Bom Gourmet
Com hashi ou com as mãos? Curso ensina como se comportar em um restaurante japonês
Etiquetas devem ser utilizadas em caso de necessidade, informa o professor e sensei Alexandre Tatsuya Iida. Bigstock
Você sabe como segurar o hashi? Sabia que existe uma maneira correta de receber o saque? E que há uma hierarquia que define os locais corretos dentro de um restaurante genuinamente japonês? Claro que nem todas essas regras de comportamento em um estabelecimento da gastronomia japonesa serão necessários se você gosta de frequentar esses lugares em Curitiba ou no Brasil. Mas se uma viagem ao Japão estiver em seus planos, pode ser importante saber como se comportar em um restaurante japonês.
"Sei dessas regras não porque alguém me ensinou, mas é porque fui passando vergonha no Japão, então aprendi dessa forma", brinca Alexandre Tatsuya Iida, primeiro brasileiro a receber o título de Sake Samurai. "Em casa, a gente aprende quando erra", acrescenta.
Tatsuya ministrou a aula Etiqueta Japonesa na noite de segunda-feira (29), no restaurante Hay Ho, do Grand Hotel Mercure, em Curitiba. Acompanhado do chef Lucas Coelho, apresentou, com riqueza de detalhes, normas de comportamento adequadas para um típico restaurante japonês. Normas que contemplam desde o local certo onde se sentar em um estabelecimento japonês a partir da hierarquia, de acordo com o grupo de pessoas presentes, até qual a parte correta do sushi que deve ser molhada no shoyu e da sequência correta para comer o sashimi, passando pela grafia da palavra tatami, com i, não com e.
"Tudo isso é teoria, ensinamento. Não é algo a ser doutrinado", enfatiza o samurai. Ele recebeu o título em 2015 pela The Japan Sake Brewers Association Junior Council, em 2015. Só existem 95 profissionais em todo o mundo com o título. Na América do Sul, apenas dois, ambos (ele incluso) estão no Brasil. Esta foi apenas a segunda aula de etiqueta dada por ele no país. Tatsuya é Embaixador da Gastronomia Japonesa no país e proprietário da Adega de Sake, loja virtual especializada na bebida asiática.
O balcão é a sala vip
Diferentemente do que acontece em boa parte dos restaurantes ocidentais, em que o balcão é o lugar da espera de uma mesa, em um restaurante japonês genuíno é uma espécie de área nobre. "No Japão, o balcão é preenchido primeiro, depois as mesas", explica Tatsuya. "É o único lugar onde o cozinheiro consegue dar atenção ao cliente", informa. A dica do sensei é, uma vez no Japão, sempre dê preferência aos balcões dos restaurantes. "É onde acontece tudo", revela.
Oshibori é o pano quente úmido e torcido, cuja função é exclusivamente higienizar as mãos antes da refeição. Ele não serve como guardanapo para limpar o rosto ou mesmo a mão suja de molho, esclarece Tatsuya. Ainda sobre as mãos, há uma espécie de ritual para receber o sake. A bebida deve ser servida de um modo específico: quem serve deve segurar a garrafa com uma das mãos na base e outra no gargalo. Quem recebe, deve segurar o tokkuri, o frasco de cerâmica usado para desfrutar o saque, com as duas mãos. Não será um problema se você se esquecer dessa regra da etiqueta e utilizar apenas uma das mãos para beber o sake. O sensei, no entanto, deixa a dica: "Na dúvida, tome segurando o tokkuri com as duas mãos. É elegante".
Em um restaurante japonês tradicional, a refeição acontece próximo ao tokonoma, um espaço embutido instalado em uma sala japonesa. Nele, ficam dispostos itens como peças de arte, por exemplo. A pessoa mais importante da mesa deve se sentar próxima ao tokonoma. A menos importante, mais perto da porta de entrada da sala. Segundo a tradição, esse assento era reservado ao samurai, para que fosse o primeiro a dar combate em caso de uma invasão, e assim proteger seu senhor.
Os segredos do hashi
Em japonês, a palavra hashi, que dá nome aos pauzinhos utilizados para comer, é a mesma para ponte. Quando o hashi chegou ao Japão, passou a ser reverenciado como um elemento que unia o humano ao divino. As duas pontas finas estabelecem um simbolismo: de um lado, as pessoas usam para comer; do outro, compartilham a refeição com os deuses.
Isso faz com que haja uma pequena liturgia para o uso do hashi. Não é de bom tom espetar o hashi na tigela de arroz. A ação remete a um momento fúnebre, quando se oferece a última refeição a alguém que está deixando esta vida. Por motivos semelhantes, também não se deve passar um alimento de um hashi para o outro. O movimento está ligado a rituais fúnebres.
O hashi não deve ser utilizado para apontar a comida em cima da mesa, como quem escolhe o que vai comer, nem ser usado para puxar louça para perto de si. Quando não estiver sendo utilizado, o hashi deve permanecer sobre o hashioki, o descanso feito especificamente para ele.
Nunca, nunca se bate o hashi na mesa ou na louça para ajeitá-lo entre os dedos - "Mas eu faço", brinca Tatsuya. O ideal é ajeitar a posiçao dele com a mão que está livre. "Etiqueta é para que a gente saiba o correto para praticá-la quando for necessário", afirma.
Sushi, sashimi e ramen
"O sushi se come em uma bocada só", esclarece Tatsuya. Então, a dica é, no momento do pedido, solicitar que ele seja feito um pouco menor se perceber que não vai conseguir comê-lo de uma única vez. E se você não gosta de wasabi, a orientação é já avisar também no pedido - diferentemente do que acontece no Brasil, em que o wasabi vem à parte, no Japão ele já é incluído no preparo. O mesmo vale para alérgicos a qualquer ingrediente.
pedir que o sushi seja preparado de modo que seja possível comê-lo de uma vez, para que não seja muito grande e não cause constrangimentos. O sushi pode ser degustado com o hashi ou com a mão. Mas é importante saber que a etiqueta determina que o prato, ao final, precisa estar limpo. Prato com arroz boiando em poça de shôyu não é algo visto com bons olhos no Japão. É preciso que a louça esteja limpa ao final da refeição. Assim, a quantidade ideal de shôyu é de cinco gotas.
Outra regra preciosa da etiqueta: nunca se molha o arroz no shôyu. Exemplo: o sushi conhecido como niguiri tem a parte de baixo feito com arroz, que é prensado em forma oval, e uma porção de peixe cru em cima dela. Para comer, a regra é clara: tombe o niguiri de lado, prense-o e leve até o pote do molho. Molhe apenas o peixe. Isso vale tanto para quando se come com o hashi quando se utiliza as mãos. "Molhar o arroz é como passar ketchup e mostarda no pão em vez da salsicha. É assim que o japonês interpreta", orienta Tatsuya.
Já o sashimi conta com uma ordem de degustação: sempre se come dos peixes mais claros para os mais escuros. Nunca misture o wassabi fresco no shôyu. Aproxime o prato do molho da sua boca para evitar respingos e coma o shisso, as tiras de nabo, para ajudar na digestão.
É certo ou errado fazer barulho para comer o ramen, ou lámen? "Eu faço barulho e doa a quem doer. Vou comer do jeito que se come no Japão", ensina Tatsuya. Há uma explicação: no período Edo, entre os séculos 15 e 17, os samurais comiam fazendo barulho. A tradição seguiu seu rumo e ainda hoje é observada. Mais: ao puxar o ar, sente-se melhor o dashi e a gordura do caldo. E comer deste modo é menos barulhento do que comer aos poucos.
Outras dicas preciosas sobre a etiqueta em um restaurante japonês são tomar o chá segurando o yunomi, o recipiente, com as duas mãos, por ser a forma elegante de apreciar a bebida - uma das mãos na lateral, a outra na base, já que ela não fica quente. E nunca, em hipótese alguma, empilhe louças. Muitas dessas peças são sensíveis, e no empilhamento, podem ser danificadas. A recomendação, para quem deseja ajudar na coleta dos itens da mesa, é apenas aproximá-la umas das outras.
Agora, se você não consegue mesmo comer com hashi, pelo menos da maneira tradicional, existem duas opções. Uma delas é utilizar aqueles suportes pequenos que seguram o hashi. Ele facilita o uso para quem ainda está aprendendo ou nunca teve a oportunidade de utilizar até então. Mas há quem prefira ir a restaurantes japoneses e pedir talher. Para Tatsuya, isso não é necessariamente um problema. "É algo compreendido", avalia o sensei. "[Usar o suporte] aos olhos do japonês é um sinal de que a pessoa está se esforçando. Mas se não consegue, poxa, que mal tem usar o talher? Na minha opinião, não é um problema", conclui.