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Rum, saquê e ingredientes regionais: as tendências da coquetelaria no Brasil
O interesse pela coquetelaria estrangeira tem sido um propulsor importante para o crescimento da cena de drinks no país. Esta é a visão de Marco De La Roche, um dos principais nomes da mixologia brasileira. “É claro que existem países muito à frente nisso, mas o Brasil, junto com Hong Kong e México, são os que estão evoluindo mais rápido nos últimos anos”, aponta.
Não à toa, São Paulo foi a única cidade do mundo escolhida para sediar em 2019 uma versão brasileira do evento anual de coquetelaria, o Bar Convent. Criado em Berlim há 12 anos, o BCB era realizado apenas na capital alemã e no Brooklyn, em Nova York. A primeira edição brasileira ocorreu nos dias 17 e 18 de junho, no Expo Barra Funda, e teve De La Roche como embaixador.
“Quando você fala em coquetelaria, você fala em um conjunto de histórias, culturas, regiões e como elas se aplicam no consumo alcoólico. Por isso, a curiosidade pelo que bares de Nova York ou de Londres estão fazendo é positiva pra despertar o interesse daqui”, opina o bartender que tem no currículo, entre outros prêmios, o título de tricampeão do concurso nacional Coffee in Good Spirits. A seguir, ele cita algumas tendências da coquetelaria mundial que se refletem no Brasil.
1. Rum, o gim da vez?
“Tem quem ache que o rum vai ser o próximo superdestilado como hoje é o gim, como já foi a vodca, o uísque. É um ponto para ficar atento”, comenta Marco de La Roche. Aqui e ali, bares brasileiros dão sinais de que o destilado tropical vai de fato entrar com mais frequência nas coqueteleiras nos próximos anos, e não necessariamente ao estilo Tiki – combinado a frutas e xaropes coloridos. No recém-inaugurado bar de drinks do King Temaki, em Curitiba, o premiado bartender Igor Bispo criou pelo menos quatro receitas à base de rum.
No Rio de Janeiro, o Nosso encabeçou a tendência há pelo menos dois anos: desde que foi inaugurado em Ipanema, no fim de 2017, apostou em uma carta especializada no destilado. Anderson Santos, headbartender, conta que tanto o consumo de runs puros quanto em coquetéis tem aumentado entre os cariocas. “A curiosidade de entender as diferenças regionais e de envelhecimento é algo que fascina os clientes”, comenta. Do menu, ele destaca o old fashioned de rum envelhecido em barril de carvalho combinado com rapadura e bitter (R$ 33).
Ainda assim, é difícil que o rum supere o gim até 2023. Nos próximos quatro anos, o destilado de zimbro continuará crescendo pelo menos 3,7% ao ano, segundo o portal de pesquisas alemão Statista. Os números do rum são bem menores: o crescimento previsto é de 2% ao ano até o mesmo período.
2. Ingredientes regionais
O movimento de valorização das matérias-primas locais não é novidade para chefs no Brasil e no mundo. Este é, aliás, o discurso predominante quando se fala em gastronomia. A coquetelaria não demorou a entrar na roda. “Isso envolve conhecer fornecedores locais, consumir produtos locais. Em vez de mirtilo, por que não usar uma jabuticaba? Vai ser mais fácil de encontrar e mais barato”, sugere De La Roche. Até mesmo o extremo oposto, com uso de ingredientes de diferentes estados, tende a ocorrer com mais frequência.
Um exemplo é o Amálgama (R$ 30), criado pela bartender Ana Carolina Soares para a nova carta de drinks do Ponto Gin, de Curitiba. O coquetel tem como ingrediente principal a cajuína, uma bebida tradicional entre os estados Piauí, Maranhão e Ceará. Feita a partir do caju, o suco clarificado é considerado patrimônio cultural brasileiro desde 2014.
“O pessoal do nordeste se orgulha muito dela [cajuína] e eu adoro. Por isso, quis trazer esse sabor para cá”, conta Ana. Na base alcóolica do coquetel, porém, a bartender usou gim Hambre, um destilado artesanal produzido em Curitiba, para compor a receita com licor de sabugueiro (St. Germain) e sherry fino.
3. Uma nova reverência ao saquê
Tradicionalmente bebido puro, o fermentado de arroz japonês começa a aparecer como base de coquetéis – não, nem pense em saquerinhas de morango ou kiwi. Destaque para a nova aposta de mercado da Azuma Kirin, a primeira marca de saquê do Brasil. Em 85 anos de história, é a primeira vez que a empresa investe em mixologia.
O Deep Size (com manjericão, suco de limão cravo, clara de ovo e angostura) e o Slight Fresh (com uma fatia de pepino, licor de cranberry e espumante) são exemplos de coquetéis autorais feitos com saquê. Ambos têm assinatura do conceituado Heitor Marin, chefe de bar do Seen São Paulo, em parceria com a fabricante do fermentado.
4. Eventos: menos Lagoa Azul, mais drinks sofisticados
Segundo o embaixador do Bar Convent São Paulo Marco De La Roche, festas de formatura e casamentos são, em geral, o primeiro contato de muitos jovens com a coquetelaria. “Ninguém chega com 18, 19 anos e senta num balcão classudo para tomar um drink forte”.
Esta é a brecha de uma nova abordagem entre os serviços de catering: apostar em coquetéis clássicos que instiguem um paladar não acostumado a sabores amargos e complexos. Exemplos? Gins tônicas, Aperol spritz e moscow mules em vez de misturas à base de leite condensado, como os velhos conhecidos Espanhola e Alexander, ou o colorido Lagoa Azul. “Se esses bares [serviços de catering] começarem a servir uma coquetelaria mais clássica, a gente já ganha muito”.
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