tem de ser assíduo aos encontros. Alguns também precisam passar por um teste de fogo: alguns meses no preparo das sobremesas. Membro da Confraria do Armazém desde 2011, o chef Dudu Sperandio, por exemplo, ficou na função por nove meses até conseguir ser oficialmente integrado ao grupo.

Uma vez confrade, sempre confrade

Confrades da ativa e da reserva juntos no jantar de aniversário: 20 anos de história.
Confrades da ativa e da reserva juntos no jantar de aniversário: 20 anos de história.
A Confraria do Armazém hoje conta com pouco mais de 20 integrantes ativos. Digo ativos porque funciona quase como no exército: uma vez confrade, sempre confrade. Desse modo, em ocasiões especiais - como o aniversário de 20 anos da Confraria - são todos convocados a vestir o dólmã e participar do encontro.
Foi assim na noite de 27 de março, no jantar que tive a honra de participar. Afastados há algum tempo do grupo, nesse dia, 16 confrades da reserva tiraram os dólmãs do armário e foram ter com os amigos no restaurante Ernesto, de Sperandio. A noite especial exigiu um espaço maior que o da sede na ABS.
E assim, 38 homens se reuniram numa noite de segunda-feira para falar de comida e contar histórias.

Sobre cebolas, facas, queijos e conexões

"Lembra como o senhor me ensinou a cortar cebola? Tem que fazer garra de onça. Nunca mais esqueci", comenta o médico Lúcio Ernlund numa conversa no canto da mesa, já na hora da sobremesa, com o dentista e antigo confrade José Aristides.
Mais cedo, a cozinha era um rebuliço só. Em um dado momento, contei umas 15 pessoas entre os fogões, pratos, fornos e ingredientes na cozinha do Ernesto. Todas de olho no que o time formado pelo jornalista Cláudio Stringari, o engenheiro Neander Pereira e os cozinheiros Alexandre Vicki, Breno Rosa e Maurício Fontana preparava.
E todas também muito interessadas em provar a Croqueta de Cupim, servida como aperitivo. Depois, já no salão, vieram as entradas: steak tartare e terrine de bacalhau com banana da terra e queijo de coalho.
Como prato principal, risoto de pera e mignon na redução de vinho tinto com patê de fígado de frango. Era para ser foie gras, mas o mercado está complicado - e isso foi tema para um debate à mesa. A sobremesa, um sorvete de água de rosas com crocante de pistache, foi servido em delicados potinho, que lembravam vasos de flores. Surpreendeu a apresentação e os sabores.
Ao fim, aplausos, histórias, risos e o tilintar do talher nas taças. É hora do discursos. Primeiro presidente a Confraria, Marcos Coelho foi chamado a falar. Anfitrião da noite, Sperandio também discursou. E eu bem que vi umas lágrimas aqui e ali, entre uma palavra emocionada e outra.
No fim, o que percebo, é que tudo se trata de trocas - das mais diversas. No alvoroço para a foto do grupo, vejo passar um pacote de queijo da mão de um confrade para a e outro. "Trouxe para você da viagem. Esse queijo é muito bom, tenho certeza de que vai gostar", diz.
Como dizem, a gastronomia é a maior rede social que existe. E a Confraria é uma mostra das conexões que essa rede é capaz de fazer e manter.

Participe

Qual prato da culinária japonesa você quer aprender a preparar com o Bom Gourmet?

NewsLetter

Seleção semanal do melhor do Bom Gourmet na sua caixa de e-mail