Bom Gourmet
Caliceti di Bologna, 50 anos do restaurante que ensinou Curitiba a comer massa ao modo italiano
Uma coisa que aprendi nos dois meses que morei na Itália e trago para a vida é que italianos se encontram em volta da mesa. Normalmente,uma mesa farta. “Mangia Andrea!” era o grito de guerra da melhor amiga que deixei por lá, a Marta, cozinheira no castelo medieval que abrigava a escola onde estudei. Não foi diferente durante meu primeiro encontro com a Ermínia Caliceti, ou Mima, para falar sobre os 50 anos do Caliceti di Bologna.
O local da primeira entrevista não poderia ser outro: o belo sobrado na esquina da Carlos de Carvalho com a Ângelo Sampaio que abriga o Caliceti di Bologna. O ristorante da famiglia Caliceti é atualmente administrado pela própria Ermínia – na cozinha – pelos irmãos dela, Alberto e Pompeo, e pela Giuliana, filha do Pompeo.
Bom malandro, pedi para que nossa reunião fosse na hora do almoço. À mesa, como aperitivo, Bruschetta Tradicional. Sobre o pão italiano de fermentação natural produzido na casa, tomates e manjericão frescos, vindos diretos da horta da cozinheira.
Imediatamente, entendi por qual motivo a Ermínia também chama esta entrada de Bruschetta di Casa Mia. Sob este olhar, cada entrada, prato principal, massas, molhos, sobremesas e todos os produtos vendidos na loja dentro do restaurante deveriam trazer “di Casa Mia” no nome.

Esta casa, aliás, é tão grande e importante que não começa no endereço onde está hoje e sua influência se espalha por outros tantos endereços da cidade. O ponto de partida dessa história é Bologna, na Itália. Terra do agricultor Francesco e da dona de casa Onelia Caliceti. Pais de Ermínia, Alberto e Pompeo. Avós de Giuliana e do jovem Francesco. Há pouco mais de 50 anos, o patriarca deixou o país de origem para trabalhar em uma transportadora em São Paulo.
Esposa e filhos ficaram na Bologna por um tempo, até Francesco se mudar da capital paulista para Curitiba. Por aqui, chegou já com a mulher e os filhos. Na época, Pompeo era criança, Alberto e Ermínia estavam entrando na adolescência. Eram tempos bicudos. Francesco acabou saindo da transportadora e a mamma foi fazer o que conhecia melho: , cozinhar. Em 1970, o casal encontrou um ponto na Praça Osório, onde estabeleceram uma pequena tratoria que batizaram de Bologna.
As digitais de Onelia
“O ponto era precário”, conta Ermínia. A cozinha, por outro lado, já nasceu com a digital da Dona Onelia. Uma culinária sem artifícios, com pratos que chegavam à mesa e brilhavam aos olhos dos curitibanos. Em 1974, transferiram a casa para o segundo ponto. Era também na Carlos de Carvalho, mas no seu início, no centro da cidade, onde antes funcionava uma malharia. Onelia comandava a cozinha, Francesco ficava no caixa e fazia as compras.

A cozinha foi construída na entrada do salão, fechada por vidros. Foi a solução da Dona Onelia para melhor utilizarem o espaço. Para chegar às mesas, caminhava-se por um corredor ao longo de um dos lados da cozinha. Eis a primeira revolução do Bologna que chamou atenção dos curitibanos.
A partir daí, a lista de transformações no Caliceti di Bologna é longa. O cardápio original trazia poucas opções de pratos, todos preparados no restaurante até os dias atuais. Lasagna verde, tagliarini à la bolognese, gnocchi, tortelonni e capeletti in brodo. “No brodo suíno, nada de brodo de galinha”, esclarece a Ermínia.
Na cozinha, Onelia usava insumos como alcachofra, salsão, aspargos e alho-poró. Produtos que hoje estão nos mercados e empórios, mas dificilmente eram encontrados na época. A saída era encomendar aos comerciantes do Mercado Municipal que, paulatinamente, passaram a disponibilizar com frequência regular.
“Sei tutti pazzi!”
A expressão acima significa vocês estão todos malucos! Esta foi a reação de Francesco Caliceti diante de mais uma modernidade da mulher. Um dia ela começou a se perguntar, em altos brados: “Por que o cliente só pode comer aqui no restaurante? Por que não pode levar massa crua e os nossos molhos para finalizar em casa?”

Assim, veio a ampliação e, com ela, a loja na entrada do restaurante. Coisa nunca vista antes por aqui. O Bologna foi pioneiro em disponibilizar massas e molhos artesanais à clientela cada vez mais numerosa, exigente e devota da cultura que o restaurante instaurava na gastronomia local. As massas cruas, de fabricação artesanal, ficavam expostas para o público. “A mamma, primeiro, expunha na cristaleira da família.”
Além de mostrar as massas frescas, Onelia também ensinou o curitibano a comê-las. Na época, era habitual consumir massa mais cozida e, pecado capital, cortar spaghetti e tagliarini no prato. Onelia, pacientemente, percorria o salão e orientava os clientes a enrolarem a massa no garfo, explicava que o ponto ideal era o chamado “al dente”, que a massa jamais deveria chegar à mesa demasiado cozida.
As evoluções do Famiglia Calicetti di Bologna
Em 1994, após aproximadamente vinte anos no endereço do centro, o Bologna se transferiu para o sobrado da Carlos de Carvalho com a Ângelo Sampaio. Está tudo ali: a loja, o salão, as receitas originais, além de outras novas que foram entrando para o cardápio. A cozinha seguiu sendo coordenada por mãe e filha: Onelia e Ermínia. “Fomos trocando apenas de figurino”, conta Ermínia. “Primeiro usávamos um avental baixo. Depois veio o avental alto e, então, a dolmã.”
Mas não foi só esta evolução que aconteceu no Caliceti di Bologna. Da década de 90 para cá, para além do salão, a loja cresceu bastante. Hoje é possível encontrar vários tipos de pães, focaccias, snacks, saladas, frios, pequenas refeições, sobremesas e, nunca faltou, as massas cruas e os molhos artesanais.

Tudo é produzido ali na cozinha do restaurante, que ainda mantém tradições, mas sem perder o trem da história. “Cambiamo la sfumatura”, diz Ermínia. Ou seja, em livre tradução, muda na superfície ou na apresentação, mas sem abrir mão da essência.
Assim, a carretilha do início dos anos 70 segue sendo utilizada na cozinha. Agora, ao lado dos equipamentos e ferramentas mais modernos. No mix de produtos, é possível encontrar opções para vegetarianos e para quem apresenta restrições alimentares, como os molhos que não levam lactose .O restaurante também não teve dificuldade para intensificar o delivery durante os anos de pandemia, uma vez que a modalidade já estava no DNA desde a época do “sei tutti pazzi!”.
A saudosa Dona Onelia faleceu em 2017, aos 96 anos. “Elegante e gentil até os últimos dias de vida”, declara Ermínia, sobre a mãe. “Hoje sou como sou e conduzo os times que trabalham conosco inspirada no que minha mãe sempre dizia para mim e para os meus irmãos: Va bene, ma domani faremo meglio.”

A expressão – que conecta passado, presente e futuro - fala muito sobre os Caliceti e tudo o que nos ensinam e entregam. Está bom, mas amanhã faremos ainda melhor.
Dicas do André Bezerra
- Não deixe de provar a ricotta in natura in salsa di zabaglione. A sobremesa criada pela Dona Onelia traz a ricota de um tradicional produtor/fornecedor polonês sobre uma base de zabaglione de Marsalla, que é um vinho siciliano de sabor ao mesmo tempo envelhecido e adocicado.
- Aos finais de semana dá para levar a tradicional Porchetta Recheada para casa. A Ermínia deu um jeito de levantar dicas diretamente com o chef Jefferson Rueda, da Casa do Porco, em São Paulo, para chegar à receita.
- Meados de novembro é a época ideal para se adiantar e encomendar a ceia de Natal e réveillon do Caliceti di Bologna. Está chegando a hora!
*André Bezerra é cronista de gastronomia. @andrebezerraoficial