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Vinhos orgânicos, biodinâmicos e veganos: diferenças e características
Quem vê uma taça cheia de vinho às vezes nem imagina por quantos processos a bebida passou até chegar ali. Tampouco se dá conta de que aquele produto pode ser orgânico, biodinâmico ou mesmo vegano (especialmente no Brasil, onde as certificações nos rótulos abrangem mais os primeiros). Mesmo assim, há uma procura cada vez maior por estes segmentos.
“A gente tem percebido de um ano pra cá que a demanda pelos vinhos veganos tem aumentado de 3% a 5%. Até um ano e meio atrás a gente não tinha nada disso”, comenta Ana Cristina Fulgêncio, sommelière da importadora e loja virtual Wine. A seguir, ela e o sommelier da World Wine, André Zangerolamo, explicam o que faz um vinho ser vegano, orgânico, biodinâmico e natural.
A informação está no rótulo
É impossível saber se um vinho é vegano, biodinâmico ou orgânico a partir apenas da degustação. A única forma de ter certeza, indicam os especialistas, é conferindo o rótulo. Embora nem todas as marcas contem com o selo, a dúvida pode ser esclarecida na embalagem.
Fulgêncio explica que as expressões “não filtrado”, “não afinado” e “métodos de autoclarificação natural”, por exemplo, significam que nenhum agente clarificador foi utilizado na elaboração. No caso de a bebida ter passado pelo processo, o produtor pode indicar a origem do elemento (se foi albumina ou bentonita, gelatina ou carvão).
Segundo a sommelière, é difícil destacar um país que seja reconhecido pela produção de vinhos veganos, mas existem bons exemplos de vinícolas adeptas à filosofia. Uma delas é a Yalumba, na Austrália. “Eles têm uma produção totalmente vegana e trabalham com as principais uvas, da syrah à merlot”.
Entre as opções de vinhos do Velho Mundo, a portuguesa Herdade do Rocim é uma alternativa para quem não consome nada de origem animal – existem três rótulos veganos entre R$ 80 e R$ 167.
Vinhos veganos
Em geral, nenhuma etapa da produção de um vinho conta com insumos de origem animal. O único caso é a fase final, quando a bebida já está pronta e precisa passar por um processo chamado clarificação. Neste estágio, o vinho tem um aspecto turvo e, para deixá-lo límpido (brilhante e uniforme) antes de ser engarrafado, os produtores utilizam elementos que filtram todos seus os compostos sólidos para o fundo.
Três deles são de origem animal: a albumina e a caseína, presentes na clara do ovo, e a gelatina. É neste momento, então, que fica a critério do produtor decidir se o vinho será ou não vegano.
“Existem clarificantes de origem mineral, como o carvão, e alguns sintéticos que não fazem mal e são alternativas para quem é adepto do veganismo”, afirma a sommelière Ana Cristina Fulgêncio. Segundo a especialista, o carvão é um clarificador tão potente que costuma ser utilizado até para branquear uvas tintas, como a pinot noir, na produção de espumantes rosés e brancos.
Zangerolamo aponta a argila bentonita como outra opção a favor dos vinhos veganos. Em relação ao custo de produção, não há muita diferença entre os insumos minerais, sintéticos e de origem animal. “Os valores são muito parecidos, mas alguns países são muito tradicionais na utilização da albumina. Mesmo assim, cada vez mais a gente vê o veganismo como uma tendência de consumo, então produtores que não usavam [insumos minerais] agora estão atrás disso”.
Vinhos orgânicos
Neste processo, os produtores não veem problemas quanto ao uso de insumos de origem animal; por outro lado, rejeitam qualquer tipo de pesticida ou ingrediente quimicamente modificado. “As uvas são tradas como antigamente: até 1930 não existiam defensivos agrícolas, apenas elementos naturais”, explica o sommelier da World Wine, André Zangerolamo.
Ele cita como exemplo a calda bordalesa, desenvolvida na região de Bordeaux, na França. Feita a partir de uma combinação de sulfato de cobre e cal hidratada, a fórmula orgânica combate doenças fúngicas sem agredir a área de cultivo.
A aposta na agricultura orgânica não é novidade para muitos países, como o Chile. “Lá, esse boom foi há 15 anos”, conta o especialista. Na Argentina, a moda pegou há pelo menos cinco e, hoje, é a principal escolha das vinícolas europeias. “Existem grandes produtores mundiais migrando para a agricultura orgânica”.
Não há como negar. Basta fazer uma breve pesquisa no portfólio da World Wine para ter alguns exemplos: a importadora comercializa 10 marcas que produzem rótulos do segmento – CARM, Viña Bisquertt, Cono Sur, Famille Perrin, Château de Beaucastel, Jolie-Pitt & Perrin, La Vieille Ferme, Icardi, Poggiotondo e Roberto Voerzio.
Vantagens dos vinhos orgânicos
As uvas costumam ser menores e, como o solo é mais rico em materiais orgânicos e minerais, armazenam muita complexidade em pequenas bagas. O resultado? “O vinho tende a ter uma maior concentração de sabores. Em geral, também acaba mantendo a boa qualidade por longos anos”, afirma Zangerolamo.
Além disso, há maior proveito em relação ao tempo de vida das vinhas. Segundo o sommelier, um vinhedo orgânico pode durar até 50 anos, enquanto um que recebe defensivos químicos perde seu potencial produtivo em duas décadas.
Desvantagens
O principal problema do cultivo orgânico é o controle dos fungos e de alguns insetos. Muito disso é relacionado às condições climáticas da região: quanto mais chove, maiores são as dificuldades em combater os microrganismos de forma natural. “No Brasil e no Uruguai, por exemplo, chove muito. Alguns conseguem ser orgânicos até onde é possível”, diz o sommelier.
Vinhos biodinâmicos
A sommelière Ana Cristina Fulgêncio costuma definir os vinhos biodinâmicos com uma frase simples: “o vinho biodinâmico é um orgânico mais avançado”. Isso porque toda a produção deste tipo de vinho segue a premissa dos orgânicos, mas investe também em regras que vão além da proibição dos defensivos químicos.
“Tem mais a ver com todo o ecossistema do local. O produtor se baseia nas fases da lua para fazer a poda, analisa a posição dos astros e também usa os elementos naturais [como casca de carvalho e urtiga] para proteger ou enriquecer o solo”, diz a especialista.
A filosofia da agricultura biodinâmica foi criada pelo austríaco Rudolf Steiner nos anos 20 e, mais tarde, aperfeiçoada pela alemã Maria Thun.
Vinhos naturais
Se os vinhos orgânicos e biodinâmicos passam por uma série de demandas, os naturais chegam a um patamar controverso. Durante o processo, não há nenhuma intervenção: a levedura utilizada é a da própria uva (geralmente, é adicionada pelo produtor), o vinho não é clarificado (logo, fica mais turvo) e só recebe enxofre (conservante natural) de vez em quando e em quantidades mínimas.
Por conta disso, ao contrário dos processos citados anteriormente, os vinhos naturais têm sabor muito característico e perceptível na taça. “É um nicho muito mais particular. Não é todo mundo que gosta”, afirma Fulgêncio.
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