Bom Gourmet
Chocolates estão mais caros e preço deve continuar a subir, analisa especialista
Chocolate chocolate chunks. Chocolate bar pieces. A large bar of chocolate on gray abstract background. Background with chocolate. Bigstock
Estudo realizado pela XP com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE, informa que os chocolates em barra e os bombons subiram 3% em média este ano. A alta é menor do que a observada nos anos anteriores, revela o levantamento apresentado em março. A questão é que o preço dos chocolates vai continuar subindo, e e alguns casos, enquanto os preços sobem, a quantidade de cacau neles deve cair.
Esta é a avaliação de Ivan Blumenschein, fundador e proprietário da Nugali Chocolates, de Pomerode (SC), junto com a esposa Maitê Lang. Pioneiro, no Brasil, no conceito bean-to-bar (da semente à barra), o empresário observa com atenção a alta do cacau comodity na Bolsa de Valores de Nova York. Nesta quinta-feira (18), a tonelada fechou em US$ 11,02 mil. Em abril do ano passado, o valor circulou em torno de US$ 3 mil.
Essa alta no preço da commodity este ano ainda não foi sentida pelo consumidor na última Páscoa, aponta Ivan Blumenschein, proprietário da Nugali, primeira produtora de chocolates bean-to-bar (da semente à barra) no Brasil. Ela será percebida a partir de agora. "A tabela de preços de Páscoa foi mandada para os pontos de venda no começo do ano", explica Ivan. "A linha de Páscoa já estava toda feita no ano passado, com cacau que já havia sido comprado nos meses anteriores", explica.
Segundo o empresário, engenheiro de formação, a alta vai atingir tanto o chocolate que se utiliza do cacau comum, que tem menos porcentagem de cacau, quanto os produtos que têm em sua composição o que é conhecido como cacau fino, de produção mais exigente. O cacau fino, ou gourmet, toma o preço do cacau commodity como base, mas com o acréscimo de um prêmio, que varia entre 50% e 100% acima do commodity, dependendo da qualidade do cacau ou da negociação.
Ao longo do ano passado, o preço variou entre 10% e 20%. Na virada do ano, as notícias relativas a previsão de safra ruim atingiram o mercado. Fatores climáticos e doenças que atingiram a lavoura - como a monilíase, que causa perdas na produção e elevação de custos por coprnta da necessidade de medidas adicionais de manejo e o uso de fungicidas para controle de praga - levaram a uma expectativa de uma eventual falta do insumo.
Há ainda fatores especulativos, um problema que atinge mercados diversos, não apenas o de cacau, e que interferem na formação de preço. Toda essa mudança de cenário fez com que Ivan, pioneiro no Brasil no controle de produção, desde a plantação de cacau até a barra - o bean to bar - se preocupasse com a maneira com que o momento atingiria a produção do cacau premium no Brasil. A Nugali, de Pomerode (SC), é uma das líderes do segmento no Brasil. Produz 200 toneladas por ano — cerca de 20% de market share — e atualmente está em quase 2 mil pontos de venda pelo país.
A tonelada da commodity mais alta, portanto, atinge o preço do chocolate, mesmo aqueles cuja porcentagem de cacau em sua composição se enquadra nos mínimos 25% de sólidos totais de cacau (nibs, cacau em pó e manteiga de cacau) determinados por resolução da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em 2022. Em alguns casos, há a possibilidade de novos produtos chegarem ao mercado como biscoitos, por terem menos cacau em sua composição, ou alguns itens serem reclassificados em uma eventual redução do insumo em sua elaboração.
Esse impacto vai ser sentido também na categoria bean-to-bar, em que a Nugali transita como uma das principais marcas do segmento - a empresa catarinense foi a primeira do país a adotar esse conceito, em 2006. Foi pioneira também na compra de cacau direto do produtor, pagando preços superiores ao comercializado em bolsas de commodities. O chamado fair trade (comércio justo) garante ao produtor rural um valor que lhe permita investir na produção, gerar desenvolvimento local e, com isso, evitar o êxodo rural. Atualmente, a companhia de Santa Catarina compra cacau diretamente de produtores da Bahia e do Pará, de cooperativas de produção familiar.
Ivan estima que, atualmente, no Brasil, existam cerca de 200 marcas 'da semente à barra', que compram insumos de comunidades rurais produtoras de cacau fino.
A expectativa de Ivan é que o retorno dos preços a patamares praticados no ano passado leve de três a quatro anos. No seu segmento, prevê aumento de 50% ou mais. "No nosso [mercado] não tem como ser diferente. A gente vai querer um cacau de qualidade, e ele vai custar mais caro ainda. provavelmente mais do que o cacau comum", sinaliza. "Todo chocolate vai ficar mais caro, e os que têm mais qualidade vão ter uma transferência mais direta deste aumento", afirma. Em casos de produtos com 80% de cacau, o preço pode dobrar.
Assim, a própria Nugali entende que itens mais finos, como os que fazem parte do seu porfólio, continuarão a ser percebidos pelo consumidor final como um produto de luxo, e que a alta do preço deve levar a uma redução do consumo. "A manteiga de cacau, que no ano passado estava R$ 50, este ano está R$ 200 o quilo, aumentou quatro vezes mais", registra. "Empresas mais estruturadas como a Nugali não estão tão expostas a essa volatilidade". Já com players mais novos, ainda procurando um lugar entre as plateleiras de produtos de valor mais elevado, a realidade deve ser outra.
Cacau comum x cacau fino
Neste cenário de volatilidade, Ivan decidiu ir até as comunidades de cacauicultores, no Pará, onde compra o insumo para os chocolates premiados da Nugali, para entender o momento dos produtores do cacau premium. "É delicado convencer um cacauicultor, ou ele se convencer a fazer um trabalho mais cuidadoso para produzir um cacau fino, e ser melhor remunerado", relata Ivan. "Dá muito mais trabalho fazer o cacau fino do que o comum, e não há garantia nenhuma que ele vai conseguir um prêmio significativo e nem que vai conseguir vender como cacau fino, porque ainda é um mercado em crescimento", informa. A estimativa feita por Ivan é que esse mercado de chocolates gourmet represente hoje menos de 10% do mercado nacional.
Há uma diferença considerável entre o cacau comum e o fino. A colheita de um produto de qualidade inquestionável envolve um capricho necessário na escolha dos frutos, descartando cacaus doentes ou passados. Há ainda um processo de fermentação que eva vários dias e apenas ao sol. Já o comum não passa por essa seleção, mistura cacau doente com a chamada vassoura de bruxa, entra também cacau verde, e passa por secagem à lenha, o que afeta o meio ambiente e contamina o sabor com fumaça.
"O produtor mais novo no mercado de cacau fino tem sempre um dilema: faço um cacau fino ou comum?", destaca Ivan. "Com o comum, ele pode escoar a safra mais facilmente". Com o valor alto, o cacauicultor pode produzir um cacau comum com bem menos trabalho e obter remuneração equivalente à do cacau fino. "Fomos visitar os produtores para, antes de mais nada, validar que continuamos neste mercado, que não vamos sacrificar a qualidade nem o teor do cacau nos nossos produtos e que continuamos contando com eles, como produtores de cacau fino, nos mesmos padrões de qualidade", afirma.
Segundo Ivan, a visita foi produtiva: ele encontrou os cacauicultores com a intenção que continuarem com a produção do cacau fino. "Ficamos contentes de ver que eles continuam determinados a fazer produtos de qualidade, e isso para nós é fundamental. Não temos como fazer um chocolate de qualidade se não tiver cacauicultores focados em produzir um cacau de qualidade, independentemente do que estiver acontecendo no mercado", finaliza.