Bebidas
Curitibano cria cervejas com leveduras brasileiras
Se o prato sempre é desenhado para combinar com a cerveja, por que não fazer o contrário? A questão mora na cabeça do chef e beer sommelier curitibano Allan Cunha desde 2008 e culminou no projeto Brasii (com dois “is” mesmo, leia mais abaixo): ele vai elaborar cervejas para harmonizar com um prato típico de cada região. O projeto é pioneiro no Brasil e está levando vários anos de pesquisa. O objetivo é incentivar as pessoas a cozinhar mais em casa, inclusive cerveja.
Cunha pretende produzir cerveja inspirada em 23 países, com quatro nações confirmadas para a primeira etapa: o Brasil, com quatro pratos, Estados Unidos com dois e França e Alemanha com um cada. Por enquanto, uma combinação está pronta: uma saison para acompanhar uma moqueca. O primeiro rótulo está previsto para ser lançado em outubro.
Na sequência, outros três rótulos brasileiros devem ser lançados. Ainda sem definição, sabe-se que um será lager e os outros dois de alta fermentação. “Temos que fazer uma análise sensorial das leveduras para entender qual o perfil. De acordo com o perfil e a lista de pratos que temos, desenvolvemos a cerveja até chegar ao resultado desejado”, explica Allan Cunha.
Os estilos das cervejas estadunidenses, francesas e americanas ainda não estão definidos. Todos os estilos serão produzidos em um volume de mil litros. Quando acabar, acabou: quem quiser repetir a dose pode guardar o rótulo, que conterá as receitas do prato e da cerveja. “Espero que as pessoas façam em casa os pratos e as cervejas que estamos propondo”, aposta. As leveduras dos quatro rótulos brasileiros serão comercializadas pelo parceiro Bio4, que está desenvolvendo no momento. Conheça o processo.
“Queremos que os rótulos tenham um contexto com a cultura do país e da região. Não vou usar uma levedura do Brasil para fazer uma cerveja pensando em costelinha barbecue, que é típica dos Estados Unidos”, diz. Algumas conversas estão adiantadas: no caso da França, há a possibilidade de usar barris de um produtor de vinho de Bordeaux para maturar a cerveja e preparar uma bebida que – o chef frisa – talvez seja harmonizada com bouef bourguignon. “Só ao provar é que saberemos, porque há uma relação entre gordura, acidez, dulçor e ligação dos aromas. Harmonizar um prato com bebida depende de muita coisa e o que nós queremos é que seja uma experiência”. A previsão para a produção nos Estados Unidos é para o segundo semestre de 2016, na Europa é no início de 2017.
“Temos um cuidado grande com a levedura que vamos usar, porque é ela quem dá o perfil da bebida e o efeito disto sobre o prato. Tem pratos que adoraríamos harmonizar, mas ainda não temos o perfil da levedura bom o suficiente para construir uma bebida pensando naquele prato”, explica o chef.
As leveduras
Allan trabalha em parceria com a empresa de biotecnologia Bio4, que produziu as quatro leveduras para as cervejas brasileiras. A primeira é uma saison com perfil de maracujá, a Brasii Moqueca. Para chegar às leveduras que serão trabalhadas nas bebidas brasileiras, foram quatro anos de pesquisa. O processo começa com a escolha de uma colônia que tenha aspectos desejáveis – a de maracujá foi coletada em uma cachaçaria no interior do Paraná – e em seguida isolam-se cada uma delas para verificar suas características e quais serão aplicadas na produção de cerveja. Escolhida a levedura, ela é multiplicada e forma uma colônia de “indivíduos” idênticos.
“O pessoal faz o que chamamos de fermento caipira (saiba o que é e como usar), leveduras que estão na natureza e fermentam. Pegamos esse fermento e isolamos cada levedura para ver qual delas dá a característica que desejamos”, explica Marcelo Barga, sócio da Bio4. A empresa passa a comercializar as novas leveduras até o fim do ano em frascos de 50 ml (para produção de 20 litros de cerveja) em brewer shops, que custarão em média R$ 25. Também haverá garrafa de 5 litros (para mil litros de cerveja).
O projeto
Brasii, em latim, significa malte, e remete, claro, ao país de origem do criador do projeto. Seu objetivo é trabalhar rótulos sazonais para cada país e “fazer a cerveja alcançar o status do vinho em harmonizações”. “Cerveja nunca é a primeira opção na cabeça de um cozinheiro quando se fala em harmonização”. Parte do esquecimento, diz Allan, é a falta de padrão das cervejas especiais. “Uma das únicas coisas que as cervejas especiais podem aprender com a indústria é ter padrão. Se você comprar a mesma cerveja de lotes diferentes, muitas vezes não encontra a mesma qualidade”, critica.
O chef
Allan Cunha trabalhou por 11 anos como chef de cozinha e entre 2013 e 2014 manteve uma chácara próxima em Campo Largo onde promovia cursos, jantares e eventos restritos a seis pessoas. Para cada oportunidade, era servida uma cerveja feita por ele ali mesmo, mas que nunca era comercializada. A chácara foi vendida, Allan continuou suas viagens de pesquisa pela Europa e Estados Unidos e com o seu trabalho de consultor. E o exercício da harmonização nunca parou: “Uma das ferramentas que a cerveja oferece e que o vinho não tem é a carbonatação, que traz textura para um prato com molho”, explica. Em outubro, o chef parte para os Estados Unidos com passagem só de ida para trabalhar com consultoria de restaurantes.