Bebidas
Enóloga portuguesa Filipa Pato conquista o mundo dos vinhos longe da sombra do pai
Poucos meses após atingir um feito inédito – pela primeira vez um vinho da região da Bairrada, em Portugal, de casta única, chegou aos 96 pontos na conceituada publicação Wine Advocate, dirigida pelo crítico norte-americano Robert Parker – a enóloga Filipa Pato consagra definitivamente a independência de seu pai, o embaixador da uva Baga, o enólogo Luís Pato.
Filipa é a terceira geração de uma família produtora de grandes vinhos da região da Bairrada, mas decidiu trilhar seu próprio caminho ao invés de permanecer à sombra do pai. Se formou em química e partiu pelo mundo para aprender com os melhores enólogos de Bordeaux, Argentina e Austrália. Na volta, ao invés de assumir as vinhas da família, procurou encontrar as suas.
Filipa reconhece que sua história é exceção e que ser mulher no mundo dos vinhos de Portugal não é fácil nem mesmo para uma herdeira com o seu sobrenome. “Meu pai é uma pessoa brilhante, mas teve o apoio das mulheres da família, da minha avó que ainda é viva, aos 93 anos, e da minha mãe. Elas o ajudaram muito. É rara a família em Portugal que dá a oportunidade às mulheres de trilharem o mesmo caminho. Eu tive”, diz.
Quando voltou do exterior decidida a trabalhar com o pai, ouviu dele uma resposta que fez a diferença em sua trajetória. “Ele disse, ‘trabalhas comigo, mas para não ficar na minha sombra quero que comece um projeto sozinha’”, lembrou em entrevista exclusiva ao Bom Gourmet, durante uma rápida visita a Curitiba, onde promoveu um jantar harmonizado com seus vinhos no L’Epicerie.
Vinhos autênticos e sem maquiagem
Nascida em 1975, ano em que a marca mais conhecida de glifosato produzida pela Monsanto foi criada, Filipa se firma hoje como uma das maiores opositora aos herbicidas em Portugal. Só produz a partir da filosofia biodinâmica que combina conhecimentos químicos, geológicos e até astronômicos para desenvolver as plantas.
É voltar a plantar e produzir literalmente como os ancestrais. “Conseguimos encontrar qualidade e desenvolver vinhas centenárias neste modelo. São vinhas tão velhas que dão um trabalho manual incrível e só manualmente conseguimos chegar lá”, conta orgulhosa.
Embora viaje o mundo para divulgar seus vinhos, Filipa também coloca a mão na massa. Divide com a equipe e com o marido, o sommelier belga William Wouters, o trabalho nas vinhas e acredita que essa proximidade faz a diferença para produzir vinhos de qualidade.
“Ano passado foi um ano quente e pouco úmido. Tivemos que cortar as ervas das vinhas velhas apenas uma vez. Este ano foi bem mais úmido, choveu muito na primavera e tivemos que cortar quatro vezes. A mão de obra é incrível. Só uma equipe dedicada consegue manter a qualidade e mais, o bom humor, ao lidar com tanto trabalho”, diz.
Em seus vinhedos em Portugal planta apenas variedades autóctones, como a vermelha Baga e as brancas Bical, Atinto, Maria Gomes e Cercial. O premiado com 96 pontos recentemente por Robert Parker é o Nossa Calcário 2015, feito com uvas Baga com idade média de 80 anos, estagiado por 18 meses em toneis de 500 litros de carvalho da Eslovênia.
Foi a primeira vez em que um vinho monovarietal português recebeu tamanha pontuação. O feito é ainda mais relevante considerando que o Nossa Calcário não tem uma graduação alcoólica tão alta – 12%. “É fundamental esse olhar do Parker que não prova só vinhos com mais estrutura e mais álcool e percebe essas pequenas regiões, como a Bairrada”, afirma a enóloga
Filipa conta orgulhosa que o crítico Mark Squires, responsável por provar e analisar os vinhos portugueses para a publicação de Robert Parker, respondeu que a grande surpresa do ano em Portugal foi a Baga, que é considerada tânica, não tão fácil assim de ser entendida e que precisava de décadas para ficar boa na garrafa. “Ele disse também que havia estilos como o meu, que fazem bagas polidas, refinadas e que podem ser provadas quando novas. Isso pra nós foi o maior reconhecimento possível”, diz.
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