Bebidas
Um lugar para conhecer ao Sul

Por volta das 8 horas da manhã, enquanto aguardava na recepção do hotel a saída para percorrer diversas vinícolas da região de Flores da Cunha e Nova Pádua, cidades na Serra Gaúcha, ouço a recepcionista ao telefone: “Não, senhor. Aqui não é Bento Gonçalves. Somos uma outra cidade produtora de vinhos, Flores da Cunha”, dizia ela ao interlocutor com um certo tom de naturalidade — voz de quem não havia respondido a este engano pela primeira vez.
De fato, a cidade localizada a apenas 60 quilômetros distância dali é um percalço na rota da maior produtora de vinhos (finos e comuns somados) no Brasil: a região dos Altos Montes, composta justamente por Flores e Nova Pádua. Embora o volume de bebidas que saem das barricas e adegas das duas cidades seja maior do que o do Vale dos Vinhedos (região encabeçada por Bento Gonçalves), elas não são lembradas em primeiro lugar e, às vezes, sequer são citadas quando se fala em enoturismo no Brasil.
Uma explicação possível? Durante muito tempo os vinificadores locais apostaram apenas nos vinhos de mesa — mais simples, feitos de uvas americanas. E, nisto, os vizinhos do Vale dos Vinhedos saíram bem na frente: enquanto do lado de lá da Serra as vinícolas já se organizavam em associações de vinhos finos na metade da década de 1990; do lado de cá, começaram a produzir este tipo de produto apenas muito recentemente, nos anos 2000.
Um atraso histórico, de fato. Mas que não tirou o potencial da região. Há nos 173 quilômetros de área dos Altos Montes um certo charme europeu comum a toda Serra Gaúcha. Algo que ultrapassa o sotaque “ítalo-gaúcho” de seus habitantes ou as paisagens bucólicas de colinas e vinhedos. As pequenas propriedades, ainda comandadas por famílias, remontam ao passado distante. Mas os vinhos produzidos são coerentes com o cenário atual de consumo de vinhos no país.
Vinhas de charme
O ambiente é inspirador para uma degustação. A vinícola, aliás, oferece esta opção gratuitamente para quem aparecer por lá em horário comercial. Vale a pena conferir rótulos como o Gran Báculo, o símbolo da Salvador. Este cabernet sauvignon gran reserva não tem madeira, mas segura bem a estrutura (foi degustado um exemplar da safra 2005) e mantém bons aromas primários. Há boa variedade de rótulos com características comerciais (mais leves e fáceis de serem bebidos).
Em Nova Pádua, em uma das regiões mais bonitas da cidade, está a Fabian. O nome francês se explica pela origem da família que a comanda. Os antepassados migraram da França para a Itália e, de lá, vieram para o Brasil. A vinícola está encostada na colinas, em uma das paisagens mais bonitas da região. À beira da rodovia, a sua estrutura se destaca em meio às vinhas que a cerca.
Guerino Fabian pode ser considerado um dos pioneiros desta nova visão dos vinhos dos Altos Montes. Em 1994, quando seus vizinhos ainda se dedicavam quase exclusivamente aos rótulos de mesa, começou a testar variedades europeias para produzir bebidas finas. Hoje, em seus 10 hectares de vinhedos, produz tannat, malbec, chardonnay, moscato. “Outras variedades estão em teste, como a sauvignon Blanc”, diz.
Em comum, eles têm um toque europeu, garante o enólogo. “Queremos fazer vinhos mais pesados, mais gastronômicos”. Os preços partem dos R$ 35 nas linhas normal e reserva. A linha reserva passa por barricas de carvalho e, após este processo, é engarrafado e armazenado em caves com temperatura controlada entre 15 e 17 graus, e umidade entre 70 e 75 %. Por outro lado, a linha Intuição caracteriza-se por vinhos jovens, de bom custo-benefício.
Com ou sem madeira
Em boa parte das vinícolas da região dos Altos Montes, há uma clara aposta em vinhos mais fáceis e comerciais (geralmente sem madeira, prontos para serem consumidos jovens). E com bons resultados. Porém, os rótulos pesados e gastronômicos, ao estilo “Velho Mundo”, mantêm adeptos.
A vinificação da empresa é seu destaque: tem cerca de 40 famílias produzindo uvas com exclusividade e supervisão da própria vinícola. As parcerias mais fortes estão em outras regiões do estado, como a cidade de Santana do Livramento, no extremo oeste.
Uma região de família
O prédio de 75 anos está sendo reformado pelos proprietários para que sirva também de atrativo turístico. “A reforma vai até a metade de 2014”, aponta Vomar José Salvador, um dos sócios. E não é coincidência: Vomar é primo de Antônio Salvador, da Vinícola Salvador (a produção no Sul do país é marcada pela famílias, que mantém as vinícolas como negócio e patrimônio cultural da família).
O que é produzido na Terrasul (em termos de vinhos finos) é plantado em vinhedos de Pinheiro Machado. Uvas como malvasia de cândia, chardonnay, moscatel e cabernet sauvignon rendem uma produção de 200 mil litros/ano de vinhos finos. É só uma pequena parte da produção: na vinícola há capacidade de estocagem para 2 milhões de litros – usada, em sua maioria para os vinhos de mesa.
Os vinhos da Terrasul são fáceis de beber, mais simples, sem exagero de madeira. Vale conferir o malvasia (bom no nariz; bem leve, com apenas 11% de graduação e uma fruta presente) e o cabernet sauvignon(sem barrica, com bom perfume e também leve). Ambos custam R$ 13.
Na vinícola de Nova Pádua o destaque é sem dúvida a bela cave. Ela começou a ser construída há cinco anos e levou três para ser concluída. Embora ainda não esteja sendo usada em sua totalidade para o armazenamento dos vinhos finos, vale ser visitada. As paredes em pedra e o espaço amplo chamam a atenção.
A Mioranza completará 50 anos em 2014. Para isso, estão vinificando um rótulo especial, uma assemblage de merlot, cabernet e ancellota para guarda –- deverá estar em seu auge em 10 anos, calcula a enóloga Mônica Panizzon. O rótulo é só um dos produzidos pela vinícola, que aposta em vinhas próprias: de lá saem 200 mil litros/ano.
Modernidade
Embora o ambiente seja luxuoso, a vinícola só apostou nos vinhos finos nos anos 2000, mais precisamente em 2004, quando fizeram os primeiros espumantes charmat (hoje substituídos pela pelo demi-sec).
Da vinícola, saem de 80 a 100 mil litros/ano para dois públicos distintos: a linha Corte V e a Green são leves, jovens e fáceis de beber. Enquanto a primeira praticamente não tem passagem em carvalho, a segunda é uma inspiração nos vinhos verdes portugueses — mais leves e ideais para o consumo no verão.
A linha Premium, por sua vez, é mais elaborada. No Expressões Pinot Noir, são 12 meses em barrica de carvalho, vinho com certa persistência, taninos interessantes. No Merlot 2011: 12 meses em barrica: vinho com elegância, taninos arredondados.
A sede tem uma arquitetura moderna e com ares de primeiro mundo. A estrutura é clean, feita pela arquiteta Vanja Hertcert, acostumada a trabalhar em vinícolas de Bento Gonçalves. O teto ondulado da sede imita as colinas de vinhedos que a cercam. Em parte da parede, uma enorme rocha na qual a vinícola foi encaixada fica exposta.
A modernidade dos traços se estende ao conceito da marca. A Luiz Argenta aposta em garrafas com design especial e vinhos de diferentes propostas. Em uma das linhas mais interessantes, a LA Jovem, a bebida é desmistificada e apresentada em versão para o consumo do dia a dia. Vale a pena conferir o seu sauvignon blanc.
*O jornalista viajou a convite da Associação de Produtores dos Vinhos dos Altos Montes (Apromontes)
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Serviço
Vinícola Salvador. Rua Julio de Castilhos, 1.880, Centro, Flores da Cunha/RS — (54) 3292-3388. Horário de visitas: Horários de visita: de segunda a sábado das 9 às 12 horas e das 13h30 às 18h30. Domingos das 9 às 12 horas. Demais horários só por agendamento. Grupos acima de 20 pessoas pagam (R$ 15 por pessoa). www.vinicolasalvador.com.br
Casa Venturini Vinhos. Travessão Felisberto da Silva, s/n, São Gotardo, Flores da Cunha/RS — (54) 3292-2710. Abre para visitação todos os dias (incluindo domingos e feriados), desde que agendadas. www.casaventurini.com.br
Terrasul Vinhos Finos. Travessão Alfredo Chaves (a 7 km do centro de Flores da Cunha)
www.vinhosterrasul.com.br
www.vinhosterrasul.com.br
Cantina de Vinhos Fabian. Travessão Paredes — Fone (54) 3296-1399. Abre em horário comercial para visitas. Recebe também grupos de até 20 visitantes mediante pré-agendamento. www.vinhosfabian.com.br
Luiz Argenta Vinhos Finos. A. 25 de Julho, 700, Flores da Cunha/RS – (54) 3292-4477. Visitações de segunda a sexta-feira, em três horários: às 10 horas; 13h30 e 15h30. Sábados em dois horários: 13h30 e 15h30. Domingos e feriados só com agendamento. A visita dura 1 hora e 15 minutos e inclui a degustação de quatro produtos da linha Luiz Argenta. O valor é de R$ 20 e pode ser convertido na compra de qualquer produto.
Sociedade de Bebidas Mioranza. VRS 814, km 6, s/nº, Travessão Alfredo Chaves, Flores da Cunha/RS — (54)3297-5700. Visitas em horário comercial ou mediante pré-agendamento.
Viapiana. Travessão Alfredo Chaves, s/nº, Flores da Cunha/RS — (54) 3297-5140. A Boutique e o Wine Bar funcionam de segunda a sexta-feira das 9 às 12 horas e das 13h30 às 17h30. Sábados e domingos das 9h30 às 12 horas e das 13h30 às 17 horas. www.vinhosviapiana.com.br