Bebidas
Como a coquetelaria mudou nos últimos anos em Curitiba e no Brasil
Pegue a criatividade de uma turma de jovens bartenders, adicione uma clientela cada vez mais interessada, acrescente uma variedade de ingredientes inéditos e regionais, e chacoalhe bem até misturar. Dessa fusão surge o atual cenário da coquetelaria de Curitiba, onde bares e cartas de bebidas estão mudando com a mesma velocidade que um barman emprega para preparar um coquetel. Novos bares abrem com essa proposta, a de servirem exclusivamente só drinks, além do surgimento de uma figura profissional que está ganhando espaço, a do mixologista, que estuda e pesquisa novas composições e sabores.
E se você está se perguntando qual é o drinque que irá experimentar da próxima vez, se prepare porque nos bares é a vez das releituras dos clássicos, das bebidas envelhecidas ou defumadas, e dos coquetéis à base de vinho e cachaça artesanal. Sim, aguardente de cana, o destilado que é a cara do Brasil, é uma das grandes apostas da coquetelaria.
“Ainda precisamos tirar da cabeça do público o preconceito, mas a cachaça é perfeita para os coquetéis. Tem um aroma de cana inconfundível, é uma bebida com personalidade”, diz Igor Bispo, do Tiger Cocktails. Seja branca, envelhecida ou aromatizada, é empregada cada vez mais nas releituras de clássicos internacionais como Negroni, Manhattan e Dry Martini. O Officina Restô Bar lançou em maio uma extensa carta de drinques com foco no aguardente: o destaque é o Curitiba Mule, versão do tradicional Moscow Mule (à base de vodca), servido no copo de cobre. Ele leva Yaguara, uma cachaça premium produzida no Rio Grande do Sul que está se tornando a coqueluche dos mixologistas.
No Bar Bom Gourmet La Varenne aberto há um mês no Estúdio Bom Gourmet no Pátio Batel, a Companheira Amburana, de Jandaia do Sul, no Paraná, é utilizada no preparo do drinque 1808.
A cachaça está atrelada a outra tendência, a de utilizar ingredientes locais e sazonais. “O bartender tem que ficar ligado no que acontece na gastronomia. Hoje a tendência é prezar muito pela utilização de produtos orgânicos, frescos e sazonais. Infelizmente isso ainda vai além do bartender e depende do dono do bar por uma questão de custos”, alerta Lukinhas Siqueira, do +55.
No meio desse cenário em evolução, inegavelmente as caipirinhas continuam liderando o emprego da cachaça. O recém-aberto Hard Rock Cafe veio a Curitiba com uma carta exclusiva de caipirinhas, algumas com sabores inusitados como a Killer Queen, à base de cachaça, maracujá, abacaxi e aromatizada com capim-limão. No bar +55, o drinque brasileiro ganhou uma apresentação diferenciada: ele é servido na compota e leva uma grande quantidade de frutas frescas. São quatro sabores, entre eles o de limão e especiarias (cravo, gengibre e mel), e o de abacaxi, hortelã e gengibre. “O curitibano adora gengibre, por isso a jinjibirra faz tanto sucesso, inclusive na coquetelaria”, afirma Lukinhas Siqueira.
De acordo com os mixologistas, o paladar do curitibano ainda prefere sabores doces e suaves e drinques à base de vodca, mas aos poucos algo está mudando. Hoje coquetéis mais secos e amargos têm uma aceitação maior e bebidas herbáceas e complexas, como o Campari, estão encontrando o caminho. O gim, considerado por muito tempo o vilão da coquetelaria, foi grande destaque em 2014 graças à redescoberta do gim tônica e, de acordo com os especialistas, veio para ficar.
Renato Faro, do Sheridan’s, conseguiu uma vaga na final brasileira do Diageo World Class, considerado o Oscar da coquetelaria, com um coquetel à base de gim, tônica, xarope e uma mistura inusitada de pera, queijo gorgonzola e manjericão. Ele é servido acompanhado de brigadeiro de chocolate branco. “Ainda servimos muitos drinks feitos com vodca, mas o gim quebrou o preconceito. Cabe a nós bartenders aproveitarmos o sabor exclusivo dessa bebida e trabalharmos para surpreender o cliente”, afirma Faro.
Técnicas diferentes
Além de trabalhar ingredientes novos ou reinventar os clássicos, os mixologistas passaram a empregar técnicas diferentes como a defumação e o envelhecimento dos drinks. “Exatamente como o vinho, alguns coquetéis podem ser armazenados por um tempo em barris de carvalho para ficarem mais redondos e adquirir notas de madeira”, explica Diego Bastos (Officina Restô Bar) que criou o Wine Aged Manhattan, releitura do clássico Manhattan à base de cachaça. Antes de armazenar o coquetel, a barrica, se nova, deve ser “amaciada” por cerca de um mês.
Para fazer isso são utilizados destilados como gim e bourbon, mas também vinhos tintos ou fortificados, como o xerez. O tempo de guarda do coquetel pode variar de poucas semanas até alguns meses. Rafael Oliveira (Le Voleur de Veló), que também é sommelier, foi um dos primeiros a introduzir a técnica em Curitiba: ele utiliza uma barrica de três litros para maturar o Title Fight, feito com cachaça, chambord (licor de cognac e especiarias), vermute rosso e gotas de flor de laranjeira. “Fiz vários testes até chegar ao tempo ideal de envelhecimento. O Title Fight, por exemplo, fica mais redondo depois de três semanas.”
A defumação é outra técnica utilizada para personalizar drinks clássicos. Ela não é aplicada diretamente na bebida, mas no copo ou na taça onde será servido. Pequenas lascas de madeiras perfumadas são queimadas por alguns minutos no recipiente até o vidro adquirir as notas desejadas que, em seguida, serão transferidas ao coquetel.
O Daiquiri Smoked, do Tiger Cocktails, por exemplo, é uma releitura do clássico drink à base de rum ao qual foi adicionado um toque defumado. Outra criação da casa preparada com um processo inusitado é o Japanese Slipper, feito com a técnica a vácuo. O melão é cortado em cubos e embebido numa mistura de licor de melão, licor de laranja e limão-taiti e colocado numa máquina que retira o ar da fruta. O espaço criado é preenchido pela bebida. O resultado é um coquetel para comer.
Novidades como essas surgem da criatividade dos bartenders e da procura cada vez maior por cartas de bebida sofisticadas, às vezes ousadas, e não raramente pensadas para harmonizar com comida. No Le Voleur de Vélo, as melhores combinações de prato e drink são sugeridas no menu para ajudar o cliente. Da mesma forma, o cardápio do Bar Bom Gourmet La Varenne no Pátio Batel foi elaborado para que os coqueteis harmonizem com a cozinha ítalo-francesa do chef Ivo Lopes (restaurante La Varenne).
“Coquetelaria e gastronomia não são coisas diferentes. A coquetelaria é uma vertente da gastronomia e, como ela, precisa valorizar os produtos locais. A carta do bar foi pensada na influência franco-italiana e outras criações que tentam sair do convencional”, explica Laércio Silva, o Zulu, bartender que foi campeão brasileiro em 2014 no Diageo World Class (leia a entrevista na página 46) e que assinou a carta de coquetéis do Bar Bom Gourmet La Varenne.
Todos os drinks servidos na casa são à base de vinho. Ao lado dos clássicos como Bellini e Negroni Sbagliato, tem criações exclusivas como Amour Jelly (brandy e vinho rosé); e Le Rose Voile que leva rum envelhecido e vinho tinto. A expansão dos vinhos – seja tinto, branco, rosé, prosecco ou colheita tardia – é, na verdade, uma redescoberta.
“Os vinhos sempre foram usados na coquetelaria, principalmente os espumantes por causa da acidez, do frutado e do frescor que dão ao coquetel. Já os tintos são mais complicados de utilizar por causa da presença de taninos, mas vinhos mais leves e frutados podem compor muitos drinks”, explica Flávio Bin, sommelier e consultor da importadora Porto a Porto. Inclusive sangria e clericot (versão à base de vinho branco), bebidas que servem mais de uma pessoa, estão entre os drinks mais pedidos no +55. A difusão dos coquetéis compartilhados é uma tendência recente apontada pelos bartendes. O Mojito por La Gente é outro exemplo de drink para dividir que mais sai no Officina Restô. Ele vem na jarra com 25 folhas de hortelã e serve até quatro pessoas.
Curitiba é destaque
Uma nova geração de mixologistas curitibanos começou a fazer barulho fora do tradicional eixo São Paulo-Rio. Quatro curitibanos disputaram as semifinais do concurso Diageo World Class, considerado o Oscar da coquetelaria. Eles são Igor Bispo (Tiger Cocktails), Diego Bastos (Officina Restô Bar), Renato Faro (Sheridan’s) e Lukinhas Siqueira (+55). Siqueira foi também o primeiro curitibano a conquistar o concurso nacional Cocktail Journey 2015. Nunca Curitiba teve representação tão numerosa no cenário nacional. Bispo e Bastos conseguiram uma colocação entre os dez finalistas e disputarão a única vaga que dá direito a representar o Brasil no campeonato mundial Diageo, na África do Sul.
Serviço /Lojas
Bergerson Presentes, Alameda Presidente Taunay, 45, Batel – (41) 3304-4426. Sobremesa Store, Rua Bruno Filgueira, 490, Batel – (41) 3014-0017.
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