Bebidas
Conheça quatro empresas de Curitiba que difundem a cultura do chá
Se depender do mercado local de chás e infusões, o frio de Curitiba vai se tornar bem mais suportável neste inverno. Numa cena que ganha força há anos e que agora parece plenamente estabelecida, novos empreendimentos surgem e empresas antigas encontram um novo público.
Uma das pioneiras do mercado é a Chá & Arte (na Rua Comendador Macedo, 137), loja fundada por Juliana Treis e sua mãe Mariza, em 2001. O chá é uma paixão grande na vida das duas. A ideia de abrir um negócio veio quando Juliana — que tem uma xícara tatuada no braço — apresentou uma embalagem de chá como sua monografia em Design de Produtos. Mariza já trabalhava com as ervas e as duas resolveram se juntar para ampliar o negócio.
Juliana explica que o interesse dos consumidores se alterou e cresceu nos últimos dois anos, tanto que a loja dobrou o número de vendas. “O consumidor mudou. Antes o maior interesse era por ervas terapêuticas. Hoje tem mais gente interessada nos chás mesmo, para consumir com os amigos“, diz. O crescimento foi tanto que as duas já se preparam para uma expansão por meio de franquias.
A proposta de produto da Chá & Arte são ervas puras e blends exclusivos de infusão ou chá, usando vários ingredientes nacionais produzidos pela agricultura familiar e sem adicionar aromatizantes ou conservantes. Um dos blends mais vendidos, chamado Tropical Tee, foi produzido inicialmente para o Natal — foi o resultado de um brainstorming entre os funcionários da loja sobre quais seriam os sabores típicos dessa época do ano. A infusão, uma mistura de frutas vermelhas e tropicais, baunilha e cardamomo, foi tão bem aceito que entrou para a linha permanente da loja e é um dos produtos mais vendidos. Outros blends de sucesso são o quentão (com várias especiarias) e o de banana, baunilha e canela.
The Kettle
Outra pioneira é Barbara Fingerle Ramina, dona da casa de chá The Kettle (na Alameda Prudente de Moraes, 836), criada em 2007. A casa conta com mais de 20 opções de blends de chás e infusões da marca alemã Gschwender, que podem ser consumidos na própria loja ou levados para casa. “Mas hoje há uma consciência completamente diferente do que na época [da fundação da loja, dez anos atrás]. Hoje vendo mais Camellia sinensi [folha que dá origem ao chá] do que antes e as pessoas também compram mais para preparar em casa. Estou bem contente”, diz.
Para Barbara, o aumento de interesse é resultado de uma soma de fatores, desde a abertura de mais empresas de chá, que tornam o produto mais conhecido, até as notícias de que a bebida faz bem para a saúde.
A inspiração para a The Kettle veio quando ela visitou uma amiga na Inglaterra, onde conheceu várias casas de chá. Barbara viu a chance de trabalhar com um produto diferente para Curitiba. Alemã de nascença, se mudou para o Brasil depois que casou. “Durante muitos anos fui mãe e cuidei da casa. Antes era enfermeira, mas deixei [a carreira] para trás para cuidar dos filhos. Depois chegou um momento em que queria fazer outra coisa”, diz. Começou a se informar sobre a bebida e investiu no espaço — com tanto cuidado que as louças usadas são pintadas à mão.
“Meu primeiro cardápio era quase um romance, queria explicar tudo sobre os chás. Mas as pessoas não queriam ler. No começo, as pessoas pediam muitas infusões de ervas e frutas — a Paraíso das Frutas sempre foi o mais pedido. Meu foco foi sempre o chá e as pessoas não entenderam isso muito bem. Hoje o interesse aumentou muito”, diz.
Caminho do Chá
Se para Barbara o chá foi uma maneira de criar uma nova casa, para Dani Lieuthier a bebida é uma maneira de conhecer o mundo. Ela sempre tomou chá em casa, mas só resolveu torná-lo um negócio quando cansou de sua carreira como publicitária. “Queria encontrar uma maneira de fazer algo bom para o mundo”, diz.
Depois de passar um ano na França, pensou que a gastronomia poderia ser uma maneira de criar uma conexão entre as pessoas. Começou a trabalhar em restaurantes e pensou em abrir um. Enquanto fazia um curso na Argentina, conheceu várias casas de chá e percebeu que essa poderia ser uma tendência.
“Em 2013 e 2014, viajei o mundo para pesquisar mais sobre o chá. Fui para a China, Turquia, Taiwan, Marrocos. Também fui para a Inglaterra e para a França pesquisar mais sobre os costumes”, diz. A viagem foi registrada no blog Caminho do Chá — que se tornou o nome da sua marca quando voltou e lançou blends inspirados em suas viagens.
Em 2015, ela abriu uma casa de chás e no momento reestrutura a marca para aumentar a produção dos blends, que são vendidos pela internet e em pontos de venda. “O meu objetivo é difundir a cultura de chá pelo Brasil e pelo mundo. A casa de chá não condizia com o que eu queria”, explica.
Outra maneira que encontrou para alcançar mais pessoas foi o ensino – depois de fazer algumas aulas para clientes, em 2016 abriu o Instituto do Chá, primeiro curso de sommelier de chá do Brasil. Hoje o curso está em sua nona turma e aborda temas como preparo, diferença entre os tipos e até gastronomia e drinks feitos com as folhas da Camellia, um campo em crescimento.
Uma das questões principais do trabalho de Dani é a qualidade e a sustentabilidade. “Hoje temos 15 blends e 42 chás importados. Todos os fornecedores foram escolhidos nas minhas viagens. Sei as condições de trabalho, os processos pelos quais eles passam. Não uso aromatizantes e desidrato todas as frutas aqui, para saber a qualidade e a validade exata do produto”, explica.
Para Dani, o aprendizado não para. Ela acabou de chegar de uma expedição de chá feita na Ásia e se prepara para conhecer a Amazônia, onde quer pesquisar plantas e ervas nacionais. “No Brasil, temos uma relação afetiva e medicinal com os chás”.
Moncloa
Outra das empresas caçulas de chá em Curitiba é a Moncloa. A empresa começou a se formar quando os três sócios iniciais se conheceram quando estudavam em Madrid e já tinham vontade de abrir um negócio. Viram então os chás soltos como uma tendência de mercado e começaram a investir.
A primeira loja surgiu em abril de 2013 e, desde então, abriram outras três lojas em Curitiba e começam a expandir a rede para outras cidades, como Florianópolis e Campinas. A marca também começou a vender os seus produtos online.
Os primeiros blends foram feitos por uma sommelier de chá argentina, Victoria Bisogno, para o paladar brasileiro. “O café ainda é mais consumido no Brasil, muito mais que o chá. Então pesquisamos como podíamos trazer o chá para o nosso consumidor”, diz Rodrigo Lopes, CEO da empresa. O resultado foram blends frutados, cítricos e florais.
Depois disso, Rodrigo já se especializou e faz ele próprio os novos blends — uma busca por harmonia de gostos que pode demorar meses. Os chás da Moncloa são comprados de uma empresa alemã, que beneficia produtos que compra de diversos países da Ásia.
Para Rodrigo, um dos fatores importantes para a venda do chá é educar o consumidor quanto à temperatura da água e o tempo de infusão, fatores essenciais para se conseguir um bom resultado e que podem alterar a qualidade do produto final. Isso já começa nos chás servidos na loja, que acompanham um cronômetro para não passar do tempo. A empresa também investiu em acessórios que facilitam esse processo, como bules e infusores, e em alimentos que acompanham o consumo do chá, como chocolates, biscoitos e geleias.
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No Paraná
As infusões têm uma história longa. Uma das fábricas mais importantes do estado foi a Matte Leão, fundada em 1901 para processar as folhas da erva mate, um dos produtos-chave da economia e desenvolvimento paranaenses. A marca foi comprada pela Coca-Cola em 2007 e a antiga fábrica no Rebouças foi demolida para a construção de um templo da Igreja Universal.
Curiosidades
O chá, consumido no mundo há cerca de 5 mil anos, tem uma história complexa.
Arbusto
“Existe uma lenda chinesa que explica como aconteceu a descoberta e o início do consumo das folhas desta planta. Um imperador chinês tomava sua água quente rotineira, sentado embaixo de uma árvore, quando folhas deste arbusto caíram em sua vasilha. Assim foi que, da água, fez-se o chá”, conta a sommelier de chá e pesquisadora de alimentação e plantas medicinais Camila Caires.
Folhas
O chá é a bebida feita pela infusão de folhas da Camellia sinensis. Assim como não é possível fazer café sem grãos de café, tecnicamente não é possível fazer chá sem folhas de chá. “O Ocidente se apropriou desta palavra, usando-a como referência para designar qualquer tipo de preparo de infusão. Sendo assim, quando fazemos um chá de camomila, estamos fazendo na verdade uma infusão de camomila”, explica Camila.
Puros
Tão complexo como o vinho, os chás se diferenciam por vários fatores, desde local de plantio até técnicas usadas para tratamento das folhas. O resultado são os chás puros: preto, verde, branco, amarelo e oolong são exemplos. Além dos chás puros, existem também os blends, que são misturas dos chás com ervas, frutas ou flores.
Especiarias
É difícil saber o começo exato do consumo da bebida no Oriente, mas seu caminho para o Ocidente é mais simples. O contato começou na época das Grandes Navegações, quando as folhas começaram a ser levadas para a Europa junto com outras especiarias.
Corte
O chá chega ao Brasil pela corte de d. João VI, que queria implantar uma produção de larga escala para comercializar o produto. As primeiras mudas foram plantadas no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. “Nessa época existiam 42 lojas e armazéns dedicados à venda de chás no Rio, além das confeitarias e famosas casas de chá onde era servido”, conta Camila. As plantas foram levadas também para São Paulo, mas a produção não foi bem sucedida. O imperador resolveu então importar o produto e investir na produção de café. O interesse pela plantação de chá no país só voltaria nos anos 1920, com o aumento da imigração japonesa, e algumas das primeiras fábricas ainda estão em atividade.