Bebidas
Famoso produtor francês deixa vinícola para se dedicar a novos vinhos de “alta costura”
Nas últimas décadas, a propriedade Domaine Ponsot ficou famosa como uma das mais incomuns e iconoclastas da Borgonha. Liderada por Laurent Ponsot, que costuma seguir seus instintos, a propriedade da região de Morey-St.-Denis, produzia vinhos profundos, puros e de grande beleza, que eram altamente cobiçados e muito caros.
Em algumas ocasiões, porém, os vinhos acabaram sendo criticados como pouco consistentes, um problema muitas vezes atribuído à aversão de Ponsot ao dióxido de enxofre, um estabilizador usado quase que universalmente na produção dessa bebida.
Ponsot também ficou famoso por seu papel na exposição de um esquema multimilionário de vinhos falsificados, quando entregou as garrafas fraudadas para as autoridades e testemunhou contra Rudy Kurniawan, conhecido comerciante de vinhos que em 2014 foi condenado a dez anos de prisão.
Por isso, os fãs dos Borgonha ficaram chocados em fevereiro de 2017 quando Ponsot anunciou que estava deixando a propriedade da família naquele mesmo momento. Ele ofereceu apenas motivos pessoais como explicação para a partida.
Desde então, Ponsot permaneceu “em silêncio e escondido”, como disse em uma entrevista recente em Nova York, quando, pela primeira vez desde que saiu, falou sobre seus planos. Como sempre, ele está seguindo seu próprio caminho.
Primeiro, disse que vai fazer vinhos, tanto das uvas que compra como négociant quanto dos vinhedos que possui. E vai trabalhar com seu filho, Clément. “Eu nasci sobre uma adega em Morey-St.-Denis e cresci entre barris e cubas, trabalhando com meu pai. Acho que tenho um pouco de sangue em meu vinho, não vinho em meu sangue”.
Entidade
Ponsot, de 63 anos, magro e falante, com cabelos grisalhos que antes passavam de seus ombros, mas que agora estão curtos, disse que sua nova marca vai se chamar apenas “Laurent Ponsot”, que, segundo ele, representa não uma propriedade ou uma vinícola, mas apenas uma “entidade”. O nome não foi escolhido por vaidade, mas com uma garantia de que ele assume toda a responsabilidade pelo que está na garrafa.
A Domaine Ponsot era mais conhecida por seus Borgonha grand crus, em particular o Clos de la Roche, um vinhedo assim chamado por causa do solo de calcário rochoso – uma característica expressa, como o escritor de vinhos francês Jacky Rigaux disse uma vez, “para o desgosto das picaretas e dos arados, mas para o deleite das raízes que podiam penetrar nas profundezas do chão rochoso”.
Ponsot vai continuar a fazer alguns grand cru, embora não o Clos de la Roche. Mas também focará em denominações menos exaltadas e menos caras. “Quando deixei a Domaine Ponsot, viajei e perguntei às pessoas do mercado, ‘Estou começando do zero; o que você quer que eu produza?’ E elas disseram, ‘Borgonha tinto e branco, e depois villages’”.
Esses são os níveis mais baixos da hierarquia do Borgonha, em que as áreas dos vinhedos são classificadas por seu potencial de produzir vinhos distintos. Vinhos regionais como o Borgonha tinto ou o branco são feitos de uvas Pinot Noir ou Chardonnay, assim como seus homólogos mais grandiosos. Mas, apesar de poderem ser deliciosos, eles teoricamente não possuem um senso distinto de lugar além das características gerais de um Borgonha.
Sobre esses estão os vinhos village (com denominação de origem), que podem expressar a personalidade de lugares como Meursault, Gevrey-Chambertin ou Chambolle-Musigny, todos vinhos que Ponsot vai produzir. Ainda mais distintivos são os vinhos premier cru de vinhedos particulares dentro das villages que possuem o potencial de produzir vinhos melhores, e, no topo, os grand crus, que não recebem denominação de village porque os próprios vinhedos são muito singulares.
Romanée-Conti
Como os Borgonha ficaram populares em todo o mundo nas últimas décadas, esses vinhos grand cru, feitos em quantidades pequenas, tornaram-se exorbitantemente caros, levando em parte à falsificação, como no caso de Kurniawan.
“Existem pessoas avaliando esses vinhos com preços insanos. Setenta por cento dos grand cru são bebidos por pessoas que não conhecem nada de vinho. Isso deixa os preços malucos”, disse Ponsot.
Com esses valores, afirmou, as garrafas das propriedades mais estimadas, como o Domaine de la Romanée-Conti, tornam-se símbolos de status ou investimentos que raramente são desfrutados por sua beleza intrínseca. “Quero produzir vinhos que as pessoas possam abrir e desfrutar. Quase metade das garrafas de DRC não chega a ser aberta”.
Se a situação atual deixa Ponsot irritado é principalmente porque ele ama apaixonadamente a Borgonha e sua noção definidora de terroir: que os melhores vinhos possam expressar as qualidades de onde as uvas cresceram e a cultura das pessoas que os fizeram. Ele detesta ver as distorções do que isso representa. “Nenhum lugar do mundo é como a Borgonha. Ela tem 70 quilômetros de comprimento, um de largura e 1,2 mil denominações. Acreditei no terroir minha vida inteira”, explicou.
Villa Vinum
Essa fé e um desejo de que as pessoas entendam melhor o conceito, levou Ponsot a sua ideia mais ambiciosa para o futuro, e talvez a mais extravagante. Ele quer construir um centro de visitantes, que se chamaria Villa Vinum, entre os vinhedos da Côte de Nuits, não muito longe do Clos de Vougeot. O centro de vários níveis vai usar realidade virtual, telas interativas e filmes e terá apresentações, conferências e uma biblioteca, com o objetivo de educar as pessoas sobre os vinhos, os vinhedos e o terroir da Borgonha.
O design futurista, que Ponsot disse ter criado junto com a Cicada, firma de arquitetura paisagística de Singapura, e Eric Poillot, arquiteto de Dijon, vai integrar o complexo com sua nova vinícola, um restaurante, uma butique e uma loja de vinhos.
Ele enfatiza que a Villa Vinum não será um museu. Em vez disso, teria o foco no futuro. O projeto, segundo suas estimativas, vai custar 20 milhões de euros. Ele explicou que espera começar a construção em 2020 ou 2021. Apesar de estar comprometido com sua visão, diz que também acha tudo um pouco assustador. “Temos que ser um pouco ingênuos, ou não fazemos nada. Estou com medo, mas isso ativa meu sangue”, afirmou.
Com os Laurent Ponsot, ele quer fazer vinhos de “alta costura”. “Quero trabalhar com cada elemento, da plantação da vinha à apresentação do vinho na mesa”, afirmou. “Se eu não plantar as uvas, as que eu comprar terão que ser perfeitas, na minha opinião. Todos os detalhes são importantes”.
O objetivo é um vinho que não seja exibido, que esteja vivo e tenha a capacidade de se comunicar. “Não quero agradar os críticos. Quero agradar a mim mesmo. Quando abro uma garrafa, quero ter emoções. Se não tiver, não vou colocar no mercado”, afirmou.