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Vinhos nobres de Bordeaux e Prosecco da Itália podem ficar mais caros. Entenda por quê
Da Champagne à Borgonha, na França, passando pelo Vêneto, na Itália, e até na Suíça e no Reino Unido, viticultores europeus estão lutando nas últimas semanas contra as inesperadas geadas da primavera, que estão causando estragos e prejuízos incalculáveis para a safra de 2017. Para tentar salvar a produção, muitos produtores resgataram a antiga técnica de acender fogueiras entre os parreirais para proteger as uvas do frio noturno.
Ainda não há dados consolidados sobre os prejuízos, mas produtores de Bordeaux, Champagne e Borgonha, na França, e os italianos do Vêneto já estimam que, apesar dos esforços, grande parte da safra 2017 já foi perdida. Segundo o enófilo e colunista de vinhos do Bom Gourmet, Guilherme Rodrigues, isso pode ter impacto nos preços e estoques dos grandes vinhos.
“Se a natureza reduzir a oferta em volume e qualidade, possivelmente afetará os preços para cima. A principal suspeita de alta é a safra de 2015, que começa a ser lançada. Um ano excelente e por isso já com viés de alta em relação aos anteriores”, avalia Rodrigues. “Com uma quebra também de 2016, confirmando-se o mau desempenho de 2017, pode ser que os grandes vinhos de 2015 de Bordeaux e Borgonha ganhem etiquetas de preços mais anabolizados”, estima o enófilo.
Hundreds of candles are lit in the #vineyard on @Waitrose‘s Leckford Estate to help protect the vines from the late spring frost pic.twitter.com/75trKFF0Br— Andrew Matthews (@AndyMatthews_PA) 26 aprile 2017
Impossível dizer qual será o impacto das geadas sobre os preços dos Bordeaux de 2017, já que os vinhos dessa safra chegarão ao mercado nos próximos 4 a 8 anos. Mas que haverá uma valorização não há dúvida. “Essa geada afetou grandes empresas, mas também pequenos produtores de Bordeaux. Esses são os que vão ter mais problemas financeiros”, explica Pedro Corrêa de Oliveira, proprietário da importadora Porto a Porto, um das mais importantes do país.
Um dos produtores de Bordeaux mais afetados foram as Domaines Denis Dubourdieu, cujos rótulos são muito apreciados no mercado brasileiro. A Porto a Porto comercializa em Curitiba alguns rótulos da vinícola, que vão do nobre sauternes L’Extravagant de Doisy-Daëne, safra 2010 (R$ 1600), ao mais acessível Clos Floridene, tinto e branco, safra 2014 (cerca de R$ 150).
Os primeiros vinhos a sofrer valorização serão os grandes rótulos de 2015, safra de qualidade excepcional, e que estão começando a chegar ao mercado. Diferente é a situação para os vinhos mais correntes e de qualidade média de Bordeaux. “A oferta global é muito grande, ainda acima da demanda, de modo que uma quebra de produção nos centros tradicionais europeus não deve afetar muito o preço – salvo algum fator especulativo específico. Talvez ajude a diminuir estoques, e a médio e longo prazo esse fator, associado com outros, poderá gerar algum aumento de preços na origem da gama corrente e média”, avalia Rodrigues.
França
Na França, a situação é dramática em várias regiões, sobretudo na de Bordeaux, mas também na Champagne e Borgonha, onde há 25 anos não são registradas temperaturas tão baixa nessa época do ano. Segundo o presidente do sindicato dos viticultores de Bordeaux, Xavier Coumau, pelo menos metade da safra de 2017 foi perdida.
Jean-Jacques Dubourdieu, diretor dos Domaines Denis Dubourdieu, na região de Bordeaux, explicou à revista americana Wine Spectator que três dos cinco châteaux que compõem seus domínios foram gravemente afetados – Clos Floridene, Château Haura e Château Cantegril – , enquanto Reynon e Doisy Daëne sofreram pequenos danos. “Sou esperançoso em relação a Cabernet Sauvignon e Sémillon, mas Sauvignon Blanc e Merlot foram muito afetados”, afirmou o empresário.
Sempre em Bordeaux, Stéphanie de Bouard-Rivoal, do Château Angélus, garante que conseguirá produzir 80% de seus grandes vinhos. “Infelizmente a safra de 2017 não será abundante, mas vamos colocar esforços e recursos para assegurar que o pouco vinho que vamos produzir será de qualidade excepcional”, diz a empresária. “Lembrem-se das vindimas de 1945 e 1961 que foram atingidas pelas geadas. Elas mostram que mesmo que o volume for baixo, a qualidade não diminui necessariamente”, afirma.
Borgonha e Champagne
As geadas provocaram estragos também na Borgonha e Champagne. Em alguns vilarejos da Borgonha, foi perdida até 90% da safra, enquanto na Champagne, a quebra foi de cerca de 25%. Contudo ainda é cedo para ter dados consolidados sobre a safra de 2017. Segundo Rodrigues, porém, os danos causados pelo clima não terão um efeito tão significativo sobre o preço do champagne, pois “os produtores da região trabalham com enormes estoques de vinhos de reserva, que nessas ocasiões são utilizados para compensar os problemas da natureza”.
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As geadas atingiram os vinhedos após semanas em que as temperaturas tinham subido acima da média: as uvas amadureceram mais cedo e quando o frio voltou, queimou as plantações. Para manter as uvas aquecidas e tentar conter o prejuízo, muitos viticultores saíram à noite para acender grandes fogueiras nos cruzamentos dos parreirais e pequenos fogos no meio das fileiras.
Itália
Em algumas regiões do Vêneto, na Itália, onde é cultivado o Prosecco, perdeu-se 40% da safra de 2017, segundo os produtores. A situação é parecida também no Friuli Venezia Giulia, no nordeste do país, onde a geada afetou as castas de Pinot Grigio, Prosecco e Refosco, este último completamente perdido. Estão salvas as uvas que amadurecem mais tarde como Cabernet e Merlot.
“Coloquei o despertador às quatro da manhã, fui para as vinhas, no escuro, fiz cúmulos de lenha a cada 15 metros e botei fogo”, explicou ao jornal italiano La Repubblica, o viticultor vêneto de 35 anos, Sandro Urban, da vinícola San Fiol, na província de Treviso. “Menos 0,5, menos 1 graus C… podia só chorar. Se o cacho recém-nascido queima, ele não cresce de volta” disse desesperado.
Manter as uvas aquecidas com o fogo é uma técnica ancestral, que é usada em casos excepcionais.”Lembrei do meu avô“, diz Urban. “Para combater a geada, a única solução era o fogo. Fui procurar nos livros da faculdade e ali também dizia que em casos como esse, com as correntes frias e úmidas, basta aumentar a temperatura de meio grau que você salva uma fileira“, conta.